The Bastard Heir escrita por Soo Na Rae, Lady Ravena


Capítulo 50
Capítulo 42 - Sob o Véu


Notas iniciais do capítulo

Olha quem apareceu (após a Sofia quase me fazer gritar com ela de tanta insistência...), sim, a Meell! Espero que gostem. Não estou com... um bom humor. Sinto que meus dias estão sendo tragados por todo mundo, menos por mim mesma. Boa leitura! o/



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Capítulo 42 – Sob o Véu

La Vie en Rose – Edith Piaf

Orlando tentou arrumar corretamente o lenço ao redor do pescoço, ou o gibão. Queria não transparecer, mas as pernas tremiam de leve, conforme o criado amarrava as botas firmemente. Teriam um casamento francês, mesmo em terras germânicas. Abriu um sorriso simples. Casamento. Iria se casar, embora não no tempo em que imaginara. Sonhou com uma vida abastada, cheia de alegria e luxos, sem algo chamado “família”, mas apenas sua própria diversão. Entretanto conhecia diversos casais que experimentaram a força de um matrimônio com amor, e isso o atraía, embora não fosse um romancista. Ouviu batidas na porta.

Virou-se para vê-la, com os cabelos curtos escondidos atrás de um chapéu branco, com um laço verde pendendo de um lado. Seu rosto estava pálido, o que o era naturalmente, os ombros nus carregavam apenas um fino tecido transparente, com o corpete sendo sustentado pelos seios que, embora não fossem enormes, eram agradáveis aos olhos. A cintura demarcava-se com a roupa tão justa, mas a saia era longa e se assentava bem entre as coxas, fino tecido, sem qualquer armação por baixo, apenas suas longas pernas.

— Pensei que deveria vê-lo. – disse, secamente, mas arrebatou Orlando com fervor. Casar-se-ia com uma princesa dinamarquesa, de cabelos ruivos e olhos verdes. Orlando sempre achara o ruivo uma cor estranha, as pessoas ruivas nunca ostentavam muita beleza, não de onde ele vinha. Mas Serafina era uma grande exceção, com um rosto anguloso e sua altura pouco feminina. Ela não seria considerada a mais formosa, nem a mais delicada, como a corte exigia que as moças fossem, mas tinha as combinações perfeitas para ele venerá-la, tinha a altura ideal para que a puxasse e se inclinasse sobre sua boca, parecia que tudo se encaixaria perfeitamente, desde que ela abrisse um sorriso...

— Confesso que isso me deixa extremamente feliz. – falou, tentando soar infantil, porém Serafina apenas ergueu uma sobrancelha, estragando um pouco todo o quadro que Orlando havia pintado agora a pouco. Seria ótimo se a esposa fosse mais fácil de lidar. Mas então qual seria o desafio? Qual seria a emoção de enfim consegui-la fazer sorrir? Perderia a graça. – Acredito que seus pensamentos não me rondaram de fato, há algo que a faça querer ver um simples príncipe a se arrumar para uma caçada?

— Nossa caçada. – ela corrigiu, embora ele o tivesse dito de propósito. – Pensei que deveria contar-lhe algo, antes que os votos sejam feitos e o bispo nos abençoe.

— Arcebispo. – ele piscou, divertindo-se por corrigi-la também. Fez um gesto em direção ao criado, ele meneou e saiu do quarto. Quando estavam sozinhos, Orlando se sentou a beirada da cama, aguardando. Porém Serafina não começou a falar. Era estranho que ela estivesse hesitante, talvez fosse algo sério. Então teve medo de que algo não estivesse certo. Ela não o queria? Será que deixaria claro suas únicas intenções de ajudar o pai a conter as revoltas no reino? De repente se sentiu impotente e amedrontado. Havia se inebriado com o fato do casamento e com esperanças de que haveria amor entre eles. Se não isso, ao menos paixão. 

Quando, por fim, o silêncio se tornou mortal, levantou-se e caminhou em direção a Serafina. A garota recuou um passo, e isso o fez ter certeza de que ela não estava somente hesitante, mas também estava com medo do que iria dizer. Orlando não conseguia suportar por tempo demais a ansiedade, se tornava impulsivo e tolo. Serafina, porém, ergueu o rosto para encará-lo e abriu a boca. Não emitiu som. Seja o que quer que ela fosse contar, Orlando decidiu que não ouviria agora.

