Sixteenth Moon escrita por Nath Schnee


Capítulo 10
Nono Capítulo – 14 de Setembro


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como vão? Vocês são sortudos... fiquei dezesseis dias (irônico esse número, não?) sem internet e voltou a tempo de postar! Espero que gostem do capítulo. Foi meu maior até agora, então perdoem-me caso seja algo muito grande!



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Presa e Predador

Na noite do dia seguinte, no domingo, eu estava sem sono, apenas encarando a palidez do teto de gesso, pensando em nada e, ao mesmo tempo, em tudo.

Questionei-me se Ethan se sentia do mesmo jeito. Cansado de tantas perguntas mas, de alguma forma, sem sono para descansar. De alguma forma, ao pensar nele, acabei por ouvir seus pensamentos. Talvez o Kelt estivesse aumentando. Tentei concentrar-me mais e, como resultado, descobri que ele estava lendo. Com todo aquele meu tédio, resolvi escutá-lo. O livro parecia bom, ainda que estranhamente cheio de palavrões. Ainda assim, a informalidade do livro atiçou minha curiosidade, então não pude resistir. Continuei assim até que ele parou de repente. Sua voz veio de algum lugar distante, mas tão próxima quanto um sussurro em meu ouvido.

Lena? Você está ouvindo, não está?

Mordi meu lábio, evitando um sorriso. Não respondi. Talvez ele pensasse que era um engano. Talvez pensasse que eu estava dormindo.

Não adianta fingir que não. Sei que você está aí. Aqui. Sei lá. Você entendeu.

Sorri para mim mesma. Não dava para evitar. Ele realmente conseguira me sentir em sua mente.

Não. Não exatamente.

Você está aí sim. Esteve a noite inteira, não é?

Ele estava ficando bom no assunto...

Estou dormindo. Quero dizer, até você me acordar eu estava.

Não estava, não. Estava ouvindo o tempo todo.

Revirei os olhos. Tinha encontrado alguém tão teimoso quanto eu.

Estava dormindo, Ethan.

Só admita que estava ouvindo, sei que estava.

Rapazes. Vocês acham que tudo é sobre vocês, que são o centro do universo. Talvez eu apenas goste daquele livro.

Você pode entrar na minha mente sempre que quiser agora?

Pensei no assunto. Eu conseguira só algumas vezes com Ridley, mas em todas ela estava me esperando, então simplesmente ir como naquela hora foi algo novo.

Geralmente não, mas esta noite aconteceu. Eu ainda não entendo como isso funciona.

Talvez possamos perguntar para alguém, sei lá. Alguém deve saber alguma coisa.

Encarei o teto cética. Para quem ele perguntaria? Aquelas pessoas que fingem ler mentes no circo? Para aquelas mulheres chatas da cidade que diziam saber tudo o que penso? Não havia quem nos ajudar.

Tipo quem?

Não sei. Acho que nós vamos ter que descobrir sozinhos. Assim como todas as outras coisas. Vamos fazer tudo juntos, como amigos.

Percebi o que estávamos fazendo. Planejando passarmos algum tempo tentando descobrir sobre aquilo. Ele podia até ter conseguido me convencer por alguns segundos, mas eu ainda não queria envolvê-lo nos meus problemas Conjuradores.

Não tente.

A voz dele soou mais baixa, até mais sonolenta.

Estou tentando.

Fechei os olhos. Meu sono havia chegado também.

Boa noite, Lena.

Boa noite, Ethan.

Tentei não saber o que ele estava pensando. Eu estava começando a me apegar a ele e, se eu fosse Invocada para as Trevas em fevereiro, estar perto dele seria um perigo. Deixei-me me envolver naquela escuridão do sono afastando todos os meus pensamentos sobre medalhões, visões, e incêndios, indo para algo completamente diferente de coisas queimando...


Afogando.

Eu estava afundando, lutando contra a correnteza que me puxava para baixo, para a escuridão daquela água verde. Meus pés instintivamente procuravam o chão, algum fundo de lama ou areia, mas não havia nada, como se o buraco fosse infinito como o meu temor. Eu até tentava me debater, voltar para a superfície, mas não conseguia nada.

— É meu aniversário. Está acontecendo, Ethan! — Tentei dizer e, de alguma forma consegui, apesar de toda a água que entrava em meus pulmões.

Ethan tentou me alcançar como das outras vezes, esticou o braço para o fundo, na minha direção. Eu tentei alcançá-lo também, minha mão parecia mais pálida em meio à escuridão. Eu queria ajuda! Não queria ser Invocada para as Trevas! Mas não houve como ele pudesse me ajudar. Ethan tentou me segurar, apertou minha mão com toda a força possível, mas a correnteza me puxou mais para o fundo. Pude vê-lo tentar gritar, dizer algo, mas parecia estar se afogando mais do que eu, perdendo a consciência com a tentativa. Era o resultado de se envolver.

— Eu tentei te avisar, você precisa me ouvir! Precisa me deixar ir!

Ethan desmaiou e desapareceu acima de minha cabeça, meu coração estava apertado. Com o tempo eu fui envolvida por toda aquela escuridão, pelas Trevas de minha Invocação.

Sentei na cama de súbito, assustada de mais para lembrar que foi apenas um sonho. Tossi, meus pulmões estavam doloridos como se eu realmente tivesse me afogado, mas não havia nada neles. Minha visão ainda estava escurecida e ao tatear minha cama, pude senti-la tão encharcada quanto eu estava, meu cabelo parecia ter saído do chuveiro naquele instante, meus cachos pingando no lençol já molhado.

