Melinda May é o tipo de mulher que anda nas ruas e é impossível não chamar atenção, o cabelo preto e liso, a boca pintada de vermelho, os saltos altos e os seus sobretudos chamavam atenção tanto quanto sua beleza asiática, os olhos puxados, seu charme e sua capacidade de entender as pessoas. Quem a visse de longe seria capaz de deduzir que ela trabalhava em alguma empresa de luxo, que tratasse de coisas importantes mas não tão importantes quanto ser responsável por exorcizar os demônios que atormentam a vida de uma criança. Os passos tornando-se cada vez mais rápidos, Melinda segurava sua bolsa que teimava em escorregar dos seus ombros. A pequena mulher asiática esbarrou em alguém que gritou algum xingamento misógino, Melinda revirou os olhos e seguiu em frente, não perderia seu tempo pedindo desculpas a alguém que claramente não merecia.

E assim seguiu a vida corriqueira de Melinda, todas quartas e sextas-feiras ela estava na casa de Hank Voight por um mês até que Meredith começou a se abrir com ela. Era evidente o quanto Melinda deixava Meredith se sentir confortável com ela e falar apenas sobre o que ela queria falar para ganhar a confiança da criança antes de começar a ajudá-la com seus problemas.

Sentadas no chão do quarto de Meredith, com as paredes beges cheias de rabiscos coloridos, Melinda perguntou. 'Oi, Meredith. Como está você hoje?'

A pequena menina deu de ombros, cruzou os braços em cima do peito e mordeu os lábios antes de responder. 'Bem.' Apesar dela estar sendo monossilábica, Melinda estava feliz por essa ser a única palavra que Meredith tinha dito a ela em um mês de tratamento.

May suspirou e sorriu para a menina. 'Quem fez esses desenhos na parede?'

'Eu e Noah.' Respondeu simplesmente, olhando para a parede atrás da mulher mais velha que curvou seu corpo para olhar o mesmo desenho que a menina. 'Erin, papai e Tia Livvie riscam também. Eles dizem que não tem problema porque nós vamos nos mudar mas que eu não posso riscar a parede da casa nova.'

'Você está confortável com a ideia de se mudar?'

'Eu não me importo.'

'Por quê?'

'Porque eu vou estar com papai, tia Livvie e Noah. E perto de Erin, então eu não me importo muito.' Meredith voltou a dar de ombros.

'É bom renovar, mudar-se... A segurança que você sente vem das pessoas e não das coisas, isso é bom tanto pra você quanto para as pessoas que querem te proteger.' Melinda pousou uma mão no braço da menina, olhou-a nos olhos e sorriu. Depois, voltou a sua posição inicial. 'Falando em segurança, eu trouxe algumas coisas que você vai gostar.' A psicóloga pegou uma pasta dentro de uma bolsa preta de couro. 'Eu tenho duas folhas, em uma você vai desenhar o lugar onde você se sentiu com medo, insegura, triste... E na outra você vai desenhar onde você se sente segura, protegida, amada... Você pode desenhar o que você quiser, inclusive pessoas. Você pode fazer isso, Mer?'

'Sim.' Demorara alguns segundos para a menina verbalizar uma resposta, a mulher asiática colocou duas folhas no chão a frente da menina que saiu de sua posição para ir buscar os lápis de colorir depois voltou-se ao chão e começou a desenhar. Não ouviu-se mais nada desde que Meredith começara a desenhar, os pequenos traços feitos pelas pequenas mãos da menina foram formando os desenhos. Não ouvia-se nada na casa além do barulho irritante do lápis riscando a folha em branco que, depois de alguns minutos, tornara-se desenhos. Para alguns, isso seria apenas desenhos mas para Meredith aquilo seria o retrato de sua vida tão curta e tão sofrida, mas ainda assim, com pelo menos um pouco de felicidade que vinha conquistado a pouco tempo desde que conheceu Hank Voight.

'Eu terminei.' Avisou enquanto juntava os lápis tirando-os de cima do tapete rosa de borboleta.

'Eu posso ver?' Perguntou e Meredith entregou um dos papéis a ela. Havia uma casa ao redor de várias árvores, uma mulher morena estava descrita como louca, os cabelos cacheados no meio do rosto enquanto batia em uma criança que aparentemente estava quase morrendo de medo. A casa não tinha uma boa iluminação e havia mais pessoas ao redor da casa. 'Esse é o que você sentiu medo, eu presumo. Quem são essas pessoas?'

'Sou eu e a mamãe.'

'Porque você está chorando?'

'A mamãe estava batendo em mim, porque eu não tinha sido uma boa garota.'

'Por que?'

'Porque eu fugi de casa, mamãe não gostou disso e foi atrás de mim na escola. Skye viu quando ela colocou um negócio com cheiro doce no meu nariz.'

