Sixteenth Moon escrita por Nath Schnee


Capítulo 8
Sétimo Capítulo – 12 de Setembro


Notas iniciais do capítulo

OLÁ LEITORES!
Pois é! É Natal, mas ainda estou postando!
Como vão? Estão tendo um bom Natal?
Espero que sim!
Avisos do capítulo:
Assim os diálogos dos outros capítulos, alguns trechos deste virão diretamente do livro sem modificação alguma. Então, já sabem, exceto a descrição e alguns atos da Lena, o resto é tudo pertencente ao livro.
Muito obrigada a todos que comentaram até agora ♥ Amo vocês.
Ah! E talvez o capítulo inície sem sentido, pois eu o fiz misturado ao anterior.
Vamos lá?



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Mais que coincidência

Joguei-me na grama e olhei para o céu que escurecia com nuvens, mas eu não podia vê-lo. As gotas, de chuva e de lágrimas, manchavam minha visão. Eu as deixei rolar. Deixei sair tudo o que segurei desde o primeiro dia de aula. Chorei a ponto de soluçar. Escondi meu rosto com o braço.

Mesmo que eu tentasse me convencer que elas nunca estavam certas, aquelas palavras sempre me atingiam. Eu não era como Ridley. Ela conseguia ignorar, viver sua vida sem se sentir mal. Eu não. Sempre havia sido fraca, sempre era eu quem chorava, eu que se sentia ruim. Ela sempre me confortou, ainda que sofrendo o mesmo. Agora ela não existia mais, substituída por um ser das Trevas. E eu estava ali, ainda precisando de alguém, fraca como sempre.

Fechei os olhos e tentei pensar em outra coisa, mas Ethan foi quem me veio em minha cabeça. Uma imagem de ele pensando em me seguir veio em minha mente.

Aquilo era real? Mesmo que fosse, ele não podia se envolver.

Não faça isso.

Eu tentei usar Kelt. Uma metade minha queria rir de mim mesma por acreditar que um Mortal ouviria meu Kelt, mas a outra tentava acreditar.

Ele continuava pensando no assunto.

Isso não vale a pena, Ethan.

Imaginei, ou pensei imaginar, ele empurrando a cadeira e correndo para fora, atrás de mim.

Balancei a cabeça. Talvez tivessem razão e eu fosse louca. Afinal, eu estava imaginando que um deles, um garoto de GATLIN, viria me ajudar.

Eu sei o que estou fazendo.

Foi o que pensei ter ouvido.

Não, você não sabe. Acha que sabe, mas não sabe.

Ele não parou.

Abri os olhos. Pare de sonhar acordada, Lena Duchannes. Nunca que ele viria. Não seja idiota.

Deixei meu braço cair no chão atrás da minha cabeça e agarrei a grama com a outra mão. Comecei a arrancá-la, imaginando-a sendo o couro cabeludo de cada uma das garotas da Jackson High.

Arranquei um pouco de mato.

Essa era Charlotte Chase.

Mais um pouco.

Eden Westerly.

Mais.

Savannah Snow.

Outra vez.

Emily Asher.

Estiquei a mão para cima e encarei a grama e a terra nessa. Eu apertava com força. Abri lentamente, o vento fazendo voar, levando para longe. Era estranho como a terra e a grama não saiam do lugar quando no chão, mas com um simples movimento meu, ao simplesmente estar em minhas mãos, elas iam longe através do vento forte, voavam até desaparecerem de minha vista.

Meu maior desejo naquele momento era que minhas emoções — que naquele momento eram um misto de tristeza, raiva, angústia, solidão, ódio — fossem como a terra e a grama. Que, de alguma forma, eu pudesse simplesmente arrancá-las de meu coração e deixá-las voar até longe de mim, sendo levadas pelo vento que meu próprio poder fazia ficar mais forte.

Voltei a encarar o céu. As lágrimas não pareciam acabar. Não prestei atenção no tempo, mas lembro de ter ficado daquele modo até que me forcei a ficar normal. Tão normal quanto uma Duchannes seria.

Ouvi um barulho vindo da direção de Ravenwood. Ethan novamente estava em meus pensamentos.

Falei para você não vir.

Eu sei.

Franzi o cenho, surpresa e confusa. Eu não conseguia pensar que fora minha imaginação. Aquela era a voz dele, soando de maneira tão clara e vindo de uma parte tão profunda de minha mente que eu podia jurar que ele usara Kelt, que havia acabado de me responder como sempre fez a Ridley.