Ouvi o latido de Boo. Ele estava na porta do meu quarto como naquele primeiro dia em Ravenwood. Fosse lá o que fosse que ele fizesse ali, eu o ignorei. Os "pii... pii... pii" do meu despertador estavam incomodando. Eu o desliguei e, depois de um banho para tirar a sensação de ter mergulhado numa piscina com roupa e tudo, arrumei-me para ir para o inferno, vulgo Stonewall Jackson High.

Olhei no espelho e tentei rir da situação. Era como se estivesse indo para o meu próprio enterro. Prendi meu cabelo com um escuro lenço de seda, decorado espalhadamente com desenhos cor-de-rosa de flores de cerejeira. No corpo, usava vestido preto curto e uma calça jens. Nos pés o All Star preto de sempre.

Para meu alívio, Ravenwood não estava tão exagerada aquele dia, mas também não estava no modelo classe média de sempre. Estava do jeito que sempre esperei estar: grande, majestosa e decorada com coisas mais ou menos do início século XX.

Desci a clássica escada, que poderia ter feito parte de algum filme antigo. O quadro de Genevieve, ou imaginava ser ela, se postava acima da escadaria, em tamanho gigantesco. Tentei ignorar a sensação de que ela me observava descer para o hall.

Este, por sua vez, tinha no teto lustres de cristal em camadas. A mobília vitoriana antiga parecia até mesmo ser nova, as mesas tinham tampos de mármore branco, as cadeiras eram bordadas detalhadamente e em alguns cantos do lugar haviam samambaias perfeitamente cuidadas. A casa parecia estranhamente iluminada, pois não havia lâmpadas, apenas velas que brilhavam em cada superfície. Haviam um aroma de gardênias, do qual encontrei em vasos de prata em cima das mesas. Persianas cobriam portas altas e abertas.

Eu poderia estar a ver apenas uma visão do medalhão, mas depois de tudo o que Ravenwood já fora, aquilo já era esperado.

Boo, que se eu chutasse tinha tomado um banho, estava me seguindo na escada.

Eu tinha que admitir. Apesar do exagerado e enjoativo castelo de antes, aquela casa me agradava naquele momento. Segui para a sala de jantar, mas que agora era um salão de baile, e tomei meu café-da-manhã. Evitei falar com tio Macon sobre qualquer que fosse o assunto, então tudo o que dissemos foi "Bom dia" um para o outro.

Já na escola, eu podia não apenas sentir como também ver que não teria um bom dia. Eu estacionei o rabecão e desci, mas o que aconteceu em seguida me fez ter vontade de não tê-lo feito.

Duas senhoras se encaminhavam para a entrada da escola. Uma delas tinha o cabelo preto e liso, sua pele era morena. Sua roupa consistia apenas de um vestido florido e uma bolsa de mão bege. Sua expressão demonstrava algo entre a raiva e o desejo de justiça enquanto abraçava de lado Emily, que parecia estar prestes a virar uma múmia com tantos curativos em seus ferimentos, apesar de que eu tinha certeza que mais da metade eram inventados.

A outra foi a primeira a notar minha presença e a que mais me chamou atenção. Sua pele era bronzeada como a das meninas da escola e seu cabelo estava algo entre o loiro e o grisalho. Também usava um vestido, mas com o cinto que havia em sua cintura, se ela estivesse só um pouco mais acima do peso, Ridley chamaria de "colchão amarrado no meio".

Mas nada daquilo havia me feito a encarar alguns instantes e sim sua expressão. Assim como a outra, ela com certeza procurava justiça pelo que eu havia feito, mas seus olhos... No fundo deles parecia haver ambição, talvez até... Maldade. Um arrepio percorreu minha coluna e quando dei conta de mim mesma, havia dado dois passos para trás engolindo em seco.

Ambas pararam em minha frente e avaliaram-me da cabeça aos pés. Como todas as outras vezes, pude ver no rosto delas que eu não estava no "padrão necessário para Gatlin". A de cabelo preto foi a primeira a falar.

Você é Lena Ravenwood? — Eu não soube o que ela havia falado com mais desprezo, "você" ou o sobrenome errado.

— É Duchannes. — Tentei me controlar. — Senhora. — Acrescentei com uma educação forçada.

— Bom, Lena Du-kei-iei-ne. — A loura continuou, pronunciando meu nome lentamente. Parecia ter adicionado mais duas sílabas, sem saber pronunciar corretamente. Acabei não me importando. Ela estava me deixando nervosa demais para isso. — Nós somos Martha Lincoln e Loretta Asher, e nossas filhas nos contaram sobre você e saiba que esse incidente de quebrar a janela para acertá-las não passará impune. Nós faremos a justiça prevalecer. — As duas sorriram, mas apenas uma me amedrontou.

— Eu não fiz nada contra elas. Não posso ser culpada por uma janela velha ter quebrado com o vento. — Eu as encarei com todo o ódio que estava sentindo. Um trovão soou no céu e eu continuei tentando me controlar.

A Sra. Lincoln pareceu satisfeita com meu olhar, como se quisesse mesmo ver ódio em minha expressão, já a Sra. Asher parecia mais prestes a me empurrar dali por conta própria.

— Se houver algum outro incidente de agressão vindo de sua parte, nós a expulsaremos dessa instituição educacional. Esteja avisada.

As duas seguiram para a administração da escola e eu desisti de entrar no prédio, pelo menos por aquele tempo. Abri a porta do rabecão e me joguei no banco do motorista. Liguei o carro, mas resolvi escrever um pouco. Não conseguiria dirigir daquele jeito.

Peguei meu caderno e comecei a escrever, sem pensar em qual seria o resultado.


Esta cidade pequena,
até pelos de fora esquecida,
quase me faz sentir pena...
Mas me sinto perseguida


Mesmo com poucos habitantes,
quase todos têm me atormentado.
Tenho tido dias agonizantes.
Nunca deveria para cá ter viajado.