— Temos uma caçada, precisamos no preparar. Quando escurecer e estivermos em nosso acampamento, então me conte o que tem a dizer, até lá quero apenas me divertir um pouco.

Não sabia se Serafina entendia o que significava “quando escurecer e estivermos em nosso acampamento”, ele tomara as devidas providências para que a tenda fosse quente e para que todos os móveis necessários fossem levados, teriam uma cama grande e espaçosa, cobertores grossos e velas perfumadas. Não havia como ser mais escandaloso que aquilo, imaginava. Porém Serafina endureceu mais ainda, tomando uma postura mortificada. Seu rosto já pálido agora parecia tão branco que poderia ser gelo, seus olhos estavam fixos no queixo protuberante de Orlando, uma de suas características das quais não gostava, mas que por algum motivo o fez se sentir mais eriçado. As costas já eretas de Serafina poderiam quebrar a qualquer momento, enquanto ela erguia junto os ombros, os lábios se pressionando até ficarem da mesma cor que o rosto inteiro. Ela sabia o que iria acontecer. E parecia temer que fosse horrível.

Tomou-a em suas mãos, o rosto frio foi envolvido pelos dedos de Orlando, enquanto beijava-a na boca, com delicadeza. Seus corpos estavam distantes o suficiente para ele sentir o instinto de puxá-la para perto, mas isso não seria gentil para com uma dama que nunca fora beijada. Então permitiu demorar-se em seus lábios, depositando beijos curtos e secos. Pouco a pouco, Serafina amolecia, ás vezes elevando o rosto contra o dele ou movendo os lábios, um pouquinho que fosse. Ela segurou suas mãos e então desvencilhou-se dele, beijando-o nos nós dos dedos, o que Orlando nunca sonhara que ela fizesse, mas que tinha um grande teor romântico, e ele adorou.

A coragem – não, o desespero – clamou em seu peito e ele colocou uma mão nas costas de Serafina, aproximando-a até que seus corpos estivesse juntos, pressionados um ao outro. Beijou-a intensamente, mal dando-se tempo de respirar, depositando beliscões e sussurros sobre sua pele arrepiada. Serafina soltava pequenos ruídos, extremamente sedutores, e Orlando desceu os beijos pela linha de seu queixo, e então o maxilar, desceu mais, até a garganta e o pescoço, permitiu-se sentir o cheiro de seu perfume, as mãos agora moviam-se sozinhas, acariciando-a em locais proibidos. Enquanto beijava-lhe o decote, pousou a testa em seu ombro, apoiando-se e ao mesmo tempo sentindo o calor de sua pele e a vibração das batidas de seu coração. Ávidos.

— Serafina... – sussurrou, entre beijos – Oh, minha Serafina...

Aquilo provocou um espasmo pelo corpo da garota, que envolveu-o com os braços, até então parados ao lado do corpo, e mordiscou sua orelha. Orlando sentiu o corpo empertigar, o suor agora escorrendo por debaixo da roupa e o seu próprio coração batendo descontroladamente, capaz de matá-lo a qualquer instante. Então, como que se entregando a ela, caiu de joelhos e abraçou sua cintura, o rosto sobre seu ventre e os lábios movendo-se freneticamente em seu nome. Era um homem devoto, derrotado por qualquer virilidade que ainda tivesse.

Sabia que precisava dela, precisava libertar tudo o que sentia, mas não ali e não agora. Queria se deitar em posição fetal e implorar por sua mãe. Céus, estava completamente domado. Serafina passou a mão sobre seus cabelos, desarrumando-os afetuosamente, enquanto a outra mão erguia o rosto de Orlando. Olhar para ela daquele modo parecia tão estúpido quanto permanecer assim. Prostrado. Os braços não cederam, porém, em seu abraço, e não sentiu a menor vontade de afrouxar a força com que a envolvia.

— Tudo bem – falou de forma calorosa e quase ofegante – direi a noite...