'Eu sei que Skye viu, querida. Ela ficou muito preocupada com você mas agora ela está bem em saber que você está bem. Aliás, ela sente sua falta na escola.' Melinda disse apenas para ver a reação da menina que arregalou os olhos e olhou-a como se ela fosse um fantasma, a menina começou a roer as unhas e balançar as pernas em sinal de nervosismo. 'Mas, eu não acho que você está pronta pra voltar a escola. Você pode tentar ir mas eu não acho que você vá sentir-se confortável lá e eu só quero que você sinta-se confortável comigo para dizer o que quer que você queira dizer que é justamente para eu te ajudar a fazer você se sentir confortável com as coisas que te deixam desconfortável. Você entendeu?'

'Eu acho que sim. Eu sinto falta da escola. E de Skye.'

'Eu sei, querida. Skye sente sua falta também mas nós podemos resolver isso, né? Ela pode vir visitar você ou você ir visitar a gente, você escolhe o que for mais confortável para você.'

'Ok.'

'Deixe eu ver o outro desenho.' Havia uma casa nas cores azul e branca, seis pessoas estavam em frente a esta casa em sua ordem estava uma mulher alta, morena, os cabelos no comprimento do ombro e óculos no rosto; um homem branco de olhos verdes e quase sem cabelos; uma outra mulher loira, de olhos verdes, cabelo também nos ombros e ela vestia uma blusa com um raio na frente, a mulher estava de mãos dadas a duas crianças; uma menina de cabelos cacheados, morena e olhos claros e um menino branco de cabelo castanho que puxava o seu carrinho por uma corda. Todos aparentavam estar felizes e no espaço vazio do desenho a menina escreveu "Family!".

'E esse?'

'Eu me sinto bem nesse.'

'Essa é a sua casa, certo? Quem são essas pessoas?'

'Erin é minha irmã e ela gosta de me proteger quando tem trovões, por isso ela tem essa blusa. Esses são Noah, meu irmão.'

'E esses?'

'São mamãe, eu e papai.'

'Mas você não sentia medo da sua mamãe? Porque ela está nesse desenho?'

'Não. Essa é a nova mamãe.'

'Nova mamãe?'

'É a Tia Livvie.'

'Você acha que Tia Livvie é sua nova mamãe? Por quê?'

'Eu não sei. Ela cuida de mim como ela cuida de Noah e se ele pode chamar ela de mamãe, porque eu não posso?'

'É claro que você pode, querida. Você acha que Tia Livvie é uma boa mamãe?'

'Sim. Ela me deixa tomar sorvete depois do jantar.'

'Tia Livvie sabe que você quer chamar ela de mamãe?'

'Não. Eu tenho medo de que ela não me queira como filha dela.'

'Querida, eu não posso falar por ela mas eu acho que ela já considera. Ela deixou tudo em Nova York quando soube que você estava em perigo, ela cuida de você, te deixa tomar sorvete e comer biscoito antes do jantar, ela te dá beijinhos pra sarar a ferida, ela te dá abraços quando você tá com medo e ela até deixa você dormir com ela quando você tem um sonho ruim. Eu acho que ela cuida de você como uma mamãe.'

'Você acha?'

'Sim.'

'E você acha que eu deveria chamar ela de mamãe?'

'Você pode fazer o que você quiser e te fizer sentir melhor, querida. Tia Livvie vai sempre estar com você seja como "Tia Livvie" ou "Nova mamãe".'

'Ok, eu posso ir agora?'

'Você está me expulsando da sua casa?' Melinda perguntou, o sorriso sempre no rosto enquanto ela esperava a menina responder e juntava suas folhas do chão.

'Eu estou com sono.' Meredith disse bocejando e esfregando as mãos nos olhos.

'Você continua não dormindo a noite, não é? Mas nós vamos resolver isso.' Melinda sorriu antes de pegar uma fita adesiva na sua bolsa e ajudar a menina a colocar no desenho que ela se sentia bem. 'Você vai pegar e vai colar isso no lugar pra onde você olha quando acorda.' A menina assentiu com a cabeça antes de se dirigir até a porta, ela tentou colar o desenho o mais alto que pôde e quando obteve sucesso ela voltou pra sua posição inicial. Melinda May tirou uma caixinha de plástico transparente da bolsa e pediu para que Meredith colocasse o outro papel com desenho dentro. 'Você pode fazer o que quiser com essa caixa, eu sei que você é bastante criativa e vai encontrar uma forma de livrar-se dela. Ou você pode simplesmente ficar com ela para que se lembre que as pessoas que lhe fizeram mal estão que nem esse desenho; presos. Eles não vão voltar para lhe fazer mal, e sempre que você se sentir com medo, você olha pra sua porta e vê que você tem uma família linda pra cuidar de você e te ajudar com tudo que você precisar, ok?' A menina assentiu e pegou a caixinha pra levar consigo. 'Tudo que você precisa é saber que você é amada por pessoas que farão de tudo para te proteger de tudo que é ruim. Lembre-se disso nos duas ruins.'

Melinda May saiu com a bolsa em uma mão e na outra segurando a mão pequena da menina de oito anos. A mulher estava feliz que Meredith tinha se aberto pra ela, mesmo que de sua forma reservada. Ela estava feliz por ter a sensação de dever cumprido naquele dia e Meredith estava feliz por receber a ajuda dela.