Davina - No limite de um amor veloz. escrita por Lya De Volkan


Capítulo 8
Noite de chuva - Outubro de 1968


Notas iniciais do capítulo

Segurem seus forninhos e apertem os cintos! Nos vemos nas notas finais. Boa leitura.



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O GP da Inglaterra para os homens estava chegando e eu me instalei em um hotel no centro da capital inglesa, lembro-me que o tempo estava péssimo, chovia o dia todo e a noite também, o frio era imenso e ouvi no jornal local que poderia picar daquele jeito durante todo o final de semana, o que resultaria em uma corrida com pista molhada. Poucos são os pilotos que tem agilidade com um carro no meio de uma chuva, as vezes isso pode dificultar até na forma da corrida. A chuva era forte, eu aproveitei que não estava fazendo nada no hotel no qual outros pilotos da época resolveram se hospedar também, como meu cunhado Jean-Pierre Beltoise, o Jody Sheckter, o Jackie, o Niki Lauda, o Emerson Fittipaldi, entre outros, e saí para comprar um maço de cigarro para passar o tempo, que na verdade, na época era o meu único e errado vicio fora correr de Fórmula 1. Vesti um casaco para me proteger da chuva e desci. Jacqueline, minha irmã, me ligou antes dizendo que iria ver a corrida na Inglaterra, mas eu sabia que ela estava indo para ver o Jean-Pierre e não a mim, então eu tinha que voltar rapidamente para o apartamento.

Quando eu já estava me aproximando do hotel com o maço de cigarro comprado, vi apenas uma silhueta fina andando, cambaleando na verdade, vindo em minha direção. Achei que fosse uma mulher da noite, se é que me entendem, mas a medida que ela ia se aproximando eu via uma familiaridade nela. Lembro-me de ter levado um enorme susto ao ver que era ninguém mais e ninguém menos que a Davina.

Soltei tudo que estava carregando e corri até ela como um louco, na chuva, já sem me importar se eu estava me molhando ou não.

–Deus! Davina, você está bem?! -perguntei preocupado, mas ela não me respondeu. Cambaleou mais ainda para perto de mim e caiu em meus braços desacordada, parecia uma boneca. Entrei em desespero. Lógico, um homem com uma mulher desacordada no meio da rua não poderia fazer muita coisa. Então a peguei nos braços e corri para o hotel o mais rápido que eu pude, ela estava desmaiada e ofegante. Subi correndo para o meu apartamento e a coloquei em minha cama.

Davina estava ensopada, ela tremia e respirava rapidamente. Eu não sabia o que fazer, peguei uma toalha e comecei a enxugar seus cabelos e o seu rosto, quando o toquei, senti que ao invés de frio, ele estava quente, muito quente.

Eu tinha que pedir ajuda.

Corri até o quarto onde o Jackie a Helen estavam hospedados e bati na porta feito um louco. Se a situação não tivesse me deixado tão nervoso, eu tinha soltado boas gargalhadas do estado em que o Jackie abriu a porta. Ele estava só de pijamas, cabelo bagunçado e olhos semi-abertos, isso queria dizer que eu tinha acordado os dois. Mas foi por uma boa causa. Pedi para que eles corressem até o meu apartamento e me ajudassem com Senna. Quando chegamos, eles foram até o quarto e eu contei o que havia acontecido, que ela apareceu do nada cambaleando pela rua e eu a tirei para que não ficasse caída no chão larga a própria sorte.

–Helen, troque as roupas dela por favor, François, ligue pros enfermeiros do hotel rápido, eu vou chamar o Niki. -Jackie mandou e assim fizemos, quando os médicos chegaram tiveram que dá alguns medicamentos em injeções em suas veias e deixaram um pote de comprimido para diminuir a febre dela. Jackie não conseguiu acordar o Niki e a esposa, então ficamos apenas nós quatro no meu apartamento.

–François, ela não está bem. -Helen comentou ao meu lado, eu estava sentado em uma poltrona ao lado da cama onde Senna estava dormindo.