º    º    º

o cavalo já estava pronto. Iriam sozinhos, com dois cavalos e uma barraca para montar a tenda. Esse foi seu pedido, como tradição, o rei podia pedir algo a sua esposa um dia antes do casamento e ele quisera caçar, pois quando se casasse, quando tivesse filhos e fosse rei, não teria mais tempo para essas diversões. Não poderiam correr a cavalo, pois tinham o segundo com toda a carga “indispensável”.

— Que Deus os abençoe – disse o padre que viera da França na comitiva de Orlando. Obviamente todos o odiavam, o amaldiçoavam, pois era muito óbvio que ele não queria apenas caçar.

E acertavam aí. ele queria firmar um acordo com Serafina, contar-lhe seus medos e ambições, contar tudo, para que quando dissesse sim, ela soubesse com quem unia sua vida.

Montou habilmente o cavalo, ajudando sua noiva, que trocara o vestido por um mais leve. Sua capa entretanto era grossa, usava botas de cavalgar, os cabelos ainda presos pelo chapéu de verão. Gostaria que ela ainda possuísse os belos cachos ruivos, mas com certeza Orlando não se sentia menos atraído por este detalhe.

— Segure-se – aconselhou-a, dando um pequeno show, empinando o cavalo. Os braços de Serafina agarraram seu corpo com força, porém ela praguejava em russo.

Quando já estavam dentro da floresta, Orlando soltou as rédeas e deixou San’Solo escolher por onde ir. O cavalo sempre sabia qual o melhor lugar para caçar.

— O que seu pai disse, na carta? – perguntou.

— Que está contando comigo, e muito feliz, claro.

— Nada sobre um genro francês? – Orlando sentiu-a revirar os olhos, embora não a visse.

— Não era a primeira opção, mas vale – ela respondeu. Orlando soltou uma gargalhada, enquanto o cavalo parava sozinho, agitando as rédeas.

Sem perguntar, ela desceu. Orlando acompanhou, amarrando os dois cavalos a uma árvore, depois limpou a área e fincou as estacas no chão. Desenrolou a tenda, esticando-a. a princesa apenas observava, encostada em uma pedra.

— Tem certeza que é seguro?

— É a floresta do rei, soldados fazem rondas constantemente – explicou-se. – e eu tenho uma espada. Está segura.

Porém Serafina não parecia convencida, talvez com razão. Naquela floresta duas pessoas foram sequestradas por hereges. Além dela ter passado por grandes apuros em sua viagem para Overath. Sem dinheiro, sem roupas, sem os cabelos. Orlando não a culparia por seu medo.

— Você está certo de que passaremos a noite aqui? Digo, não tentará me abusar, certo?

— Olha só o que fala de mim... – disse, enquanto trabalhava na tenda – Eu nunca a abusaria. Não se abusam princesas.

Ela concordou, novamente sem confiança.

Orlando notou que nada que dissesse a acalmaria, então apenas montou uma fogueira e a acendeu. Serafina se aproximou, sentando e colocando as mãos em direção ao fogo. Ficou alarmado, talvez ela não soubesse que podia se queimar, porém logo percebeu que era um medo bobo. As chamas jogavam luzes e sombras em seu rosto, deixando-a brilhante e oculta ao mesmo tempo, parecia encantador. Ele tinha de criar um ambiente agradável para que ela se sentisse segura e assim pudessem conversar como pretendia. Tirou um alaúde de dentro do estojo e se colocou a afinar as cordas. Gostava de tocar quando ficava sozinho, sem que ninguém pudesse ouvi-lo. O fato de insistir em tocar para ela já mostrava claramente que queria se casar de verdade, não apenas para unir a França com o Norte, mas para ter uma vida completa, com bebês nos braços e alguém para conversar sobre os problemas do reino. Serafina seria essa pessoa.

Soube disso quando se lembrou do beijo e então enrubesceu.

— Me conte sobre sua família.

— Minha família? – ela perguntou, piscando atônita.

— Sim. Gostaria de saber mais sobre ela.

Serafina ficou pensativa, tempo suficiente para Orlando desconfiar de que ela mentiria.

