Vollfeit - Interativa escrita por N Spar


Capítulo 19
Capítulo 18: sorte do dia




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— CAPÍTULO 18 – 

Sorte do dia 

 

 

Enquanto passavam pelas ruas quase lotadas de Ihene em direção a divisão do reino, tinham a impressão de que as flâmulas coloridas presas nas janelas das casas, características do festival, acenavam para eles através do vento leve daquela manhã. Neri olhava, com o canto dos olhos, a fascinação que Eslin demonstrava a cada passo. Ela poderia estar acostumada à festa, mas nunca deixava de sentir alegria vislumbrando aquele cenário inocente e divertido. As lojas estavam todas enfeitadas com flores, bandeiras amarelas e azuis, balões, laços e outras coisas brilhantes que, nem sempre, a garota conseguia determinar. Passavam com lentidão pelas ruas, que pareciam menores devido, além da quantidade extensa de pessoas, as carroças e barracas que comerciantes montaram mais cedo. Ao mesmo tempo em que avançavam, tentavam absorver completamente a emoção daquele ar repleto de risadas, conversas animadas e músicas, que saiam dos diversos grupos de trovadores e artistas distribuídos pelo reino. O céu, com poucas nuvens alvas, combinava perfeitamente com a data comemorativa. 

Após dez minutos caminhando e contornando inúmeros transeuntes, chegaram ao início de uma extensa ponte onde, em seu centro, alargava-se a ponto de dar espaço para mais de dez casas. Ao chegarem perto, descobriram uma alta fonte de água, esculpida em pedra clara no meio da praça. A figura de uma coruja pousada no ombro de um tigre em pé enfeitava a estrutura que ligava o primeiro prato, repleto de água, ao segundo. Circulando a obra, bancos de aço descansavam em meio a vasos gordos com flores e folhas vivamente esverdeadas. 

— Até a grama parece feliz... – Eslin comentou, mais para si mesmo, enquanto observava o campo verde que limitava a área dos bancos. 

Um sorriso apareceu no rosto de Neri, que o guiava até a lateral do chafariz, onde alguns visitantes jogavam flores brancas nos três andares da construção. 

— Gostariam de participar do desfile? – uma mulher os parou e perguntou animadamente. – Estamos precisando de casais – sorriu com simpatia. 

Eslin olhou para a companheira, que parecia pensativa. Agachou-se levemente até o nível do rosto feminino e murmurou: 

— Parece divertido – sorriu. 

— É divertido até te fazerem dançar na frente de todo o reino – brincando, respondeu. – Podemos tentar se estiver curioso. 

Os lábios do jovem se contorceram em um sorriso. Neri apenas assentiu com a cabeça e, tentando não imaginar o desastre que seria sua dança, respondeu positivamente a mulher. Esta os levou até um grupo de pessoas paradas no outro lado da ponte, em seu início. Distribuíam vestidos amarelos, parecidos com o nascer do sol, e azuis, do tom do crepúsculo, para as garotas enquanto os rapazes recebiam um casaco aberto – com as mesmas cores – e um chapéu curto cada. Os casais estavam sendo formados com ambas os tons, como se tivessem um representante de cada reino. Durante o processo de explicação sobre o desfile e troca de roupas, Neri e Eslin foram separados, montando duplas diferentes por ambos serem de Ihene. No momento em que se distanciaram para dar início à apresentação, o peito da espiã pareceu se contrair rapidamente – não gostava da ideia de ter um possível inimigo do reino solto pelo mesmo.  

O fim da ponte, em direção ao reino de Ihene, já estava repleto de moradores que esperavam, ansiosos, pelo início do desfile. Quando abandonaram a ponte, assovios e palmas preencheram o espaço junto com o som de flautas e tambores, que acompanhavam de perto a fila de jovens. Passaram por uma das avenidas principais do reino da lua, sem se distanciar da divisa, e, em seguida, rumaram para Diellor, entrando numa extensa praça antes de chegar a alameda Canção do Sol, a mais antiga daquela nação. Nela, mais barracas pareciam competir com as lojas locais, tão cheias quanto as primeiras.  

Neri caminhava atrás de Eslin e uma garota alta de Diellor quando passou os olhos em todo o cenário. Uma das barracas chamou sua atenção, sorrindo fracamente ao avistar Aldith ao lado de Belchior. Ambos estavam em pé, tentando assistir o cortejo através de tantas cabeças em suas frentes. Para a infelicidade da garota, a cozinheira logo a localizou no fim da fila e mandou um olhar zombeteiro para o companheiro da espiã, que não parecia passar dos dezesseis anos. Tentou ignorá-la, voltando o olhar para frente, e pensou na sorte em que Eslin tinha em ter uma dupla bonita e de idade parecida. Ela tinha cabelos curtos e loiros, parecendo honrar seu reino, além de olhos verdes e um corpo esbelto. Havia momentos, Neri notou, em que tentava puxar assunto com o garoto sem, no entanto, alcançar o sucesso total. Por algum motivo teve vontade de rir, mas imaginou que não seria certo. A caminhada logo se encerrou, dando início a etapa da dança. As duplas se dividiram em duas fileiras e se viraram uns para os outros. Tentando não encarar seu parceiro, Neri olhou disfarçadamente para o lado, notando os olhos fixos e provocantes da loira no espião sem memórias. Segurou um suspiro e imitou a dupla, começando a sequência de movimentos da dança, que contava com passos extremamente lentos até velozes e giros divertidos. Em alguns momentos, as duplas eram trocadas, possibilitando que Neri e Eslin se reencontrassem. Não falavam nada. Seus olhares sorridentes eram suficientes para saber que, no fim, ambos se divertiam mesmo errando várias partes da dança. 