Pensei nas outras vezes que tentei. Na primeira, na aula, ele havia se assustado logo em seguida, como se realmente tivesse me ouvido. Na segunda ele talvez tivesse ignorado, mas na terceira, quando falei sobre Harper Lee, ele riu, apesar de ninguém ter feito uma piada. Em algumas das outras vezes ele olhou para mim, como se eu o tivesse chamado ou realmente tivesse falado algo.

Ele tinha ouvido? Não. Não podia ser. Não era possível.

O barulho de grama e mato sendo mexido aumentou.

— Lena? — ouvi a voz dele vindo junto com o som.

Ele veio!, foi a primeira coisa que pensei. A segunda foi que ele não podia. Eu não podia permitir que ele se aproximasse, por isso não respondi. Queria que ele pensasse que eu havia ido para outro lugar, desse meia volta e fosse para casa.

— Sou eu. O Ethan. — insistiu.

Não resisti e respondi.

— Vá embora. Já mandei ir.

O som dos passos ficou ainda mais próximo. Era como nos sonhos. Nós podíamos nos ouvir, podíamos sentir a presença um do outro, mas não podíamos nos ver.

— Eu sei. Ouvi o que você disse.

Ele havia ouvido o Kelt? Como assim? Era possível isso?

— Ouviu?

— Ouvi.

Escutei quando ele passou pelo último arbusto e apareceu no campo aberto onde eu estava. Eu não me virei, apenas continuei segurando a grama com força, como se o vento pudesse me levar para longe como fez com a terra. Ethan se aproximou enquanto observava tudo. Mas eu não sabia dizer se observava o jardim ou a mim.

— Então por que está aqui? Por que não foi?

Continuei encarando o azul do céu, como a pudesse estar falando com ele. Ethan estava distraído.

— Pra onde?

— Embora.

— Queria ter certeza de que você estava bem.

Ele sentou ao meu lado, mas pareceu se surpreender com algo. Passou a mão na terra onde estava prestes a ficar e por um momento pude ver um pedaço liso de algum tipo de pedra. Ele tinha um grande azar, pois além de estar se aproximando de mim, acabara de encontrar um lugar ruim para ficar enquanto eu ficava naquele lugar quase todo dia e nunca deitava numa pedra.

Assim que ele se deitou ao meu lado, eu me sentei. Ele fez o mesmo e eu deitei em seguida. Era sempre assim, irritante, mas... confortável estar com ele. Agora éramos nós dois deitados encarando o céu antes azul que começava a se tornar cinzento.

Eu não conseguia me concentrar em outra coisa. Iniciei ao assunto.

— Todos eles me odeiam, né?

— Nem todos. Link, meu melhor amigo, não te odeia. Nem eu.

Ele não pensaria isso por muito tempo. No máximo por 151 dias. Eu tinha certeza.

— Você sequer me conhece. Dê um tempo, espere alguns meses; você vai me odiar também. — E talvez eu te odeie, pensei.

— Não posso te odiar. Preciso ser um cara legal com você. Eu quase te atropelei, lembra? Assim você não manda me prender.

Não aguentei e sorri, mas meu sorriso foi tão pequeno que duvidei que seria considerado tal gesto. Era algo meio idiota, mas ele conseguia ser engraçado de qualquer maneira.

— Está bem no topo da minha lista de coisas para fazer. Já sei até que vou denunciar você pro policial gordo que fica sentado o dia inteiro na frente do supermercado.

Em todo o tempo que eu havia estado na cidade, encontrara apenas um policial, um que parecia também inspecionar os alunos. Ele não fazia nada além de comer pãezinhos no Pare & Compre, que de acordo com uma pichação que vi, era chamado de Pare & Roube.

Voltei a olhar para o céu. Ethan me observou e tentou melhorar o clima, mas tudo o que conseguiu foi se enrolar nas próprias palavras.

— Dê uma chance ao pessoal. Eles não são tão ruins. Pelo menos não totalmente. Quero dizer... Para você eles são, sim, neste exato momento. E eles foram naquela hora. Mas estão apenas com inveja, a culpa é mais da inveja, não deles. Você sabe disso, né? Não culpe eles.

Resisti a vontade de revirar os olhos. Inveja? De quê? De ter medo de si mesmas?

— Ah, claro que estão. — minha voz soou irônica.

— Eles estão. — ele me olhou através da grama alta. — Eu estou.

Eu estava surpresa, mas tentei não demonstrar.

— Então você é doido. Não há um motivo para ter inveja, a não ser que você realmente goste de almoçar sozinho na escola. Isso é algo que faço com bastante frequência e facilidade.

