SOS - Em má companhia escrita por Leelan


Capítulo 9
Capítulo 8




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— O pai do padre é o único filho do meu pai, o que eu sou do padre?

— Hm… - Ela ficou pensando por uns 10 segundos. - O coroinha menor de idade com quem ele brincou de médico?

— Eu tenho medo de você, sabia? - Disse Connie à ela, fazendo uma careta, ao que ela respondeu com um sorriso alegre.

Anna. Com um sorriso alegre. Como ele disse: medo.

— Tenho certeza que isso foi blasfémia. É blasfémia, certo? Heresia? Que seja, não é coisa boa se você sorri assim.

— O que importa é que é divertido. O cristão devoto aqui, pelo visto, é só você.

— Não é devoção se a pessoa só frequenta a igreja aos domingos.

— Sua frase acabou de ser computada pelo meu cérebro e traduzida para meu idioma e adivinha: pra mim isso é ser devoto o bastante.

— Aff. Olha, essa caminhada não precisa ser longa…

— Ela vai ser longa.

— … Como vai ser se a conversa continuar como está, Annie - Ele já estava começando a ficar exasperado, percebia-se, e em um raro momento de compaixão pelo próximo, Anna conteve o sorriso para não irritá-lo mais.

— Tá. Então, se o pai do padre… É o unico filho do meu pai… meu pai tem um filho só que é o pai do padre, eu sou o pai do padre.

Connie sorriu, satisfeito.

— Cor de cabelo não é tudo!

Anna só revirou os olhos, nem se dignando a responder.

— Ok. Quem é que casa e continua solteiro?

— Me diga a verdade, é assim que você tenta conquistar garotas?

— Eu com certeza não estou tentando com você. - Ele debochou.

— Claro que não. Nao tenho 20 pontos de QI a menos.

— Não existe QI negativo…

— Que pena pra você, assim alguma menina cairia na sua.

— Mais?

— Um resultado maior que 0 é positivo.

— Você acabou de fazer um trocadilho ou… não, foi engano, com certeza. Falta faculdades mentais.

— Opa, estamos enriquecendo o vocabulário aqui, é isso? Esperou a vida toda para usar “faculdades mentais” em uma frase?

— Não me surpreende que faculdades mentais pareça difícil pra você.

— Está se contradizendo, man. Sou ou não inteligente? Qual o fator decisivo?  Decida-se: minha cor de cabelo ou… o que está em questão agora?

— Sua educação deficiente.

— Minha mãe vai ficar magoada.

— Ela já está, te tendo como filha.

— Ai. Se eu tivesse um coração, eu é quem poderia magoar agora.

— Nada como autoconhecimento, não é mesmo?

— Nada, de fato. - Ela rebateu só para que fosse a última a falar.

O silêncio predominou logo em seguida, e foi um alívio para os dois. Só sente falta de silêncio quando tem um bate boca com alguém e a voz da pessoa não para de reverberar no seu ouvido logo que cala. Connie não se lembrava de ter conversado alguma vez com alguém que o estivesse sempre desafiando, não estava acostumado a ser contrariado. Nossa, Annie que não soubesse ou só lhe daria mais munição.

— Como é mesmo a charada sem graça? - Ela voltou a falar, mais baixo agora.

— Olha, esquece. Vou preferir ao silêncio a outro bate boca daqueles. - Ele se agachou para pegar alguns frutos chão, analisou as condições e depois os jogou na mochila.

— Não, sério. - Ela lhe disse. Ele respirou fundo.

— Quem é que casa e continua solteiro?

— Não sei, quem?

— O padre. - Ele sorriu.

— Ok… - Ela disse, reflexiva, e se calou por alguns segundos. - Você foi um coroinha menor de idade e indefeso.

— Isso é de mau gosto. - Ele parou de sorrir. - Você não deveria falar de coisas sérias assim.

— Assim como? Como se existissem?

— Como se não se importasse.

— Essa é uma marca dos sociopatas, não é? - Ela contribuiu.