Temo que essa cidade mude algo em mim,
com tudo isso o que estão a fazer e falar.
Quem garante que no fim
Eu não acabe por alguém ferir... ou matar?

Batidas no vidro do carro me fizeram dar um pulo e automaticamente olhar na direção da administração do prédio. Já estava na vez de Emily falar, com uma falsa expressão de preocupação e desespero enquanto contava sua versão distorcida do que havia acontecido. Tentei ignorar a sensação de que a Sra. Lincoln olhava mais para o estacionamento do que para o diretor Harper.

Olhei para quem havia batido no vidro. Ethan. Gesticulou para que eu abrisse a porta. Balancei a cabeça e o observei ir até o lado do passageiro, tentando abrir novamente. Deixei tudo trancado. Imaginei que ele iria embora, mas simplesmente sentou no capô e jogou a mochila no chão de cascalho.  

O que você está fazendo?

Questionei curiosa.

Esperando você sair.

Revirei os olhos.

Vai ser uma longa espera.

Eu espero. Não queria ir para a aula mesmo.

Continuei olhando para ele através do para brisa. Desisti e saí do carro.

— Você é louco. Só avisando caso ninguém tenha te dito antes. — falei andando até ele e cruzando os braços.

— Pelo que ouvi dizer, a única pessoa louca da cidade na verdade é você. Quero dizer... Talvez a segunda pessoa mais louca.

Olhei para a administração novamente. Não sabia se sentia medo, raiva, angústia ou tristeza. Talvez tudo junto.

— Você consegue ouvi-las daqui?

Balancei a cabeça. Não chegava nem perto disso.

— Não posso ler a mente das pessoas, Ethan.

— Pode ler a minha.

— Não posso.

— E ontem à noite?

— Já falei, não sei por que acontece. Nós simplesmente parecemos... nos conectar. — Eu tive certa dificuldade em falar aquela palavra. Não queria que ele ficasse satisfeito com aquilo. — Nunca foi assim com ninguém. — Ninguém mortal, pelo menos...

Comecei a me perguntar o que ele estava pensando, mas desisti quando ouvi sobre basquete. Eu ainda estava irritada com tudo o que havia acontecido,  com aquelas mulheres de antes, então acabei por não olhar para ele em momento algum.

— É. Ouço muito as garotas dizerem isso para mim.

Ele parecia meio nervoso, ainda assim eu não pude evitar um sorriso pequeno, torto.

— Não tente. Não adianta me animar. Nem vai conseguir. — avisei, apesar de ele estar conseguindo.

Ethan olhou para a escada de novo.

— Se você quer saber o que elas estão dizendo, consigo adivinhar e te contar.

Olhei para ele cética. Telepatia já era raro entre Conjuradores. Em Mortais? Era impossível.

— Como?

— Essa é Gatlin. Não há segredo algum, ou qualquer coisa que chegue perto de um, por aqui.

Ele nem imaginava quantos segredos eram escondidos dele, principalmente em Ravenwood. Tentei não imaginar o que elas diziam, mas não pude me impedir de perguntar.

— Quão ruim é? — desviei o olhar. — Eles pensam que eu sou louca?

— Basicamente.

— Uma ameaça para a escola?

— Provavelmente. Não temos estranhos por aqui, e você definitivamente é uma. E nada é mais estranho do que Macon Ravenwood. Sem querer ofender. — Ele sorriu para mim. Não retribuí.

O sinal do primeiro tempo tocou. Puxei sua manga de leve. Estava ansiosa para questionar uma coisa, ainda que estivesse adiando o assunto.

— Ontem à noite. Eu tive um daqueles sonhos. Você...?

Ele assentiu sem que eu terminasse. Não era necessário dizer, pois ele estivera no pesadelo comigo.

— Até acordei com meu cabelo molhado. — comentou.

— Eu também.

Estiquei meu braço e mostrei os arranhões vermelho-sangue que haviam ficado em minha pele. Aquela fora a pior parte de tudo, na qual eu era Invocada para o lado que mais temia, na qual eu era engolida pela escuridão. Olhei para baixo. Acho que nem ele tinha gostado daquela parte.

— Sinto muito, Lena.

— Isso não é culpa sua. — Era minha, do meu mundo, da Ordem das Coisas... Era culpa de todos, menos dele.

— Eu queria saber o porquê dos sonhos serem tão reais.

Já aquilo era exclusivamente minha culpa.

— Eu já tentei te avisar várias vezes. Você deveria ficar longe de mim.

— Vou me considerar avisado.

Mesmo daquele jeito, eu sentia que ele permaneceria ao meu lado. Sentia que ele enfrentaria tudo o que acontecesse na escola, enfrentar fosse quem fosse para ficar junto a mim, e não ligaria para isso. Eu tinha que admitir. Sentia-me bem com ele, era a única pessoa da qual eu deixava saber dos meus sonhos estranhos. Sentia vontade de ficar ao lado dele eternamente, como naquela hora em Greenbrier.

— E sobre seu aniversário? Você disse que não estaria aqui depois. Por quê?

Precisei mudar de assunto, e não fui lenta ao fazê-lo.

— E o medalhão? A outra visão. Os incêndios. Você também viu?

— Vi. Eu estava na igreja e quase caí do banco. Mas descobri algumas coisas com minhas tias-avós. As Irmãs. Aquelas iniciais do medalhão, ECW? Elas são de Ethan Carter Wate. Ele foi meu tio pentavô, e minhas três tias doidas dizem que recebi meu nome em homenagem a ele, mesmo eu nunca tendo ouvido falar desse cara.

— Então por que você não reconheceu as iniciais? Você só as associou ao seu nome. — questionei curiosa. Pelo que eu imaginava, aquelas pessoas de cidades pequenas tinham costume de memorizar a árvore da família.