A música terminou e uma sessão de palmas e gritos de aprovação se seguiu. Os casais se cumprimentaram uma última vez antes de seguirem seus caminhos e o comércio se descongelar. Neri se movimentou até um extremo da alameda tentando localizar Eslin naquele mar de pessoas agitadas. Esticava-se para se apoiar nas pontas dos pés quando uma mão pousou em seu ombro direito. 

— Está procurando aquela criança que dançou com você, é? – Aldith a importunou. 

— Bom saber que ainda consigo dançar, não é? – respondeu com um sorriso maroto. 

— Ah, você olhe aqui! – rebateu, cutucando seus ombros com os dedos indicadores.  

Neri riu. 

— Ei, Aldith... – mirou-a com olhar inquisitivo. – Será que, agora no começo do dia, ainda tenha uns bolos...? 

— Você só pensa em comida, garota?! Ora – abaixou o tom de voz. – Fica semanas sem aparecer e agora aparece do nada... E ainda dança muito mal! 

— Saiba que eu nunca memorizei a dança do festival – sorriu, mas apenas por instantes. – Faço isso há quase cinco anos... Desculpe-me. 

A mulher a fitou cansada. Estava mais que acostumada às missões que Neri recebia, ficando longe do reino por, algumas vezes, mais de um mês. Abanou a cabeça, afastando o pensamento, e voltou a agir naturalmente. 

— Só te darei um pedaço, o resto terá que ser pago, ouviu?! – disse, guiando-a até a barraca do outro lado da rua. 

Atrás do balcão com doces, Belchior estava sentado em um banco baixo. 

— Olá – foi o que disse. 

— Olá – o garoto respondeu. Pareceu começar uma nova frase, mas pausou ao ver um jovem, provavelmente da idade deles, aproximando-se. 

Neri e Aldith se viraram, recebendo-o. 

— Peço desculpas pela demora... – Eslin fitava Neri um tanto confuso. 

A espiã riu levemente, lembrando-se da menina alta de Diellor. 

— Não se preocupe – sorriu. – Vim conversar com alguns amigos enquanto isso. 

Eslin cumprimentou a dupla de Diellor, recebendo respostas amigáveis, mas um tanto hesitantes no início. 

— Vocês deveriam visitar o bosque Gota d’carvalho – Aldith fitou os três jovens. – Parece que já abriram as simulações. 

— É mesmo? – Neri respondeu um tanto surpresa. – Abriram cedo este ano – sorriu e olhou para Eslin. – Todo ano o reino disponibiliza uma área grande para todos os íntimos de elementos treinarem enquanto se divertem. É como uma corrida com obstáculos que te obriga a usar suas habilidades – contou alegremente. – Costumam ter equipes competindo. 

O garoto sorriu com a possibilidade de disputar com outras pessoas e aprender mais sobre as habilidades mágicas que cercavam aquele mundo. 

— Existe uma versão para pessoas...normais? – questionou com um sorriso. 

— Sim – concordou com um balanço de cabeça. – Mas... Após dançarmos melhor que todos, quer que lutemos? – encarou-o com os olhos semicerrados, fazendo-o rir levemente. – Por mim tudo bem. 

Assim como os olhos da colega, os de Eslin brilharam por um instante. Despediram-se de Aldith, que os presenteou com dois pedaços de, Neri descobriu no caminho para o bosque, bolo de maçã. Antes de saírem, Neri puxou Belchior pelo pulso, ignorando seus murmúrios rebeldes contra acompanhá-los. 

— Como exatamente funciona? – Eslin se referia as simulações que participariam. 

— Hm... – começou Neri. – Podemos escolher se queremos competir com outras pessoas ou se faremos percursos sozinhos. No caso do primeiro método, são grupos de até cinco pessoas. Precisam completar o caminho cheio de obstáculos o mais rápido possível. 

— Realmente uma corrida, mas sem habilidades mágicas – Eslin assentiu pensativamente, recebendo aprovação da garota. 

No trajeto, sempre repleto de música e conversas alheias, foram abordados por duas garotas pequenas, provavelmente com não mais de quatorze anos. Distribuíam papéis dobrados nas pontas com a frase “Veja o que está guardado para você nas estrelas!”. Neri descobriu que faziam parte de uma das famílias que trabalhavam com astrologia, montando barracas de adivinhação e sorte todos os anos durante o evento. Agradeceu e, tirando algumas moedas de seu bolso no manto, deu-as para a jovem mais baixa. Em troca recebeu três envelopes. Distribuiu-as entre os dois companheiros e abriu o que restou. 

Aquele que faz o bem caminha para o próprio sucesso - leu o papel. 

— Você encarará derrotas mais significativas que vitórias – Eslin a imitou. 

Você é o criador de suas próprias possibilidades – seguiu Belchior. 

— Minhas sortes sempre são frases motivadoras... – Neri suspirou, mas logo sorriu. 

— Afinal, você é bem perdida – o jardineiro a fitou misteriosamente, fazendo-a bufar. 

— Segundo sua sorte, você não tem iniciativa para nada além de sentar e comer – retrucou. 

— Como se fosse eu que atacasse a cozinha sem nem cumprimentar os funcionários. 

— Não é porque eu não te cumprimento que ignoro os outros também – disse divertidamente. 

Eslin sorriu com a discussão. Pareciam dois irmãos debatendo teimosamente um com o outro. Neri tinha, provavelmente, um grande laço com Belchior. Pensou se teria essa proximidade com a garota um dia, embora já se sentisse facilmente confortável em sua presença. 

Confortável e misteriosamente curioso. 

 


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