— Somos uma família normal, embora meu pai esteja sempre viajando para os países que governa, a Dinamarca é quase o local de feriados que ele utiliza para passar, o resto dos dias permanece semeando a paz entre as nações vizinhas. – ela suspirou, um pouco triste – Ele costumava nos levar para essas viagens, mas com o passar do tempo os nortistas começaram a se rebelar e a guerra... tudo nos afastou e nos isolou na Dinamarca. Eu tenho irmãos, mas eles se afastaram, são todos muito mais velhos e todos já comandam suas próprias terras, minhas irmãs são casadas e mandam apenas cartas para contar sobre seus filhos, sobre seus maridos e damas de companhia. – Serafina encolheu-se, de repente trêmula de frio – Minha mãe sempre esteve comigo, não me lembro de um momento importante em que ela não estivesse ao meu lado. E me entristece que ela não esteja aqui agora.

— Poderíamos chamá-la se assim quiser, custará apenas alguns dias. – Orlando disse rapidamente, tentando soar heroico, mas Serafina apenas abriu um sorriso sem vida.

— A viagem a mataria, tenho certeza. Está magra e fraca, sua saúde viva a oscilar e os médicos dizem que logo ela não irá mais resistir.

— Se levássemos médicos franceses, aposto que eles resolveriam o problema. Já os vi curar doenças inimagináveis.

— Mas como? Há guerra em todo o caminho.  Hereges, rebeldes, pessoas morrendo de fome. Atirariam tudo sobre qualquer carruagem minimamente decorada. Se usássemos o brasão da família real, então cortariam nossas gargantas. O povo tem fome. E tudo o que posso fazer é me casar com um príncipe do outro lado do continente.

Orlando sentiu-se ofendido, mas logo percebeu que ela não o insultar, apenas questionava a força que suas atitudes causariam nos súditos de seu pai. O que mais aconteceria? Haveriam mais soldados, mais mortes, mais fogo da fogueira. Todos a odiariam, era óbvio. Mas o rei venceria a guerra e retomaria o poder, e então tudo seguiria em paz. Mas paz para quem? As pessoas continuariam famintas, o frio continuaria crescendo e a terra não daria fruto. O Norte tinha grandes preocupações em tempos tão tribulados como aqueles. 

º    º    º

O rei da França percorreu a sala das artes com o olhar acastanhado, admirando as pinturas antigas e as tapeçarias de veludo coloridas, cada uma retratando uma história verídica, ou alguma uma lenda do folclore local. Os pensamentos de Carlos passaram da arte aos maravilhosos acontecimentos dos últimos tempos, pelo menos para ele e seu reino. Havia recebido cartas dos ministros que tomavam conta de seu país durante sua ausência, a Escola de Músicas da Borgonha estava fazendo muito sucesso e em poucos meses as construções do Palácio de Fontainebleau estariam encerradas e a sede real da França passaria a ser a grande Paris. Eles sairiam do singelo Vale de Loire.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo barulho do encontro de dois báculos ao chão de mármore negro, era o sinal de que alguém muito importante estava entrando e confirmou seus pensamentos quando se virou e viu a formosa figura da princesa Hannelore.

— Vossa Graça — disse segurando a barra do vestido verde e lhe prestando uma reverência, o rei meneou levemente a cabeça com um sorriso gentil.

— Fiquei surpreso com seu pedido para uma reunião, Madame — ele afirmou se aproximando da jovem e depositando um beijo em sua mão, deixando Hannelore um pouco encabulada, principalmente porque estava sem suas luvas, mas lembrou-se do que Gênova lhe contou um dia.

“Franceses são um tanto ousados por natureza, por isso não se espante se até o mais cortês dos cavalheiros sentar perto demais de vós a ponto das pernas se encostarem as tuas saias, aqui em Overath isto é um ato intolerável, uma falta de respeito para com uma dama de boa estirpe. Para eles é normal um esposo beijar a esposa em público, se meu falecido Wagner tivesse feito este ato comigo em frente ao rei, eu dormiria em outros aposentos por vários dias, até ele pensar na vergonha que me fizera passar, ora essa, ninguém precisa conhecer a intimidade de um casal”.