— Você não é uma sociopata, por mais surpreendente que possa parecer.

— Talvez seja porque eu não tenha filtro.

— Ah, mas você tem. Se tem! Ninguém sem filtro seria tão introspectiva.

— Ok, doutor, me desvende. - Ela rebateu sarcasticamente, e um pouco irritada.

— Nossa. Isso foi uma cantada. Quem quer brincar de médico agora?

— Não eu? Prefiro te ver fracassar nas tentativas de puxar assunto com charadas sobre padres.

— Eu prefiro comer alguma coisa.

— Isso também. - Ela respirou fundo, deixando os ombros caírem. - Já andamos muito, não é?

— Não o suficiente, pelo visto. Você quer parar um pouco?

— Sim. Definitivamente.

— Como conseguiu dizer uma palavra tão grande? - Ele brincou, levemente.

— Com meu último fôlego. - Ela sorriu minimamente. - Me dê uma fruta dessas.

— Pra já, madame.

Eles se jogaram embaixo da primeira árvore ao alcance. Ok, se jogar é um exagero. Anna se inclinou para a frente, semicerrou os olhos e analisou o chão, depois, devagarzinho, começou a se sentar quando se deu por satisfeita. “Nenhum bichinho pra me atazanar, por favor. Obrigada.”

Eles comeram boa parte do que coletaram, um ao lado do outro, ocupados com seus próprios  pensamentos por um bom tempo.

— Como será que os outros estão? - Perguntou Connie.

— Espero que felizes por me tirar do conforto da minha poltrona.

— Você acha que eles foram egoístas?

— Não somos todos?

— Microscopicamente.

— Sério? - Ela perguntou, e sentiu a vontade de repetir. - Sério? Sem gozação agora, se isso for possível, mas você foi um coroinha, não foi? Todo fofo, religioso e responsável? “Sim, Deus existe. Dos seus olhos saem arco íris e sempre que ele fala os pássaros cantam. Oh, meu paizinho do céu, sou tão bom garoto… terei meu max steel de aniversário para andar na velocidade mínima e parar sempre para dar passagem aos pedestres?”

Ela precisou dar uma voz pré-puberdade para a última parte da sua fala. Tudo para tornar mais real.

— Cala a boca. - Ele agarrou grama ali de perto e jogou nela. - Poderia ter me poupado desse monólogo nada verídico, sabia? E, só para acabar com essa dúvida cruel e seu aparente fetiche, não fui um coroinha.

— Uau. Usou “fetiche” e “coroinha” em uma mesma frase? Você acabou de sexualizar os coroinhas? Mundo, para de girar.

— O que posso dizer? Você é tóxica.

Pelo o que podia ser a primeira vez em séculos, Anna gargalhou.

— Sim. - Ela disse, ainda rindo. - E fria. E insensível. E de alma cinza, já que, como um grande pensador e sábio me disse uma vez, os olhos são espelhos da alma.

Connie riu, achando-a, naquele momento, muito mais quente do que se poderia pensar. Ela tinha uma boa risada, afinal, pena que não usasse tanto.

— E você? Quem foi? - Ele lhe perguntou.

— O que fui, eu não sei, pois são águas passadas como as uvas passa.

— Outro grande pensador e sábio?

— Sabe como é, só eu mesma. Toda flores e poesias.

— Alguma vez não está sendo sarcástica?

— Qual é, é o meu charme. Quer que eu abdique do meu charme?

— Como você está indo com ele, afinal.

— Mui bien, hermano. Jogo uma língua estrangeira e bum! Temos uma fórmula, não é mesmo?

— Jesus, você não dá um tempo.

— Duracell, você vai ver. Ainda andaremos muito.

Ele suspirou e levantou do chão, limpando as mãos atrás da calça. Annie ficou séria, descansando a máscara por um tempo e logo o seguiu. Que inferno eles estavam fazendo ali? Ela só queria sua cama, entre quatro paredes, e água encanada.


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Notas finais do capítulo

Sinto saudades :(



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