— Essa é a parte estranha da história. Eu nunca tinha ouvido falar nele até ontem. Ele estava omitido da árvore genealógica da minha família, principalmente a que estava na minha casa.

— E GKD? É Genevieve, certo? — questionei, lembrando-me novamente do nome na visão.

— Elas não pareceram conhecer o nome, mas tenho quase certeza de que é. É o nome que a chamam nas visões, e acho que o D é de Duchannes. — assenti, mas ele parecia estar divagando. — Eu queria perguntar à Amma, mas quando mostrei o medalhão, os olhos dela quase pularam do rosto.

— Quem é Amma? — Interrompi e perguntei, sem entender de quem ele estava falando.

— É a governanta da minha família. Ela é quase como uma avó para mim, mas minha avó definitivamente era menos inteligente e menos mal-humorada que ela. 

— Por que ela se assustou?

— Eu não sei. Ela me encarou como se eu tivesse sido triplamente amaldiçoado, encharcado por um balde de vodu e enrolado com uma praga para garantir. O único lugar que há os livros antigos da minha mãe sobre Gatlin e a guerra é o escritório do meu pai, mas lá é território proibido. — Ethan estava muito distante... — Você podia tentar falar com seu tio.

— Meu tio não sabe de nada. — Nem deve saber, eu quis completar. — Onde está o medalhão agora?

— Aqui no meu bolso. Amma me obrigou a colocar em uma bolsinha cheia de pó. Ela acha que o levei de volta para Greenbrier e o enterrei.

Desviei o olhar novamente. Se essa tal de Amma não gostava do medalhão, eu mal podia imaginar o que diria de mim. Ela parecia apenas uma daquelas mulheres da cidade.

— Ela deve me odiar.

— Não mais do que odeia minhas, você sabe, garotas. Quero dizer, minhas amigas garotas. — Ele pareceu envergonhado. — Acho melhor irmos para a aula. Não quero mais problemas.

Olhei para o cascalho sob meus pés. Eu não me atrasaria para a aula só por atrasar.

— Na verdade, é melhor você ir, estava pensando em ir para casa. Não posso evitar lidar com elas e sei disso, mas quero viver em negação só por mais um dia. — O fim de semana havia sido tão bom livre delas que tinha vontade de prolongá-lo.

— Você não vai ter problemas?

Eu ri.

— Problemas com meu tio, o notório Macon Ravenwood, que tanto acredita ser uma perda de tempo vir para a escola e que os bons cidadões de Gatlin devem a todo custo serem evitados? Ele vai ficar feliz.

— Então por que você vem? — Ele parecia surpreso.

Mexi nos meus pingentes de maneira distraída. Não havia muito como explicar que eu só queria ser normal um pouco antes de ser Invocada.

— Achei que aqui poderia ser diferente, pelo menos um pouco. Pensei que faria alguns amigos, ou talvez pudesse trabalhar no jornal. Sei lá.

— No jornal da escola? Nosso The Jackson Stonewaller?

— É. Eu tentei na minha antiga escola. Embora nunca tivessem gente o suficiente pra escrever e publicar na data certa, eles disseram que todas as vagas estavam ocupadas. — Novamente desviei o olhar, estava sem jeito. — Eu realmente devia ir.

Ethan abriu a porta para mim.

— Você deveria mesmo falar com seu tio sobre o medalhão. Podemos descobrir alguma coisa.

— Acredite em mim, ele não sabe.

Entrei e ele fechou a porta para mim.

— Quer que eu entregue isso por você? — Apontou para o meu caderno de poesia.

— Não, não precisa. Não é dever de casa. — Coloquei o caderno dentro do porta-luvas. — Não é nada importante. — Nada que ele devesse saber.

— É melhor você ir. Fatty pode começar a patrulhar — Liguei o carro de novo antes que ele dissesse algo a mais e, afastando-me do meio fio, acenei.

Depois de alguns minutos, tudo o que vi foi Boo seguindo o rabecão com seu trotar lento, porém animado.


Eu havia passado aquela tarde no meu quarto novamente, mas era obrigada a sair para o jantar. Tio Macon detestava que eu não estivesse na mesa aquela hora e eu não estava afim de irritá-lo mais. Precisava também estar arrumada, apesar do jantar ser em Ravenwood, não em um restaurante chique. Não que eu seguisse todas as regras, pois podia até estar com meu vestido preto com bordado de pequenos pássaros, mas estava descalça. Eu estava descendo para o hall quando achei ter visto algo na varanda. Olhei para a sala de jantar. Se eu tivesse sorte, Tio Macon não havia ouvido. Corri até a porta com Boo latindo atrás de mim e abri.

Ethan estava ali, enfrentando novamente toda a aparência assustadora de Ravenwood. Eu tinha que admitir que, mesmo com aquela camiseta furada de Atari e jeans surrado, ele permanecia bonito. Ignorei meus pensamentos e saí para a varanda, fechando a porta atrás de mim.

— Ethan! O que está fazendo aqui?!

Ele levantou uma pasta azul, apesar de eu duvidar que fosse realmente o motivo.

— Trouxe seu dever de casa, achei que poderia ajudar.

— Não acredito que você veio aqui. E ainda sem avisar. Você sabe que meu tio não gosta de estranhos. — Ainda mais Mortais!, queria completar. Comecei a empurrá-lo para a escada, para longe da propriedade. — Você tem que ir embora. Agora! — Tio Macon não podia sentir a presença dele de modo algum.

— Pensei que podíamos conversar com ele, Lena, ele pode saber alguma coisa.

Alguém atrás de nós limpou a garganta e eu gelei. Meu tio havia sim ouvido e sentido a presença de Ethan. Boo estava junto, à sua frente. O Mortal não parecia querer demonstrar surpresa, mas foi denunciado com o pulo que quase deu.