Essa era outra coisa que eu era obrigada a fazer por conta de todos. Almoçar na arquibancada sozinha enquanto todos estavam se divertindo no refeitório. Isso quando eu conseguia, pois fazia uns dois dias que haviam achado meu esconderijo.

— Você morou em um vários lugares. Eu tenho inveja disso.

Ele nem imaginava o motivo.

— E daí? Você provavelmente estudou e morou na mesma escola e na mesma casa toda a sua vida. Pôde ficar em um lugar só todo o tempo. — E não tem que se preocupar em evitar ferir os Mortais, completei mentalmente.

— Sim, e esse é o verdadeiro problema.              

— Isso não é problema, acredite em mim. — murmurei, pensando em tudo o que era relacionado a mim. Meu aniversário? Era um problema. Minha personalidade? Um problema. Meus poderes? Um problema. Minha família? Um problema. Eu? Um grande problema. — Eu entendo de problemas.

— Você viajou muito, aposto que viu muitas coisas. Eu mataria para fazer isso.

— É, viajei, sempre sozinha. — Ou quase. Mas agora, principalmente, eu estava sozinha. — Você tem um melhor amigo. Eu mal sei o que é isso. Eu tenho o que? Um cachorro. — Boo Radley nem era meu cachorro, pra variar.

— Mas você não teme ninguém, não precisa fingir o tempo todo ser alguém que não é. Age como quer, fala como quer. Ninguém aqui pode ser quem é de verdade, porque têm medo.

Começo a mexer no esmalte do meu dedo indicador. Tudo para não responder ao "Você não tem medo de ninguém.". Deixei-o saber parte do que eu sentia.

— Às vezes eu queria poder agir como todo mundo, gostaria de me encaixar em qualquer lugar, mas não posso mudar quem eu sou. Já tentei, não adianta. — admiti, lembrando das vezes quando eu tentava fugir de mim mesma e agir como outras pessoas, agir como Mortais. Nunca funcionou. Eu sempre estava presa àquela garota Conjuradora, com poder para destruir tudo. — Eu nunca uso as roupas certas, nem digo as coisas certas, e alguma coisa sempre dá errado. As pessoas continuam me odiando, eu não consigo usar roupas que combinem, e até janelas quebram. — Minha voz soava com exaustão. — É por isso que prefiro ser eu mesma. Porque não consigo ser algo a mais. Só queria ser eu e ainda assim ter amigos que notassem quando vou à escola ou não.

— Acredite em mim, seus amigos ou não, eles notaram. Hoje, pelo menos, eles notaram. — respondeu. Mordi meu lábio inferior, quase rindo. — Quero dizer, de um jeito bom. — Ethan desviou o olhar.

Eu noto.

O quê?

Se você vai à escola ou não.

— Então acho que você é maluco. — Eu disse em voz alta, minha voz saiu como quem estava rindo, e eu estava segurando.

Nós ficamos em silêncio, fitando um ao outro através da grama alta. Eu olhava seus olhos castanhos de Mortal, sua expressão de quem ainda não entendia algo. Queria acreditar que ele era diferente, que ele estava ali porque realmente gostava de mim. Talvez fosse isso. Talvez ele se sentisse na minha presença assim como eu me sentia na dele.

Confortável. Melhor. Quase feliz. Como se só houvesse nós dois, nada importasse. Exclusão, Invocação, Perturbação, Poderes, Inimigos, Trevas, Escola, Luz... Nada disso existia naquele momento ao lado dele. Eu mal podia acreditar que ele fazia parte de toda aquela turma da escola.

Olhei novamente para o céu cinzento que escurecia. Havia uma nuvem, só um pouco distante de nossa direção.

— Sabe, é sempre desse jeito.

— Nublado? — perguntou perdido.

— Na escola, pra mim. Sempre me tratam dessa forma.

Estendi a mão em direção ao céu, apontando para a nuvem. Movi minha mão e a nuvem a seguiu, ficando logo acima de nossas cabeças. Limpei meus olhos com a manga da blusa por conta das lágrimas.

— Não é como se eu realmente me importasse se eles gostam mesmo de mim. Só não quero que partam automaticamente para o ódio. Não deveria ser tão instantâneo assim, eu não fiz nada.

Torci a mão e fiz a nuvem virar um círculo, uma lua cheia.

