Valentino‏ escrita por TM


Capítulo 24
Bruciato




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O ano era de 1498, mas parecia que tinha voltado no tempo de Cristo. A carruagem grunhia a medida que o cavalo dava seus passos lentos e preguiçosos, ao meu lado estava Bartolomeo Benedetto. O cavalheiro roía suas unhas pela ansiedade que sentia e ouvia atentamente a conversa dos cavalariços.

— Violetta Donatella és uma moça de grande valor, Leone! Além disso, há rumores na cidade de que seus pais pagarão 900 ducados á quem casar com vossa senhoria. — Ele riu. — Está tão difícil assim arrumar bons noivos, Leone? Faço-me essa pergunta todo dia, minha filha, Giordanna, está quase na idade para arrumar-mos um bom marido.

— Filippo, peço-lhe para que não caia na ilusão de Violetta Donatella, pois pelo que me disseram, é uma mundana! Consegue ser pior do que as que achamos no beco na noite anterior. Que homem em sã consciência iria querer casar com essa senhora? É por isso que oferecem um dote tão grande! Espero que Deus mostre á ela sabedoria e guie seu caminho. — Houve um breve silêncio. — Sabeis onde estais á ir, companheiro?

— Sim, á execução de Savonarola. Ele provocou tanto o papa que mandou queimá-lo vivo. Pobre homem! Ele defende sua fé, mas não vê o mal que causou em Florença.

— Florença? Terra do grande pensador e político Nicolau Machiavelli? Pois bem, retiro-me daqui e nesse instante. Tenho medo deste homem e pela fama que carrega em suas costas.

— E qual seria a fama que meu pai carrega, nobre homem? — Os dois cavalariços olharam assustados para trás, dava para ver o medo em seus olhos. — Não sabeis que eu sou sua filha, Giorgia Machiavelli? Agora sabem, e exijo que por educação e pela honra que tens, parem de falar de um homem como meu pai.

Bartolomeo encarou-me e em seguida, soltou um riso fraco. Filippo e Leone retornaram ao assunto em que mais gostavam; mulheres.

— Pensa em casar-se ainda, Dannata? — Bartolomeo me perguntou num sussurro.

— O que tens de mal nisso? — Sorri. — Sim, penso! E tu, não arrumou uma noiva ainda pelo qual motivo? Não achou a mulher de seus sonhos ainda?

— Não, ainda não. Quem sabe Deus esteja guardando o melhor para o final, assim como ele fez com vossa senhoria e Pedro Luís Anjou. Que Deus o guarde em seu manto celestial!

~[]~

Antes mesmo de Filippo ou Leone anunciar que estávamos em Florença, eu já sabia. O ar era diferente, não cheirava corrupção e pecados como em Roma, tudo parecia modificado por um momento até que olhei em volta e assustei-me. Nas ruas via-se fogo, e percebi que embaixo das chamas ferventes, estavam móveis caros, pinturas, joias, roupas.

— O que aconteceu com minha amada Florença?

— Savonarola disse que Deus perdoa aqueles que são humildes, e ordena para que todos peguem suas riquezas e queime-as, pois só assim terá o perdão e a salvação que tanto procuram. Em menos de anos, ele conseguiu alienar a cabeça dos moradores, falando-lhe bobagens nas quais acreditava; agora nós sabemos, que isso não passa da pura vaidade do padre. — Bartolomeo Benedetto encarou-me, seus olhos brilhavam. — Vossa senhoria seria capaz de queimar tudo que considerava sua felicidade por algumas palavras jogadas ao ar sem o menor sentido por um padre que condena seu superior, o Santo Papa de Roma?

— Deus sabe o que está em nossos corações, não preciso provar nada pra ninguém. Nem para o papa de Roma. — Abaixei a cabeça. — Pensei que só a Basílica de São Pedro estava mal governada, mas agora, descubro que é toda a igreja católica. Vejo que daqui alguns dias perderei a fé que tenho.