— Bem, isso é algo que eu não ouço com frequência. E eu odeio decepcionar, já que eu não sou nada senão um cavalheiro sulista como qualquer outro da cidade. É um prazer finalmente conhecê-lo, Sr. Wate.

Engoli em seco novamente, vendo a expressão de Ethan, que quase deu um pulo. Ele com certeza não estava esperando ver meu tio tão arrumado. Ele era, pelo que diziam, o louco da cidade, afinal, então provavelmente esperava vê-lo se arrastando por aí com macacão e resmungando xingamentos.

Mas, para mim, Macon Ravenwood não era Boo Radley. Era mais um Atticus Finch. Meu tio, com suas vestimentas da década de 1940, surpreenderia todo mundo. Sua camisa branca engomada tinha botões de prata antiquados fechados. O paletó do smoking, como sempre, não estava nem um pouquinho amassado.

Macon fechou o livro que estava lendo, sem nunca tirar os olhos de Ethan. Eu só vira aquele olhar em Reece quando ela lia minhas expressões com seus dons de Sibila. Ethan provavelmente se sentia de frente para algum de seus heróis de histórias em quadrinhos, pois tio M quase o olhava com visão de raio-X.

Aquele silêncio permaneceu e todos pareciam tensos, até mesmo Boo, que parecia esperar pela ordem de ataque. Meu tio foi quem se pronunciou primeiro.

— Onde estão minhas boas maneiras? Entre, Sr. Wate. Nós estávamos prestes a descer e nos sentarmos para jantar. Você simplesmente deve se juntar a nós. O Jantar é sempre o ponto alto aqui em Ravenwood.

Ethan olhou para mim e fiquei indecisa se sua expressão pedia apenas uma dica ou pedia socorro.

Diga que não quer ficar, invente uma desculpa.

Acredite, não quero.

— Não, obrigado, senhor, está tudo bem. Não quero me intrometer. Eu só quis trazer o dever de casa da Lena. — Ethan levantou a pasta novamente, ainda não parecia convincente.

— Bobagem, você tem que ficar. Devemos apreciar alguns cubanos na estufa depois do jantar, ou você é um homem de cigarrilhas?  A menos, é claro, que você esteja desconfortável em entrar na casa, nesse caso, eu entendo completamente. — A expressão de tio M havia mudado. Poderia estar brincando, mas eu sabia quando ele não estava.

Fui até ele e passei o braço em sua cintura. Vovó sempre me dissera, em particular, que Macon nem sempre podia agir como alguém da Luz e que somente eu sabia quando ele estava sério de mais... Acho que aquele era um dos momentos.

— Não o provoque, tio M. Ele é meu único amigo, não o espante. Se eu ficar sozinha, morarei com tia Delphine e você não vai ter mais ninguém para perturbar.

— Ainda terei Boo.

O cachorro olhou para nós parecendo em dúvida. Eu evitei um sorriso ao ver que meu abraço sem jeito havia dado certo.

— Vou levá-lo comigo também. Ele segue a mim pela cidade, nunca fica com você.

Ethan parecia hesitante, mas muito curioso:

— Boo? O nome do cachorro é Boo Radley?

Macon deu um sorriso mínimo e raro.

— Melhor ele do que eu. — Meu tio riu e eu não soube se segurava a risada por conta dele ou por conta do medo de Ethan. Meu parente abriu a mais porta. — Realmente, Sr. Wate, por favor junte-se a nós. Eu aprecio tanto companhia, e faz muito tempo que Ravenwood teve o prazer de receber um hóspede do nosso delicioso e pequeno Condado de Gatlin.

Eu sorri sem jeito, ele estava me envergonhando...

— Não seja esnobe, tio M. Não é culpa deles você nunca falar com ninguém da cidade.

— E não é minha culpa que eu tenha uma queda por boa criação, inteligência razoável e higiene pessoal adequada, não necessariamente nessa ordem. Porém, em razão de minha família ter fundado esta cidade, não tenho alternativa senão chamá-la de lar.

— Ignore-o. Ele está de mau humor. — Desviei o olhar, completamente envergonhada.

— Deixe-me adivinhar então. Alguma coisa a ver com o diretor Harper e as mães de algumas líderes de torcida?

Assenti para Ethan.

— A escola ligou, me colocaram em observação até que o incidente da janela seja investigado. — Quase não havia suportado ouvir aquilo quando Macon havia falado. — Mais uma "infração" e vão me suspender.

— Isso é loucura. — Ethan estava indignado, mesmo que soubesse que iria acontecer uma hora ou outra. — A culpa não foi sua.

O Incubus ali presente riu novamente, mas dessa vez com desprezo. Não parecia preocupado com qualquer consequência que pudesse haver.

— Eis a voz da razão em uma cidade cheia de tolos, Sr. Wate. — Tio Macon mantinha sua expressão, ainda que fosse difícil entendê-la. — "Observação". É divertido. Observação implicaria uma pequenina fonte de autoridade para um grande lago de estupidez. — Ele fez sinal para que passássemos pela porta. — Um diretor de escola do ensino médio que não consegue controlar sequer o próprio peso e que mal terminou a faculdade junto a uma matilha de donas de casa, com pedigrees piores que o de Boo Radley, transbordando de raiva definitivamente não se encaixam em uma categoria que deva receber qualquer tipo de autoridade.

Ethan pareceu congelar ao entrar na casa. Talvez pelo tamanho, ou diferença das heras cobrindo fora da casa... Era difícil saber. Tudo em Ravenwood poderia assustar os Mortais.

Por que não estava assim antes?

Do que você está falando?

Acho que você sabe o que é.

Eu sabia? A única coisa que havia mudado era a decoração da mansão... Mas ele antes não teria entrado sem mim... Teria?