–Os médicos falaram que é só uma questão de tempo para os medicamentos fazerem efeito, ela ficará bem. -respondi calmamente ao observar o rosto daquela mulher, ela realmente era linda. Helen colocou sua mão sobre meu ombro esquerdo, me fazendo olhar para ela.

–Não estou falando do físico, François, eu sei que com os medicamentos ela vai ficar bem, mas olhe pra ela...-olhei rapidamente para Davina. -Ela me parece tão abatida, alguma coisa deve ter acontecido para ela sair na chuva daquele jeito...se ela acordar, converse com ela, pergunte o que aconteceu. O Lauda com certeza vai querer uma boa explicação.

Aquele com certeza foi um dos dias que ficaram para sempre em minha memória, existem certas coisas que não dá para esquecer, esse dia foi uma delas. O Jackie e a Helen foram para a sala e me deixaram sozinho com a Davina. Eu fiquei a olhando por um bom tempo, sem me movimentar, apenas a olhando. Já era quase meia-noite e nada dela acordar, eu estava começando a ficar realmente preocupado e cogitei em ligar para os médicos novamente. Minhas pernas se balançavam rapidamente e eu ão não sabia o que fazer com as minhas mãos, eu acho que já naquela hora todas as unhas dos meus dedos já haviam sido ruidas. Ouvi a voz do Jackie falando ao telefone, ele deveria está falando alguma coisa com alguém sobre a Davina, provavelmente com a Sofia já que ela é a irmã mais próxima dela, depois de Cristina, que já havia falecido.

Então eu a vi se mexer e começar a abrir os olhos lentamente, saí da poltrona e me sentei ao seu lado na cama, com um pouquinho de distancia para não intimida-la.

–Como você está se sentindo?

Abri um doce sorriso para ela e ela desviou o olhar de mim.

–Minha cabeça dói. O que foi que aconteceu? -ela respondeu-me colocando a mão direita sobre a testa.

–Você saiu na chuva, o firo da noite e suas roupas molhadas lhe fizeram desmaiar e ter febre. Acho que você devia ter colocado um casaco antes de sair. -sorri.

Ela notou que suas roupas não eram as mesma, bem observadora, e me olhou, claro, bem desconfiada.

–Onde estão as minhas roupas? E de quem são essas?

–Calma Davina, por favor, deixe-me explicar ok? Você estava ensopada e a Helen te trocou lhe dando algumas roupas dela. Eu chamei uma equipe de médicos para te examinarem e te medicar adequadamente, então você vai ficar bem. -ela aliviou a expressão de seu rosto, puxou o lençol para si como se ele fosse um manto protetor. Eu tinha que conversar com ela, eu tinha que dar uma desculpa ao Lauda por não tê-lo chamado de imediato e todos do circo sabem o enorme zelo que ele tem por Senna. -Por que você saiu na chuva Davina?

Perguntei e ela me olhou de forma curiosa. Mas como eu sou uma pessoa extremamente descabida, curiosa, eu queria saber tudo da boca dela. Eu notei que ela não queria conversar, mas eu tinha que tentar de todas as formas.

–Davina nós não somos tão estranhos um para o outro, eu só quero lhe ajudar, então por favor, fale comigo. Eu sinto que você não está bem.

E realmente sentia. O olhar dela, que antes era destemido e impetuoso agora estava triste, algo havia acontecido com ela, eu queria saber o que era. Eu não sei bem, mas acho que depois do que falei ela relaxou um pouco em relação a mim, bem pouco mesmo.

–François, eu agradeço tudo o que você fez por mim, mas eu sei onde você quer chegar e eu não estou disposta a ser mais uma na sua longa lista. Eu conheço a sua fama de namorador, Cevért, eu não quero participar da sua contagem.