Com as coisas que Genova já lhe contara sobre casamento, ela se impressionou como a duquesa conseguira ter tido dois filhos. 

— Claro, meu senhor, por favor, sente-se — a princesa apontou para duas elegantes poltronas azuis, ornamentadas com estampas douradas de estrelas, próximas a uma grande pintura do castelo de Overath. Ele devia admitir para si mesmo, aquele majestoso palácio incrustado em uma montanha, próximo a um grande rio e a um vasto bosque, era digno do mais nobre dos nobres, de um livro de contos de fadas, parecia alguma espécie de morada dos anjos na terra. Por isso ele precisava voltar logo para a França e ordenar que seus arquitetos façam de Fontainebleau, um palácio digno de concorrer com o Kaiserburg, uma das mais bonitas moradas da cristandade.

— Antes de tudo, eu peço perdão senhor, pois ainda não possua capacidade de falar vosso idioma tão bem como deveria.

— Princesa, não se sinta mal por isso, eu que estou em teu reino. O certo seja que eu fale seu idioma, então não se preocupe com isso, considere apenas um detalhe.

“Essa moça lembra-me tanto a minha falecida cunhada, os cabelos, os olhos, os lábios avermelhados, o grande sorriso e até a maneira como foge o olhar quando está envergonhada, tão bela, oh céus, mas isso faz tanto tempo! Por que estou pensando nos mortos agora? Poupe-se Carlos, poupe-se, concentre-se”.

— Quero agradecer ao meu convite, Vossa Graça, eu sei que estamos em vésperas de uma grande festa entre a princesa Serafina e o delfim Orlando, vosso filho, mas o que preciso dizer é mais de cunho politico e talvez não fosse possível está conversa em outro momento, pois sei que o senhor e sua família irão partir para França logo após o casamento.

— Precisaremos ir a Bretanha antes de partirmos oficialmente para a França, a rainha minha esposa é a duquesa soberana daquela região e tem de tratar dos assuntos diplomáticos importantes. Mas, não creio que ela a de conseguir resolver tudo sozinha, muita carga para uma mulher, por isso quero acompanha-la e ficar a par de tudo, além disso, Orlando e Serafina precisam conhecer melhor a herança que receberão após nossas mortes. Mas não percamos tempo. Diga, o que é tão importante?

— A aliança entre nossos países é recente, porém até agora tem se mostrado vantajosa, pacifica e neutra, pois não precisamos perder nenhum dos aliados que nós já possuímos. Meu reino pode ser amigo da França e da Espanha ao mesmo tempo, pois não temos quaisquer ligações que sejam prejudicais para vocês e jamais os prejudicaríamos. Esse é um dos segredos de se manter um reino unido e leal ao seu soberano, afastá-los dos conflitos de maior contingente.

— E quanto a Hessen, o reino vizinho? Soube que estão tendo até períodos pacíficos ultimamente.

— Felizmente, desde a nossa vitória na colina no inicio do ano, os ataques inimigos pararam e muitos soldados saíram das fronteiras de volta para seu reino, todavia não sei se isso tudo irá durar para sempre. Dificilmente podemos confiar quando tudo está calmo demais, devemos sempre ficar alertas.

— Pensamento inteligente de tua parte, princesa, eu noto que mesmo sendo apenas uma garota, jovem, bela e de porte delicado, parece aprender rápido como funcionam as coisas dentro da corte, estou surpreso — ele disse apanhando uma taça de vinho na bandeja que uma criada acabara de trazer.

Hannelore ficou com a expressão séria, tentando ficar feliz apenas com os elogios do rei da França sobre sua inteligência, mas o fato do homem ter imaginado que por ela ser mulher, não conseguiria absorver os assuntos diplomáticos, a deixou profundamente irritada. Se sua conversa com o rei da França não fosse tão importante para seu reino, ela já teria partido dali a muito tempo.