— Aquelas idiotas? Em poucos meses, Emily vai ganhar um carro novo, Savannah vai ganhar uma coroa nova, Eden vai pintar o cabelo de uma nova cor,  e Charlotte vai, não sei, engravidar, fazer uma tatuagem, talvez ambos, e isso tudo será história antiga. — Ethan estava mentindo, eu tinha certeza.

Movi as mãos. A nuvem se modificou novamente com meu poder, passando da fase cheia até a crescente, apesar de na verdade ser do contrário. Eu não me importava se Ethan estava vendo ou não. Mais cedo ou mais tarde ele perceberia que eu era o monstro que todos temiam, que todos mais do que odiavam agora.

— Sei que elas são idiotas. Claro que são idiotas. Todas idênticas com o típico cabelo tingido de loiro, roupa minúsculas e bolsas metálicas combinando.

— Exatamente. Elas são idiotas. Quem liga?

— Eu ligo! Elas me incomodam. E é por isso que sou burra. E é por isso que sou idiota. Isso me faz exponencialmente mais estúpida do que estúpida. Eu sou estúpida elevada à potência estúpida. — Eu deveria estar muito mal para brincar com matemática ao invés de palavras.

Sacudi a mão e a lua se desfez, voltando a ser a nuvem com forma abstrata assim como minha sensação de estar ao lado dele.

Eu não me importava se ele estava vendo eu usar meus poderes ou não. Se ele visse e saísse correndo, eu mostraria o meu lado escondido. Se não visse, eu continuaria em sua companhia. Nenhum das duas possibilidades me incomodavam.

— Essa é a coisa mais estúpida que eu já ouvi na vida.

Mordi meu lábio novamente tentando não sorrir. Ficamos deitados encarando o céu que não decidia se queria ser azul ou cinza.

— Sabe o que é estúpido? Há livros embaixo da minha cama. — Ele pareceu tentar tratar com indiferença, mas eu tinha certeza que aquilo não era tão sem importância quando se era um atleta do time.

— O quê? — questionei, meio confusa.

— Romances. Tolstoi. Salinger. Vonnegut. Eu leio eles. E leio porque eu quero.

Rolei de lado e apoiei minha cabeça no cotovelo, observando-o. Livros? Basquete? Gatlin? Parecia interessante.

— É? O que seus amigos atletas acham disso? — perguntei curiosa.

— Vamos dizer que eles continuam embaixo da minha cama, eu continuo lendo, guardo isso pra mim e continuo fazendo cestas.

Tentei ser casual como Ethan.

— É... Bem, na escola, reparei que você opta pelos quadrinhos em vez de romances. Surfista Prateado. Vi você lendo. Logo antes de tudo acontecer.

Você notou?

Talvez eu tenha notado.

Eu não sabia se estava imaginando todo o Kelt, mas esperava que não. Era bom ter vozes em minha cabeça novamente... apesar de soar estranho ao dizer para mim.

— Eu leio, também. Poesia, geralmente. — Eu voltei ao assunto, fugindo do assunto de "prestar atenção" no outro.

Ele pareceu imaginar algo por um momento, mas então fez uma careta involuntária.

— É? Já li aquele cara. Bukowski, eu acho. Mas não foi muito, comecei outro livro depois. — Ele não parecia confortável, como se quisesse ter lido mais só para falar comigo. Eu não me importava.

— Tenho todos os livros dele. — informei.

— Ele é bom?

Levantei uma sobrancelha. Como eu poderia descrevê-lo se Ethan sequer tinha costume de ler poesia?

— Defina "bom".

Para mim, Bukowski era ótimo, mas o Wate não parecia ter o mesmo gosto que eu. Como eu poderia dizer que Bukowski é "bom", se é algo tão pessoal?

Ethan ficou em silêncio. Fiquei imaginando como seria ser como ele. Gostar de livros (romances!) e ainda dividir o tempo com o basquete (cestas!). O que uma coisa tinha a ver com outra? Era quase como dois mundos, duas versões do Ethan.

— Você vai me dizer?

— Dizer? O que?

— O que aconteceu?

Não respondi. O que eu diria? "Sou uma bruxa idiota que não sabe nem o próprio poder"? "Tenho poderes que não posso controlar e eles são ainda mais imprevisíveis com emoções fortes"? "Sou um monstro tentando não se ficar pior, mas a sala está me tornando maligna"? Não havia o que dizer. Ele não acreditaria em mim.

Ou pior... Acreditaria.

Houve um longo silêncio enquanto eu decidia o que responder. Sentei-me e puxei o mato ao meu redor, ainda pensando ainda no que falar. Virei-me de bruços e olhei nos olhos dele, nossos rostos a centímetros de distância. Ele olhava meus olhos, descia para o nariz, boca, e depois meus olhos de novo. Parecia concentrado enquanto eu falava.