Macon andava em frente. Seguimo-lo até o salão de baile da qual eu havia tomado café. Ethan parecia surpreso, ou assustado, a cada cômodo que via e aquele não era uma exceção. O piano no canto estava tocando sozinho e tentei torcer para que Ethan imaginasse que era aqueles automáticos, e não algo como Magia. Mas não adiantaria. Nada explicava como havia barulho de copos e risadas sendo que só havia nós três ali.

A voz de tio Macon ecoava no recinto:

— Acho que sou mesmo um esnobe. Abomino cidades pequenas e seus cidadãos, de mentes ainda menores. Eles têm mentes tão estreitas que seus traseiros são enormes em compensação. Isso quer dizer que aquilo que falta no interior existe em excesso no exterior. São como besteiras tão chamadas de "alimentares". Engordam e não levam a satisfação nenhuma. — Meu tio sorriu, mas não foi um sorriso simpático.

Ethan parecia irritado. Acho que, mesmo não gostando de algumas coisas daquela cidade, ainda se sentia parte dela, mesmo não querendo admitir. E agora, com Macon falando aquilo, ele provavelmente não gostara nada.

— Então por que não se mudou ainda?

— Não seja absurdo. Ravenwood é meu lar, não Gatlin. — O Incubus dissera o nome da cidade com nojo e desdém. — Quando eu me for dos limites dessa vida, terei que encontrar alguém para cuidar de Ravenwood no meu lugar, já que não tenho filhos. Sempre foi meu grande e terrível objetivo manter Ravenwood viva. Gosto de pensar sobre mim mesmo como o curador de um museu vivo.

Tentei não me irritar. Eu até podia admitir que Ravenwood era viva e que poderia realmente ser um museu algumas vezes, mas dizer que vive para ela? Era exagero de novo.

— Não seja tão dramático, tio M.

— Não seja tão diplomática, Lena. Por que você quer interagir com aquelas pessoas limitadas e ignorantes da cidade? — questionou. — Jamais entenderei suas tentativas. — Desviei o olhar dele. Nunca entenderia meu lado.

O cara está certo.

Ótimo. Agora eram dois.

Está dizendo que não quer que eu vá à escola? Não quer que eu fale com você?

Não... Só quis dizer...

Macon nos interrompeu quando olhou para Ethan.

— Exceto por nossa companhia atual, é claro.

O Mortal agora parecia curioso. Notei que tentou ver o livro nas mãos do meu tio.

— O que é isso, senhor? Shakespeare?

— Betty Crocker, na realidade, uma fascinante mulher. Eu estava tentando tomando notas desse livro para me lembrar o que os cidadãos consideravam uma refeição noturna. Estava no clima para uma receita regional esta noite. Decidi fazer carne de porco grelhada. — Mesmo tentando disfarçar, Ethan pareceu enjoado. Talvez não gostasse.

Tio M puxou minha cadeira com um floreio.

— Falando em jantar, Lena, seus primos vêm para os Dias de Reunião. — Meu coração acelerou. Ele estava mesmo falando sobre nossa família e nossos costumes com um Mortal ouvindo?! — Lembremos de dizer para a Casa e Cozinha que teremos mais cinco entre nós.

Eu estava irritada. Ele estava fazendo de propósito, tratando Ethan como se ele soubesse sobre tudo de nós. Não seria muito normal olhar para as paredes e avisar que teríamos visita.

— Pode deixar que direi para a equipe da cozinha e para os empregados da casa, se for isso o que quer dizer, tio M.

— Estou meio perdido. O que são os Dias de Reunião? — Meu amigo não estava meio, estava completamente perdido.

Apressei-me em responder antes que meu parente me irritasse mais.

— É só minha família sendo muito estranha como sempre foi. A Reunião, os Dias de Reunião em si, são como um festival antigo de colheita. Como um Dia de Ação de Graças antecipado. Deixa isso pra lá.

Ethan só pareceu mais confuso ainda. Meu tio estava se divertindo com aquilo.

— Como desejar. — Tio Macon estava me provocando. — Falando em Cozinha, estou faminto. Completamente. Vou ver o que há preparado para nós.

Respirei fundo. Nada estava ajudando. Eu queria parecer normal, mas tudo estava parecendo mais anormal ainda. O som de panelas e pratos estava ecoando.

— Não exagera, tio M. Por favor. — Fechei os olhos. Ele só estava piorando tudo.

— Lena, o que é que está acontecendo?

Abri os olhos e olhei para ele. Tentei parecer confusa com o que dizia.

— O que quer dizer?

— Como ele soube que deveria guardar um lugar para mim?

— Nós estávamos na varanda, ele estava arrumando os lugares quando eu fui te atender. — falei quase atropelando as palavras.

— Então como atendeu a porta sem que eu batesse então?

— Eu te vi pela janela, e Boo também latiu quando ouviu a primeira batida. — Eu não sabia como inventava tantas desculpas.

— E quanto a essa casa? Entrei aqui no dia que estávamos em Greenbrier, quando achamos o medalhão. Está totalmente diferente.

Ele havia entrado em Ravenwood?!

Conte, Lena, você pode confiar em mim.

Mexi com a barra do meu vestido. Qualquer coisa era melhor do que olhar para ele.

— Meu tio gosta de antiguidades e enjoa fácil das  coisas. A casa muda o tempo todo, vivemos variando os móveis. Isso não é importante, é?

Eu não contaria a ele. Não podia.

— Está bem. Você se importaria se eu desse uma olhada por aí?

Franzi o cenho, mas não respondi. O que ele veria de errado? Contanto que não entrasse em nenhum dos quartos, estaria tudo ótimo. Observei ele sair do salão e tentei me acalmar. Precisava dar um jeito de Ethan ir embora sem realmente conversar com meu tio e sem este mostrar ao Mortal o verdadeiro segredo da casa.