Por um momento, odiei a mim mesmo por causa de tudo isso, nós dois sabíamos que isso era verdade. Davina era uma pessoa determinada e quando ela queria, se tornava uma pessoa muito difícil de se conviver. Respirei fundo, tomei coragem, e segurei sua mão. Nunca uma mulher havia me causado tamanha sensação de insegurança, eu nunca tive medo de pegar na mão de uma mulher, mas com Davina, tudo, sempre, foi diferente.

–Em momento algum em pensei isso Davina. Eu gosto de você, de verdade, do seu estilo, do seu arrojo, da sua impetuosidade e teimosia...-ela sorriu docemente. -Eu só quero que você fale comigo. Por favor...dê-me um voto de confiança. -ela me olhou por um tempo, calada, mas depois tomou a palavra.

–Por causa de Cristina.

Seu tom de voz diminui aos poucos, demonstrando sua tristeza e claramente o seu luto.

–E não só por ela. As ultimas corridas não foram fão boas, o meu pai não está falando comigo desde a morte de Cristina, a cada dia a minha falta do Brasil aumenta...a falta da minha gente, da minha família...

Sua fala quase embargou no final, ela abaixou a cabeça um pouco e depois a levantou e olhou para mim com seus olhos marejados. Eu imagino o quão difícil estava sendo para ela aquilo tudo, uma mulher de apenas 22 anos longe de casa e do seu país, o pai não falava com ela por causa da escolha da sua profissão, a irmã mais próxima havia morrido em um acidente de moto e ela não teve oportunidade de ir ao velório para se despedir dela, era muita coisa para ela.

Mas se teve algo que eu notei foi quando ela quis se fazer de forte, naturalmente, no mundo em que ela escolheu viver, a força se sobressaia as vezes. Davina estava se segurando, limpada as lágrimas teimosas que insistiam em cair pelo seu rosto. Então em me atrevi um pouco em relação a ela.

–Davina o que você precisa é esquecer esse orgulho por um minuto, você se fecha para tudo e todos, segura suas emoções de um modo que acaba te machucando. Não tenha vergonha de chorar, não é feito, muito pelo contrario, é bonito ver que você tem sentimentos. Você é só uma menina de 22 anos que foi obrigada a crescer, mas depois de entrar para o automobilismo, tudo foi como uma libertação para você, estou errado?

Ela me olhou como se eu tivesse lido a sua alma por inteira. Me aproximei mais um pouco dela, a olhando docemente.

–Por que? Por que está fazendo isso? Por que quer tanto me ajudar? Você sequer me conhece, você pode ter qualquer mulher, por que você aparentemente se interessou por mim? -ela me perguntou, então eu levei a sua mão até os meus lábios e a beijei. Olhei nos olhos dela e sorriu.

–Por que você...não é qualquer mulher. Poucas mulheres se atrevem a andar onde você anda. Eu só quero cuidar de você. Se você deixar, é claro.

Ficamos nos olhando por um breve tempo, os dois calados e sem se movimentar, até que ela fez algo que me surpreendeu naquela noite. Davina me abraçou. Ela me abraçou forte e tremendo, então eu a envolvi em meus braços e a apertei contra o meu peito. Ela era tão pequena, mas eu sabia que eu era alto, ela tinha mais ou menos 1,65 de altura. Eu queria protege-la de qualquer coisa, seu perfume me deixava estasiado.

–Está tudo bem Davina, você não precisa ser forte agora, eu entendo a sua tristeza. Mas vamos concordar que tentar pegar uma hipotermia não é a melhor solução para seus problemas não é? -sorri com muito humor, queria deixa-la a vontade, confortável. Ela se distanciou um pouco, mas ainda estava abraçada a mim, me olhou nos olhos e me ofereceu um sorriso gentil. Eu não cansava de olhar para ela, ela era tão linda que não imaginava mulher igual, só era ela em minha mente. Senna segurou a minha mão e abaixou a cabeça, foi onde ela começou a chorar de verdade, respirei aliviado, minha mensagem tinha chegado até ela finalmente.