— Vossa Graça, desejo que nossa aliança fique mais forte, porém através de algo diferente e que possa ajudar os nossos reinos igualmente. Mês que vem será setembro, costumamos comemorar no dia 27 de setembro a festa de São Cosme e Damião, ai pensei que nada melhor que em homenagem a esses padroeiros das crianças, inaugurar um lar para que as crianças oriundas de famílias humildes tenham acesso à educação, alimentação, aos abandonados uma moradia... Um espaço onde elas possam realmente viver uma infância mais feliz e com chances de construir um bom futuro. Os planos já começaram, o rei meu pai e nosso ministro já estão cientes de tudo, todavia eu penso que precisemos de poderosos patronos, para que está casa da criança permaneça muitos e muitos anos de pé e disponível, apenas o governo daqui talvez não seja o bastante, pois não sabemos quem tomará conta de Overath no futuro, se for uma pessoa mesquinha, ou que pouco se importe com seus súditos... Queremos um apoio internacional, para quem sabe, levar está ideia até mesmo para outros países. O senhor aceitaria ser um desses patronos?

º    º    º

Mais um dia se passara e ela não conseguira lhe contar. O que tinha em mente? Orlando tocara alaúde, cantara suas músicas favoritas, dedicara a ela alguns sons, depois preparou o jantar e conversou sobre como adorava o verão, como gostava de cães, mas não os de caça, e sim aqueles que correm atrás de você e se enroscam nas suas pernas. Serafina achou tudo uma graça, dele falando sobre como planejava uma família grande e unida, como queria criar seus filhos pessoalmente, sem deixar isso nas mãos de outras pessoas. Realmente a encantava que Orlando fosse uma pessoa como... como seu próprio pai. Apenas de olhar para ele sabia que não estava se casando por simples obrigação ou para o bem da França, estava se casando porque tinha afeto com ela e porque tinha sonhos que queria realizar com outra pessoa.

Mas... a entristecia. Pois não tinha conseguido ainda contar a ele o seu maior segredo, o único na verdade. Enquanto Orlando ia se abrindo, Serafina ia se fechando ainda mais. E logo estariam fazendo seus votos diante do bispo e ela continuaria mantendo seu segredo, enquanto condenava uma pessoa ótima a uma desilusão trágica. Culpava-se pelo medo que sentia, mas... se Orlando não se casasse com ela, quem iria? Os franceses eram notórios pela mentalidade libertina e ele poderia aceitá-la, mas... e os outros? Se Orlando a rejeitasse, então ela não conseguiria se casar com mais ninguém, ninguém a aceitaria. Muito menos Eduardo que vinha de um país tão religioso.

Antes que percebesse, tocava uma das mechas do cabelo castanho escuro de Orlando. Ele dormia serenamente, ao contrário dela que mal pregara os olhos. Parecia em paz. E quem não estaria na véspera de seu casamento? Ela abriu um sorriso, seria hoje. Quem diria a sorte que tivera? Se Orlando fosse mesmo o rapaz que descreveu, a França teria um maravilhoso monarca e seus filhos um maravilhoso pai. E ela seria amada, com toda certeza. Mas Serafina ainda não notava que era amada, pois Orlando abriu um sorriso quase imperceptível, fingindo dormir. Passara a maior parte do tempo apenas ouvindo as bufadelas zangadas e os suspiros cansados de Serafina e se esquecera completamente do tempo, apenas tentando imaginar o que a mantinha tão incomodada. É claro que quando jantaram e terminaram de caçar, ele se recolhera primeiro. Pensou que Serafina iria preferir dormir na tenda deixando do lado de fora, mas ela insistiu que ele entrasse primeiro e logo em seguida também se enfiou nas cobertas. Orlando não era nenhum monge puritano e tinha sim pensado em coisas indevidas. Mas ela seria sua mulher dali poucas horas. Tinha todo o direito de fantasiar algo que aconteceria.

E se ela o detestasse? E se não conseguisse sentir nada por ele?

Serafina ardia de preocupação, tanto medo e tanta raiva guardados dentro de si que não percebeu as primeiras lágrimas rolando pelo rosto. Que tipo de nórdica ela era? Que fraca. Tentou evitar piscando várias vezes, mas os olhos só se encheram ainda mais e não conseguiu parar. Agora fungando de leve.