Pensei em como meu tio estava tentando o assustar e comecei a me irritar novamente. Por que ele estava fazendo aquilo?! Ouvi a voz deles conversando e se aproximando e, ao mesmo tempo, a mesa repentinamente se encheu de comida, um banquete muito mais elaborado do que os dias normais, exceto da vez que Ravenwood fora um castelo.

Uma das velas da mesa se apaga e eu volto a acendê-la. O Incubus da casa conseguiria sem nem mover a mão direito, mas eu estava tentando ser normal, então usei objetos normais.

O banquete estava muito grande para apenas três pessoas. Havia um porco assado inteiro, com uma maçã enfiada na boca. Um assado de costela com papel-alumínio embrulhando a ponta de cada costela, ao lado um ganso desfigurado coberto de castanhas. Molhos e cremes, pães de vários tipos e formas, repolho, beterraba e pastas que eu não sabia o que era. E, é claro, sanduíches de carne de porco grelhada, que Ethan fez uma careta, enjoado. Olhou para mim. Quase pedia socorro com os olhos.

— Tio M. É muita coisa.

Enrolado abaixo da minha cadeira, Boo Radley começou a abanar o rabo de expectativa, sabendo que sobraria para ele.

— Bobagem. Você fez um amigo, temos de comemorar. Não vamos desperdiçar ou a Cozinha ficará ofendida.

Olhei para Ethan. Temia que ele pedisse para ir tomar um ar e depois fugir correndo. Tio Macon continuava agindo o mais estranhamente possível nos limites do Mundo Mortal e eu não estava me sentindo confortável naquilo. Meu amigo deu de ombros e começou a encher meu prato.

O Incubus estava servindo seu terceiro copo de uísque quando Ethan dobrou o guardanapo. Eu estava tentando não ficar tensa com o  fato de meu tio não ter nem levado o garfo à boca e mesmo assim a comida estava sumindo de seu prato. Pelo menos em parte ele parecia querer disfarçar.

Ethan limpou a garganta e olhou para o meu tio.

— Sr. Ravenwood, o senhor se importa se eu perguntar algo? Já que o senhor parece saber tanto sobre História. E, bem, como sabe, não posso perguntar para minha mãe.

Meu coração deu um salto de desespero.

Ethan! O que você está fazendo?!

Uma pergunta.

Ele não sabe, já falei a você!

Temos de tentar.

— Pode perguntar.

Tio M tomou um gole do copo observando o Mortal levar a mão ao bolso. Tentei ficar calma, mas percebi que a situação estava indo de mal a pior quando as luzes ficaram fracas e se apagaram de vez. O piano parou. As vozes que a Casa fazia para fingir estar cheia sumiram.

O que está fazendo?

Não fiz nada, juro.

Ouvi a voz do meu tio na escuridão, mas nem mesmo parecia a mesma. Eu nunca havia ouvido aquele tom de voz dele.

— O que há em sua mão, filho?

Engoli em seco, apenas ouvindo suas vozes através do breu que a casa havia se tornado.

— É um medalhão que encontramos, senhor.

— Você se importa muito em colocá-lo de volta no seu bolso, por gentileza? — Eu nunca na minha vida havia ouvido aquele tom de voz, nem mesmo quando ele falava de Ridley. Naquele momento, mesmo que eu o conhecesse como um Incubus de Sonhos, uma versão da Luz de suja espécie, meu tio pareceu muito mais o que eu sempre soube que foi...

Um demônio.

Vi Ethan voltar a por a mão no bolso e vi também meu tio encostar nos candelabros, usando seu poder e acendendo uma a uma as velas. Todo o banquete já havia sumido da mesa.

Eu estava acostumada ao fato de uma parte de tio M ainda ser das Trevas, de ele sempre estar lutando contra a própria natureza. Mas, naquela noite, à luz de velas e em um momento de irritação... Ele nunca antes havia me assustado tanto quanto aquele momento. Eu podia ver em sua expressão o quanto ele estava se controlando, fosse por causa dos poderes ou por alguma má emoção que sentia naquele momento. Fosse o que fosse, meu tio nunca estivera daquele modo na minha frente antes.

Ethan, mesmo não sabendo a verdadeira identidade do meu tio, parecia tão temeroso quanto eu.

— Perdão, senhor. Eu não sabia que isso aconteceria. Amma, minha governanta, agiu como... como se o medalhão fosse realmente poderoso quando o mostrei a ela. Mas sempre pensei que ela fosse apenas supersticiosa. E quando Lena e eu o achamos, nada de ruim aconteceu.

Resisti à vontade de empurrar o Mortal porta a fora.

Não conte mais nada a ele. Não mencione as visões que tivemos. Não podemos deixar que ele descubra, Ethan.

Não contarei, não se preocupe. Eu não sabia que... Eu só queria descobrir se estava certo sobre Genevieve ser de sua família.

Pude ver na expressão do meu amigo que ele estava falando a verdade. Assim como eu, só queria sair dali o mais rápido possível. Começou a se levantar.

— Acho que devo voltar para casa, senhor. Está tarde e Amma está me esperando.

— Você se importa de descrever o medalhão para mim? — reconheci aquele tom. Não era um pedido. Era uma ordem.

Mas Ethan ficou em um silêncio total. Senti-me obrigada a responder por ele.

— É velho e está danificado, nada que seja importante, eu acho. Achamos em Greenbrier.

Percebi que falei de mais e me calei. Macon girava o anel de prata no dedo. Reconheci aquele gesto de quando soube que Ridley havia ido para as Trevas, e também reconheci em tantas outras vezes em que estava irritado, agitado. Até mesmo quando estava Conjurando.

— Deveria ter me contado que esteve em Greenbrier. Não é parte de Ravenwood. Não posso mantê-la segura lá.