— Eu realmente não sei. Algumas coisas estranhas assim simplesmente acontecem comigo. Não posso controlar. — Eu estava fitando seus olhos, e estava conseguindo mentir mesmo assim. Claro que não era completamente mentira. Na verdade, eu estava sendo mais sincera do que imaginei que conseguiria. Ele também estava concentrado em meus olhos verdes, e a maneira como também parecia perdido me confortou um pouco. Não, não só isso. Comecei a me perder em seus olhos castanhos... Eles eram tão lindos... Tão reconfortantes.

— Como os sonhos. — disse.

— Como os sonhos. — respondi sem pensar e me assustei ao fazê-lo.

Ele havia conseguido me fazer falar! Eu não podia! Eu era tão burra! Ethan conseguira o que queria. Conseguira me fazer admitir que sonhava com ele!

— Os sonhos. Você se lembra deles.

Escondi meu rosto nas mãos e vi através dos meus dedos ele se sentar. Não parecia feliz ao descobrir minha mentira, mas também parecia satisfeito em saber que era eu.

— Era você. Você também têm os sonhos. Você sabia que era eu assim como eu sabia que era você! Você sabia o tempo todo do que eu estava falando. — Ele segurou meus pulsos e me obrigou a olhar em seus olhos castanhos.

Você é a garota dos meus sonhos!

Não respondi.

— Por que não disse ontem à noite?

Desviei o olhar. Não queria encará-lo.

Eu não queria que você soubesse.

— Por que? — Ele falou um tanto alto, sua voz ecoando através do jardim.

Quando resolvi olhar para ele, estava assustada. Com medo dele se envolver. Eu não queria Ethan em minha vida. Não queria que ele estivesse comigo quando fosse Invocada. E se eu fosse das Trevas? Não. Ele não podia saber de nada. Eu não queria ser uma assassina como Ridley quase se tornou.

— Eu não esperava que você estivesse aqui, Ethan. Pensei que eram apenas sonhos. Eu não sabia que você era uma pessoa de verdade.

— Mas depois que soube que era eu, por que não falou alguma coisa?

— Minha vida é complicada. E eu não queria você... — hesitei, voltando a olhar para outro lado. — Não quero ninguém envolvido nisso.

Ethan ainda estava segurando em minha mão e nós dois estávamos cientes disso. Nós nos fitamos como na noite anterior, na hora de sair do carro, e ficamos daquele modo até que algo me atingiu, como um choque.

As beiradas da minha visão começaram a mudar para uma visão escura e enevoada. O medo me atingiu e eu apertei a mão de Ethan. As bordas aumentaram, cobrindo completamente o jardim.

O que está acontecendo?!

Não sei!

Minha visão foi substituída por algo diferente. As nuvens e a luz do Sol se tornaram fumaça e um céu noturno. O cheiro dos limoeiros se tornou o cheiro de queimado...

Era meia-noite, mas o céu estava em chamas. As labaredas tentavam alcançar o céu, soltando rolos enormes de fumaça, engolindo tudo no caminho. Até a lua. O chão tinha virado um pântano. Era um chão de cinza queimada que tinha sido encharcada pelas chuvas que precederam o fogo.

Se ao menos tivesse chovido hoje... 

Eu engasguei com a fumaça que me queimava tanto a garganta e que dificultava minha respiração. Havia lama grudada na barra de minhas saias, fazendo-me tropeçar cada vez que dava alguns passos em meio às volumosas dobras do tecido, mas eu me forçava a continuar andando. Eu precisava continuar andando.

Era o fim do mundo.

Era o fim do meu mundo.

Eu só implorava para que tudo aquilo não fosse verdade.

E eu podia ouvir os gritos, misturados aos tiros e ao ininterrupto rugir do fogo.

Podia ouvir os soldados gritando ordens de assassinato.

"Queimem aquelas casas. Deixem que os Rebeldes sintam o peso da derrota. Queimem tudo!"

E, uma a uma, os soldados da União tinham tocado fogo na casa grande das fazendas, com os próprios lençóis e cortinas embebidos em querosene. Uma a uma, eu vi as casas dos meus vizinhos, dos meus amigos e familiares, se renderem às chamas. E, ainda que eu sequer pudesse considerá-la, a pior das circunstâncias se dava sendo muitos deles se rendendo também, comidos vivos pelas chamas nas mesmas casas em que nasceram.