Com minha mão livre eu alisei o seu rosto de porcelana, ela continuava chorando e então eu a abracei novamente. Sim, aproveitei para tê-la comigo e ao mesmo tempo conforta-la.

–Meu pai me odeia...ele odeia tudo o que eu faço. A minha mãe está longe de mim, a Cristina está morta...eu me sinto sozinha, François, muito sozinha. Por mais que eu tenha o Niki, o Emerson, a Marlene e a Verônica, a Sofia, eu me sinto assim, sozinha. -ela soluçou. -Mas você está me ajudando tando, eu não sei como posso te agradecer por tudo que está fazendo por mim. -ela me encarou novamente. Mas, algo mudou em seus olhos, os brilhos de tristeza haviam sumido, ela me olhava tão gentilmente, tão doce, o luto estava indo embora, a tristeza acumulada dentro do coração dela estava sendo colocada pra fora naquele momento. Me senti extremamente feliz. Feliz por ela.

A chuva ainda caía, mas pouco importava naquela hora. Fui abaixando meu rosto lentamente e ela foi subindo o dela, até que enfim nossos lábios se encontraram em um ato cheio de sentimentos e emoções. Uma onda de amor percorreu o meu corpo naquele mesmo instante, como seus lábios eram doces, eu nunca havia sentido algo daquele jeito em toda minha vida. Um beijo. Nosso primeiro beijo. Involuntário, mas cheio de desejo. Senti que ela queria e eu também queria.

Depois daquilo, eu fui até a sala ver se Jackie e Helen ainda estavam lá e para a minha surpresa eles estavam dormindo no sofá. Sorri baixo, não queria acorda-los. Admito que eu estava muito alegre, tão alegre que parecia um bobo, fui na cozinha pegar um copo de água para Davina, fiquei pensando em tudo que havia acontecido e notei que tudo tinha acontecido por cauda da dor de uma perda, por cauda da morte de uma pessoa eu pude ouvi-la e conhece-la. Quando retornei ao quarto, ela já não estava mais na cama, olhei para todos os lados e quando a avistei, ela já estava de pé na varanda olhando para o céu nublado bem concentrada.

Me aproximei dela colocando o copo em cima do criado mudo, a olhei colocando as mãos nos bolsos da minha calça.

–O que aconteceu? -perguntei e ela continuou olhando o céu.

–A felicidade é uma inimiga, ela consegue nos enfraquecer e do nada temos algo a perder. Tenho medo de que isso possa me machucar de algum modo. -ela respondeu-me. Eu entendia o lado dela, parecia que a Davina era uma maquina, criada e projetada para correr e vencer, ela tinha colocado isso na sua cabeça, então certas coisas novas a assustavam. Respirei fundo e fechei os olhos.

–Quando diz que a felicidade é uma inimiga, você está se negando a ser feliz. A verdadeira felicidade nunca te machucará, se ela for dividida com alguém que lhe ame. -falei vendo-a se virar para mim.

–François, eu acho que não deveríamos fazer isso, somos muito jovens para algo assim, temos vidas lotadas de afazeres e sempre podemos encontrar uma outra pessoa. Podemos ser amigos.

Não, eu não queria apenas tê-la como amiga, mas também não queria fazer com que ela se sentisse forçada a alguma coisa. Se ela queria só amizade, seriamos só amigos então. Mas eu não estava disposto a desistir.

Quando deu 5 horas da manhã, ela juntou as roupas dela e foi embora, iria para o apartamento do Niki e da esposa dele, mas antes disso ela me beijou no rosto e me ofereceu outro sorriso.

–Obrigada. Obrigada por tudo.

E então saiu. Eu puxei um pouco de ar para os pulmões e passei a mão pelos meus cabelos.

–E agora Deus, o que eu faço?


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Notas finais do capítulo

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA PRIMEIRO BEIJOOOOOOOOOOOOOOOOO
O que acharam? Me falem! Não me deixem na curiosidade para saber qual foi a reação de vocês! Comentem, comentem!



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