Ele se referia ao fato de Ravenwood ser protegida por vários Conjuros renovados todo Halloween. Sempre dissera para nunca ir a algum lugar sem que ninguém soubesse porque um Conjurador das Trevas poderia me atacar. Eu chegava a me perguntar se aquilo não era superprotetor demais. Agora eu já duvidava daquela superproteção. O problema não parecia ser eu ter estado em outro lugar. Naquele momento o problema parecia ser eu ter estado em Greenbrier especificamente.

— Eu estava segura lá, tio Macon. Eu pude sentir. — menti, mas precisava que ele não achasse necessário me deixar de castigo.

— Não estava. É além da barreira. Greenbrier está muito além de sua imaginação. É um lugar que não pode ser controlado por nada nem ninguém. Há muita coisa que você não sabe. E ele... — O Incubus indicou o Mortal ali presente. — Ele não sabe de nada, não pode proteger você como Ravenwood pode. Como eu posso. Você não devia tê-lo envolvido nisso.

Eu já não sabia o que responder. "Ele se envolveu sozinho"? Ele nunca acreditaria.

— Isso se trata de mim também, senhor, eu estou sim envolvido. Há iniciais na parte de trás do medalhão, iniciais que eu conheço. ECW. ECW era Ethan Carter Wate, meu tio pentavô. Há também as iniciais GKD. Acredito que bastante certos de que o D representa Duchannes. Eu tenho quase certeza.

Ethan, pare. Não fale mais.

Mas ele não parou. Por um momento até cheguei a pensar que fosse um feitiço.

— Não há razão para manter nada escondido de nós, não há razão para dizer que eu não estou envolvido, porque o que está acontecendo está acontecendo com nós dois, não apenas comigo, ou apenas com ela, ou apenas com o mundo. E seja lá o que for, quer o senhor goste ou não, parece estar acontecendo agora.

Aquilo provavelmente foi a gota ďágua para Tio Macon, pois, sem explicação alguma, um dos vasos de flores ali presentes, um de gardênias, voou e quebrou contra a parede.

— Você não faz a menor ideia do que está falando, meu jovem.

O Incubus olhou nos olhos do que poderia muito bem ser sua presa, havia uma intensidade sombria em sua expressão. Boo já havia se levantado e andava em círculos, esperando a ordem e o momento certo para atacar.

Não diga mais nada.

Os olhos do meu tio se semicerraram ainda mais e um arrepio percorreu minha espinha, mas tentei não ficar com medo. Ethan estava com cara de quem queria correr, mas estava paralisado, congelado de medo.

Quando Macon falou, não parecia estar falando com outra pessoa além de si próprio.

— Cinco meses. Apenas cinco meses. Você sabe até onde sou capaz de ir para mantê-la segura por cinco meses? Você sabe do que sou capaz para protegê-la? Do que isso vai me custar? Sabe como isso vai me esgotar, talvez destruir?

Eu nunca vira tio Macon falar daquela forma. Ele sempre me dizia que faria de tudo para me manter segura, tudo sem exceção. Ainda assim, eu nunca o vira falar que aquilo poderia destruí-lo. Ele nunca mencionara nada próximo daquilo. Ainda mais para um Mortal.

Sem dizer uma única palavra, caminhei na direção do meu familiar e toquei afetuosamente seu ombro. Assim como antes, a tempestade nos olhos dele desapareceu. Ele recuperou a compostura e deixou para trás o demônio de sua voz, voltando ao cavalheiro sulista de antes.

— Amma parece ser uma sábia mulher, eu consideraria seguir seus conselhos se fosse você. Devolva o objeto ao lugar onde o encontrou. E, por favor, jamais o traga à minha casa novamente. — Macon ficou em pé e jogou o guardanapo na mesa. Tentei resistir a vontade de fugir quando ele se levantou. — Está mesmo ficando tarde, Sr. Wate. Acho que nossa visita à biblioteca vai ter que esperar. Lena, pode ajudar seu amigo a encontrar o caminho de casa, por gentileza? Foi uma noite extraordinária, é claro. Extremamente instrutiva. Por favor, venha outra vez, Sr. Wate.

O salão de banquetes escureceu e meu tio desapareceu, Viajando com seus poderes de demônio.

Eu podia ver nos passos apressados de Ethan e em sua expressão que ele mal podia esperar para sair da casa, afastar-se de tudo. Eu também queria que ele fosse embora. Eu tinha medo do que podia acontecer se Ethan não fosse embora. E se meu tio não estivesse controlando tanto seus instintos? Ele era um Incubus, apesar de tudo.

Mas quando passamos pelo hall, Ethan diminuiu o passo e eu segui seu olhar, mas não soube para onde ele estava olhando.

Ethan agarrou meu braço e só então entendi o susto. Ele estava olhando para o suposto quadro de Genevieve. Pensei ter sido a memória dele o mostrando que aquela era a mulher da visão até que entendi o que o surpreendeu.

A mulher estava usando o medalhão. Senti-me empalidecer.

Há algo errado. Ele não estava ali antes.

O que você quer dizer?

Esse quadro está pendurado aí desde que eu era criança, até antes. Já praticamente memorizei ele, pois já passei milhares de vezes por aqui. Ela nunca esteve com um medalhão.

Mas lá estava ele, e lá estava ela. Com olhos dourados, expressão fria, olhar enigmático, Genevieve nos encarava como se nos desafiasse a descobrir o que estava acontecendo. O medalhão, que antes só estivera no bolso de Ethan e, antes disso, em Greenbrier, pendurado em uma delicada corrente de prata, agora repousava em seu peito.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Espero que sim! O trecho da conversa da Lena e das mães das meninas da escola veio na minha mente do nada... Espero que esteja bom.
Vejo vocês mês que vem! Comentem, please, estarei esperando e responderei a todos!
Até!



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