Era por isso que eu corria, na fumaça, em direção ao fogo, bem na boca da fera. Eu tinha que chegar a Greenbrier antes dos soldados. E não tinha muito tempo. Os soldados eram metódicos, trabalhando ao longo da Santee queimando as casas uma a uma. Já tinham queimado Blackwell; Doves Crossing seria a próxima, depois Greenbrier e Ravenwood. O general Sherman e seu exército tinham começado a campanha de incêndios centenas de quilômetros antes de chegar a Gatlin. Tinham queimado completamente Columbia e continuaram a marchar para o leste, incendiando tudo no caminho. Quando chegaram aos arredores de Gatlin, a bandeira da Confederação ainda tremulava; a energia renovada de que eles precisavam. A população de Gatlin havia percebido tarde demais que aquela era uma guerra perdida. E agora, em meio ao caos, eu estava torcendo para que pelo menos minha família estivesse segura. Tinha a esperança de Greenbrier ainda não ter sido alvo daqueles monstros.

Foi o cheiro que me disse que era tarde demais. Limão. O cheiro ácido de limão misturado com cinzas. Estavam queimando os limoeiros.

Minha mãe amava limões. Então quando o meu pai visitara uma fazenda na Geórgia quando eu era criança, tinha trazido dois limoeiros para ela. Todo mundo dizia que eles não iam crescer, que as noites frias do inverno da Carolina do Sul os mataria. Mas ela não prestou atenção. Ela plantou as árvores em frente ao campo de algodão e cuidou delas sozinha. Nas noites frias de inverno, cobria as árvores com cobertores de lã e fazia pilhas de terra nas bordas para afastar a umidade, e nos ensinou a fazer o mesmo conforme crescíamos. E as árvores cresceram também. Cresceram tão bem que ao longo dos anos que meu pai nos trouxe 28 outras árvores. Algumas das outras damas da cidade pediram limoeiros aos maridos, e alguns deles até conseguiram um ou dois. Mas nenhuma delas conseguiu descobrir como manter as árvores vivas. As árvores só pareciam florescer em Greenbrier, sob os cuidados de minha mãe. Se era magia ou não, eu nunca procurei saber. Sempre acreditei que mamãe simplesmente amava aquelas árvores o suficiente para torná-las tão poderosas quanto minha família. Nada tinha conseguido matar aquelas árvores.

Até hoje.

Eu comecei a voltar. Minha visão, pelo menos, estava voltando. Eu não havia saído do jardim, mas ainda sentia que estava lá naquele outro lugar, em meio a fogo e fumaça. Estava ofegante, meu coração aos pulos. Trêmula. Soltei a mão de Ethan e me afastei rastejando para trás.

— O que acabou de acontecer? — questionei assustada.

Não tinha certeza se Ethan havia visto, mas eu estava agindo por impulso. Ainda sentia a adrenalina em minha veias. Estava tremendo. Meus pulmões estavam ardendo, meus olhos lacrimejando.

Mas eu não havia saído de onde estava, então como diabos havia inalado fumaça? Que lugar era aquele onde tinha ido parar? Eu só lembrava de estar correndo e tropeçando, com um longo vestido. Meu cabelo era ruivo, e eu estava desesperada.

Mas não era eu.

Ethan olhou para a mão, parecia estar envolvendo algo com esta. Ele abriu a mão lentamente e eu olhei para o pequeno objeto que havia ali.

— Acho que está relacionado a isso. — Em sua mão havia um antigo e pequenino camafeu, ligeiramente amaçado. Era preto e oval, com um entalhe em marfim e madrepérola do rosto de uma mulher. Era bastante detalhado, em certa parte complexo. Parecia muito precioso para ter sido jogado fora. Ethan analisou e pareceu perceber algo. — Veja. Acho que ele abre.

Ele apertou o dispositivo que havia ali e o objeto abriu. Não pude ver de onde estava.

— Só diz GREENBRIER. E uma data.

Aproximei-me.

— O que é Greenbrier? — Estávamos nós dois confusos. Eu lembrava de pensar naquele nome naquele estranho sonho acordada.

— Deve ser este lugar. Não estamos em Ravenwood, estamos na fazenda ao lado. Aqui é Greenbrier.

Olhei ao redor. Então não era apenas um jardim ou um campo qualquer de Ravenwood. Aquele lugar tinha um nome. Talvez até uma história. Olhei para Ethan.

— Aquela visão, as chamas, você viu?

Ele assentiu. Eu podia ver o horror em seus olhos. Não podíamos repetir o que havíamos visto.