— Ei, não te preocupes. Deus sabe o que faz! — Ele colocou sua mão em cima da minha. — A fé que estais a perder, é na humanidade, não deixas que se alastre para a parte religiosa, si?

A carruagem parou.

— Chegamos ao local da execução. O papa e sua família os aguardam, senhores. — Anunciou um dos cavalariços.

— Então, vamos? — Bartolomeo me conduziu gentilmente até onde os Borgia residiam no momento.

~[]~

Era um lugar um pouco mais alto que o chão, e nele estavam várias cadeiras banhadas em ouro e sentadas nelas estavam a família real, os Borgia. Sentei-me do lado de Cesare e senti os olhos de Bartolomeo queimando-me a nuca. O papa Alexandre VI olhou para mim e sorriu, em seguida, gritou:

— Podem trazer o condenado, nossa última convidada chegou!

Tinha uma forca, e várias pessoas em volta gritando "Saúdam o santo papa!", "Não terás vitória!", "Alma pecaminosa!", em suas faces, via uma sombra de maldade em cada cidadão florentino. Jamais pensei em desejar a morte de alguém, nem se esse alguém fosse Girolamo Savonarola.

— Ansiosa para a execução? — Cesare Borgia perguntou-me discretamente.

— Nem imagina o quanto.

— Bartolomeo á contou? Sobre o pedido que casamento que irás fazer á teu pai hoje? — Olhei para meu amante sem acreditar no que dizia. — Sim, irás se casar. E não á chamarás de felicidade, chamarás de sorte.

— Meu Deus. — Foram as únicas palavras que consegui pronunciar.

Ouvi gritos, aplausos e virei a cabeça á direita. Um homem velho com o rosto cortado, com sangue em suas vestimentas e com a cabeça levantada estava sendo escoltado por cinco guardas. Ele olhou diretamente para o Papa e lhe lançou um sorriso cínico.

Os guardas demoraram um pouco para colocá-lo na forca, e quando colocaram, Girolamo Savonarola gritou:

— Isso é o melhor que tens á fazer contra mim, Borgia?

— O que disse? — O papa cerrou os olhos.

— Não tens nada melhor? Foi isso que planejou? — Ele riu. — Tenho pena de vossa família, Borgia. Estão amaldiçoados, pois entre suas veias corre seu sangue, ou melhor dizendo-lhe, o veneno do qual todo mundo já cansou de avisar.

— Gettarlo nel fuoco¹! — O papa falou furiosamente.

Os guardas amarraram Girolamo Savonarola em um poste, e em seus pés havia bastante palha, e junto á eles, os florentinos jogavam bebidas como vinho para acelerar sua morte.

— Quais são as suas últimas palavras antes de morrer, Savonarola?

— Tu terás um final triste, Rodrigo Borgia. Peça á todos para que rezem pela sua alma. — Após essas palavras, Girolamo Savonarola citou algumas orações em voz baixa.

Um guarda veio com uma vela pequena em mãos e jogou-á na palha. O fogo o consumia, e sua dor dava para ser sentida através de seus gritos de socorro. Levantei para sair quando senti uma mão impedindo que eu fosse.

— Vossa senhoria terás de ficar. — Cesare Borgia falou com a voz autoritária.

— E ver um homem morrer aos poucos? Vendo-o sofrer a cada minuto que se passa enquanto nós o vemos de perto? — Minha voz saiu trêmula e senti que meus olhos tinham começado a lacrimejar. — Isso não é coisa que se faça!

— Fique aqui. — Cesare forçou a mão que me prendia e me puxou para a cadeira.

Os gritos de Girolamo Savonarola tornaram-se cada vez mais altos, mais apelativos, cobri meus olhos com minhas mãos, e chorei silenciosamente. Ouvi também vários homens e mulheres gritando "Estamos salvos!", "Como tu és santo, papa!", enquanto o outro lado gritava "Morte ao papa!", em sua oposição. Confesso que jamais senti tamanha tristeza e raiva durante toda a minha vida.


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Notas finais do capítulo

¹ — Lance-o ao fogo!
—__
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