— Me desculpe... – sussurrou, engolindo a última sílaba em um soluço. Orlando abriu os olhos imediatamente, erguendo o rosto. Estava acordado. Estivera acordado o tempo todo e ela não percebera!  E agora a vira chorando! Serafina mordeu o lábio inferior, tremendo completamente de pavor e de vergonha. O tocara como não deveria, acariciou-o enquanto ele dormia, Orlando teria pensado algo desonroso a seu respeito, com certeza. Embora ele já a tivesse beijado... A lembrança a fez arder um pouquinho mais. Mas não por medo.

— O que foi? – ele perguntou, os olhos tomados de um brilho temeroso, o rosto com uma expressão preocupada. Não merecia tudo aquilo, ela não merecia nada daquilo... – Por que está chorando?

Não o respondeu, claro, pois se abrisse a boca lhe contaria tudo. E se contasse... Orlando cuspiria em cima de suas lágrimas.

Era tão ruim assim que quisesse a pena dele?

— Está arrependida? – de repente o rosto de Orlando foi tomado por dor e seus olhos se escureceram violentamente, em amargura.

— Não! – seria um grito se ela tivesse forças, mas foi mais como um ganido.

— Então o que foi? As pessoas choram por algum motivo! Está sentindo dor? Sente-se bem?

— Estou bem. – garantiu, mas em seguida abaixou a cabeça. – Eu só... acho que não mereço.

— Não merece? Um casamento?

— O seu casamento. – então libertou tudo, levantando-se e gesticulando com as mãos – A sua vida, seus filhos, seu reino, sua felicidade. Não mereço nada disso. Deveria compartilhar essas coisas com alguém de verdade, não comigo, eu não sou...

— Como alguém de verdade? – Orlando esticou o braço e segurou gentilmente sua mão – Você é perfeita para mim.

Serafina recuou, e então para o pavor de Orlando, ela correu para fora da tenda.

O dia lá fora começava a raiar, e estava frio. Mesmo assim não se importou, segurou-a pelos ombro antes que se afastasse mais e a prendeu em um golpe que os soldados novatos adoravam fazer uns nos outros, imobilizando a parte de cima do oponente. Isso não a agradou tanto.

— Me solte, agora!

E ele obedeceu, mais por medo que por obediência.

— Me explique. – exigiu, embora fosse mais uma súplica, e Serafina novamente relutou. O que tinha a perder? Orlando sempre notaria sua insatisfação, seu medo, seu incômodo. Ele não fecharia os olhos para isso e sempre tentaria mudar. Era melhor deixar tudo no claro para que ele soubesse com o que lidava. E com o fato de com quem dormia. Serafina sentiu-se pequena e frágil, quis sua mãe. Não, não era isso. Quis ser sua mãe. A rainha, forte e impiedosa, até mesmo quando era capturada por foras-da-lei ou confinada em seu próprio castelo. O que era isso em comparação ao que Serafina era? Uma princesinha mimada escondendo sua fraqueza com medo do que os outros iriam achar. Envergonhou-se disso.

— Eu... eu não sou – corou violentamente. Tão violentamente que Orlando teve certeza que ela passava mal, mas então disse, com toda a coragem que ainda restava – Não sou virgem.

E então ele exclamou e Serafina soube que seria o fim de um sonho muito, muito bom.


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Notas finais do capítulo

Um beijo a quem torce por Orlando e Serafina o/
Alguns leitores já notaram que eu e Sofia começamos dois projetos individuais, um deles é de 1842, na Inglaterra, durante a Era Vitoriana, e o outro é na Península Ibérica durante a Idade Média, na invasão islâmica. Sim, ambas as fanfics têm temas bem diferentes. A da Sofia é a segunda, Amores en Alhambra (https://fanfiction.com.br/historia/687567/Amores_en_Alhambra/), e sabem como ela é, toda perfeccionista, ainda mais com assuntos dos árabes, ela simplesmente ama tudo isso. Sou suspeita a dizer, mas a fanfic está ficando muito boa, e recomendo que leiam (na verdade estou fazendo uma propaganda aqui, de nada Sofi).
Não percam essa oportunidade de ver a Sofia sem mim u.u Garanto que ficará melhor sem os MEUS erros. Beijos da Meell Gomes.