— Aqui deve ser o que sobrou de Greenbrier.

— Eu quero ver o medalhão. — pedi.

Ethan entregou-me delicadamente, nós dois sabíamos que aquilo podia ter sobrevivido a muita coisa. Podia não ser apenas a sua aparência que era frágil. Seu formato oval em minha mão lembrava apenas uma pedrinha ou algo assim, eu não sabia como Ethan havia encontrado. Olhei a inscrição.

Meu coração parou de bater por alguns segundos. Minha respiração falhou.

— 11 DE JANEIRO DE 1865. — Minha mão tremia tanto que acabei por sem querer deixar cair. Não conseguia respirar direito, não sabia como me acalmar do susto.

Tantas datas... 365 dias num ano... E tinha que ser aquele dia?

— Lena? O que houve?

Olhei para baixo. Tinha medo de saber o significado.

— Onze de fevereiro é meu aniversário. — Minha Invocação. Meu temor desde criança. Meu medo presente todo dia. O dia que eu havia esperado minha vida inteira.

— É coincidência. Talvez até um presente de aniversário antecipado.

Ethan não fazia a mínima ideia do que estava falando.

— Nada na minha vida é uma coincidência, Ethan.

Aquilo não podia ser normal. A visão... Minha Invocação... Poderiam ter algo em comum? Seria uma visão do que aconteceria comigo? Aquilo era o futuro? Fogo, destruição? Mesmo assim era estranho. Meu cabelo não era ruivo e eu não sei se usaria um vestido vitoriano no meu aniversário. Vi Ethan virar o medalhão em sua mão, olhando atrás.

— ECW & GKD. Devem ser as iniciais de um casal, o medalhão deve ser de um deles. — Ethan fez uma pausa, franzido o cenho. — Estranho. Minhas iniciais são ELW.

Eu o encarei. Aquilo era demais até para o mundo dele.

— Meu aniversário e suas iniciais. Você não acha que agora vai um pouco além de uma simples coincidência? 

Ethan pareceu pensar no que eu disse, mas ainda duvidava.

— Devíamos tentar de novo para que possamos descobrir — Ele estava agitado.

Olhei para o medalhão. Mesmo que eu estivesse tão confusa quanto ele, aquilo com certeza era algo Conjurador. Não sabia o que tinha a ver com meu aniversário, mas aquela visão parecia muito com nossos sonhos. Só que talvez um pouco pior. E se fosse obra de um Conjurador das Trevas?

— Não sei, acho melhor não. Deve ser perigoso. Achei mesmo que a gente estava lá. Eu, pelo menos, me senti de verdade correndo na fumaça. Meus olhos ainda estão ardendo.

Olhei nos olhos dele. Ele sabia do que eu estava falando. Provavelmente também estava com seus pulmões com fumaça, além de seus olhos avermelhados. Mesmo com tudo isso, ele estendeu a mão e o medalhão.

— Vamos, você não é mais corajosa que isso?

Ethan estava me desafiando. Revirei meus olhos e estiquei minha mão. Toquei de leve seus dedos e achei estranho quando percebi que seu braço se arrepiou e estremeceu. Ignorei e o vi fechar os olhos. Fiz o mesmo.

Esperamos alguns segundos, mas não aconteceu nada.

— Acho que imaginamos. Ou só está sem bateria.

Olhei para ele como se fosse uma simples criancinha aprendendo matemática. Era mais ou menos assim que Mortais seriam no meu mundo. Ele achava mesmo que um medalhão de 1865 usava pilhas? Ainda por cima um que parecia conter magia?

— Talvez você não possa dizer para algo assim o que fazer e quando fazer de acordo com a sua vontade. — Levantei-me e me limpei. — Eu tenho que ir. — Olhei para baixo, para ele, enquanto fiz uma pausa. — Sabe, você não é o que eu esperava.

Virei-me de costas para ele e comecei a andar em direção à saída do jardim, de Greenbrier, seja lá o que fosse. Eu tinha falado a verdade. No fundo, eu sempre esperei que ele fosse mais do que um Mortal. Mais do que um garoto sulista de uma cidade velha. Esperava que ele fosse alguém que se tornaria importante, pelo menos no meu Mundo. Esperava que estivesse em companhia de um Conjurador, e era por isso que nós tínhamos aqueles sonhos e fazíamos Kelt. Esperei que todos aqueles sonhos tivessem motivo. Naquele momento, eu não sabia ao certo se tinha dito aquilo para ele não se apegar de mais a mim ou se era verdade. Meu coração dizia que era para afastá-lo. Minha mente dizia que era a verdade. Se Ethan fosse Conjurador, seus olhos não seriam castanhos, e ele definitivamente não seria daquele jeito.

— Espere! — ele chamou, mas eu não parei. Ouvi seus passos apressados em meio às folha secas. Só parei quando cheguei ao último limoeiro.

— Não.

— Não o quê?

Virei-me, mas não olhei para ele.

— Me deixe em paz enquanto tudo ainda está bem.

Sua expressão era dúvida.

— Não entendo o que você quer dizer, Lena. Sério. E eu estou tentando aqui.

Olhei para as folhas no chão.

— Esqueça.

— Pensa que é a única pessoa complicada no mundo inteiro?

Minha família inteira, pelo menos, eram os mais complicados.

— Não. Mas... é minha especialidade.

Eu me virei novamente para ir embora, mas parei quando senti sua mão em meu ombro. Ela estava morna e parecia mais firme do que minha pele. Como se meu ombro fosse apenas um vidro e ele, uma parede de concreto. Ficamos parados daquele modo um longo segundo até que eu desisti e me virei para olhá-lo novamente. Ele tentou de novo.

— Olha. Tem alguma coisa acontecendo aqui. Os sonhos, a música, e agora o medalhão. É como se devêssemos ser amigos.

Abaixei o olhar. Ele não podia se envolver e nem eu deixá-lo fazer isso. Olhei para a mão dele em meu ombro. Era como nos sonhos, como ele tentava me salvar das Trevas. Eu sentia que ele também estava pensando nos pesadelos, mas eu não podia deixá-lo se aproximar. Ethan tirou sua mão, mas eu sentia que ele não me deixaria no meu mundo. Tentaria se encaixar em minha vida.

Ele olhou nos meus olhos e fiz o mesmo, acho que era a primeira vez que estávamos fazendo isso com tanta atenção. Seus olhos castanhos pareciam montanhas, mas de ameaçadores ou perigosos não tinham nada. Pelo contrário. Eles me passavam uma sensação de segurança, mesmo que aquela cor indicasse falta de poder no meu mundo.

Ele me olhava como se meus olhos fossem uma janela para meu interior, mas ele nem imaginaria quanta cortina havia.

É tarde, Lena. Você já é minha amiga. Não fuja mais.

Não posso ser.

Estamos nisso juntos.

Não estamos. Nunca estivemos. Você tem que confiar em mim. Por favor.

Evitei olhar para os olhos dele e encostei minha cabeça no limoeiro. Estava me sentindo cansada. Ele não podia nem imaginar o que era aquilo. Estava cansada de todo o medo, de toda a apreensão, de afastá-lo... De tudo.

— Eu sei que você não é como o resto deles. Mas há coisas que você não consegue entender sobre mim. Eu não sei porque nos conectamos da maneira que fazemos. Eu não sei porque nós temos os mesmos sonhos mais do que você sabe.

— Mas eu quero saber o que está havendo...

— Faço 16 anos em cinco meses. — Ergui minha mão e, como sempre, não precisava ver o número. — Cento e cinquenta e um dias.

Ele olhou para o número, esforçava-se para entender. Eu podia ver. Mas ele não conseguiria.

— Você não sabe o que isso significa, Ethan. Você não sabe de nada. Eu posso nem estar aqui depois disso.

— Está aqui agora. Isso não deveria importar?

— Não.

— Para mim importa. Eu vou continuar tentando.

Olhei para além dele, para Ravenwood. Fiquei imaginando se tio Macon conseguia sentir que havia alguém ali, com todos aqueles Conjuros ao redor da casa. Acreditava — e torcia — para que não. Meu Mundo era tão perigoso para Ethan... Ele não podia tentar.

— Gosta daquele poeta, Bukowski? Ou pelo menos conhece ele um pouco?

— Gosto — Havia dúvida e confusão em sua voz e expressão.

— "Não tente". — citei.

— Não entendi.

Ele não gostava tanto assim do poeta.

— É o que está escrito na lápide de Bukowski.

Subi e pulei o muro, correndo para Ravenwood em seguida. Queria desaparecer. Queria parar de ser visível e simplesmente me trancar em meu quarto.

Cinco meses.

Ele podia se afastar por esse tempo?

Cento e cinquenta e um dias.

Eu conseguiria ficar sozinha?

E se a resposta fosse não, iria ele sobreviver ao meu mundo?

Não tente.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Espero que sim!
Esperarei também reviews! ♥
BOAS FESTAS A TODOS!



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