A Missão escrita por StefaniPPaludo


Capítulo 63
Capítulo 42




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Quando acordei, as lembranças da discussão de Júlio e Thomas ainda eram frescas em minha memória. Eu conseguia me lembrar exatamente de cada palavra que eles haviam dito. E alguns comentários que Thomas havia feito começaram a girar em minha cabeça.

"Não deixe seu amor te influenciar, sargento."

"Você tá cego, não consegue ver mais nada."

"Não é mais o mesmo cara que eu conhecia. Aquele que se importava acima de tudo com a missão, e não com ela!"

"Você se tornou um babaca, idiota depois que se apaixonou por essa pirralha!"

A voz de Thomas parecia ecoar em minha cabeça com essas frases. Passei o dia inteiro desatenta, escutando e relembrando aquilo.

Thomas estava sugerindo que Júlio estava apaixonado por mim. Que ele estava se deixando levar por essa paixão, que havia deixado de lado a missão e estava se importando comigo acima de tudo.

Mas aquilo seria verdade? Ou Thomas estava inventado? Se esse fosse o caso, o que ele ganharia inventando uma coisa como aquela? Não, ele não faria isso. Ele estava no calor da discussão, e quando estamos assim não pensamos no que dizemos. Apenas falamos as verdades que estão guardadas na cabeça.

Júlio estava apaixonado por mim. Era fato. Ele mesmo não tinha negado uma única vez quando Thomas começou a dizer aquilo.

Agora tudo fazia sentido. O jeito carinhoso e compreensivo que Júlio me tratava. O seu jeito de olhar e sorrir quando estava comigo. Nossos beijos na floresta. Seus muitos comentários aquela noite, entre eles o que ele disse depois que ele me beijou pela primeira vez, falando que aquilo era o que queria a muito tempo e acima de qualquer outra coisa.

Quanto mais eu pensava mais eu entendia. Como eu tinha sido tão idiota em não perceber aquilo? O seu olhar ardente depois que ele beijou meu pescoço. Seu amor reprimido quando me beijava na testa ou me tocava. O estado frágil em que havia ficado depois que eu esclareci para ele e para Danilo que era apenas amiga deles, e nunca poderia passar daquilo.

Me senti culpada por não ter percebido aquilo antes. Quantas surpresas e brincadeiras o universo ainda poderia me guardar? E era uma ironia, agora, estarmos fingindo que estávamos namorando. Como Júlio se sentia em relação a isso? Ficava feliz em poder fingir aquilo e talvez até pensar que em certos momentos era verdade ou ficava mal por fingir uma coisa que queria muito?

Ele podia estar usando aquela situação para tirar proveito de mim. Fingir que estava encenando, enquanto estava na verdade aproveitando a oportunidade. Uma dessas ocasiões foi o dia que me convidou para ir conhecer sua mãe. Ele podia muito bem ter me contado sobre aquilo quando estávamos em seu quarto a sós. Era só pedir para mim encenar e aceitar, explicando o porquê. Mas não, ele havia aproveitado para tirar proveito da situação e poder me beijar.

O pior é que eu nem me sentia mal ou brava com aquilo. Me sentia até, de certa forma, bem. Eu também sentia alguma coisa por ele, uma atração ou mais que isso. Mas eu não podia me dar ao luxo de admitir aquilo ou de deixar meus sentimentos virem a tona. Não seria certo. Eu não podia ficar com Júlio, de verdade, sabendo que magoaria Danilo. Ou faria os dois irmão brigarem.

Preferia deixar que nós três sofrêssemos um pouco, mas não retribuir o sentimento de nenhum deles.

O dia passou rápido demais, comigo perdida em meus dilemas internos. Enquanto ia de volta ao quartel, acabei decidindo que falaria com Júlio e exporia toda a verdade. Diria tanto que sabia que ele estava apaixonado por mim, quanto que eu sentia algo especial por ele também. A verdade sempre foi a melhor coisa.

Quando ia para o meu dormitório trocar de uniforme, vi um grande amontoado de pessoas e um burburinho logo a frente. Pensei em desviar o caminho e procurar um novo trajeto, para não passar por aquela confusão, mas acabei mudando de ideia.

Eu nunca fui muito curiosa, mas naquele momento, alguma coisa me fazia querer ver o que estava acontecendo. Me aproximei do aglomerado de pessoas e perguntei a um soldado que ali estava:

– O que está acontecendo?

– Parece que estão prendendo um dos sargentos – o soldado me respondeu sem olhar para mim, tentando enxergar através das várias pessoas em sua frente.

Na hora, minha cabeça pensou em Júlio. Ele era um dos sargentos. Poderia ser ele.

Não contive a preocupação e comecei a empurrar as pessoas, para conseguir passar e enxergar o que estava acontecendo. Várias das pessoas me xingaram ou reclamaram, mas eu apenas ignorei. Precisava saber quem estava sendo preso. Não podia ser Júlio, ele nunca havia feito nada de errado. Talvez na melhor das hipóteses fosse Alexandre.

Consegui passar por boa parte da multidão e enxergar o centro daquela confusão. Alexandre estava ali, mas não parecia estar sendo preso. Um outro militar estava ao lado dele, e outros dois seguravam um outro homem fardado, que estava de costas para mim com as mãos algemadas atrás do corpo.

Reconheci aquele alto e forte homem algemado. Reconheceria ele em qualquer lugar. Sem pensar, sai correndo onde o grupo estava.

Me aproximei de Júlio, e desviando dos outros militares que o seguravam pelos braços, o agarrei, passando meus braços em torno de seu corpo e me apertando contra ele, enquanto tentava acreditar no que estava acontecendo.

– Júlio, o que está havendo? - perguntei. Minha voz era quase um choro.

Ele não disse nada. Apenas abaixou a cabeça encostando seu rosto em meus cabelos e respirando fundo. Queria que ele pudesse tirar aquelas algemas e envolver seus braços em volta de mim, me protegendo e mostrando que tudo ficaria bem.

Júlio pareceu recuperar a compostura e falou baixo para que somente eu e os dois militares próximos a nós escutasse:

– Liss. Está tudo bem. Me solte e vá pra seu dormitório. E por favor, não arrume confusão. Eu vou dar um jeito nisso. - ele implorou.

Mas que jeito ele poderia dar? Por mais que ele fosse Júlio César Anthoni, não tinha nada que pudesse fazer. Talvez ele mesmo soubesse disso e tivesse dito aquelas palavras apenas para me acalmar e me afastar de perto dele.

Consegui entender melhor o que estava acontecendo e perceber o que eu estava fazendo. Na mesma hora soltei Júlio e me aproximei de Alexandre. Ele parecia estar no comando ali, e poderia me dar as respostas que eu precisava:

– O que está acontecendo? - dessa vez minha voz saiu alta e estável.

– Estamos levando seu namorado preso. - Alexandre deu de ombros e nem se importou em olhar para mim.

– Por quê? O que ele fez?

– Parece que foi acusado de traição. - ele não parecia estar feliz nem triste com aquilo. Soava indiferente. Como se estivesse cumprindo seu dever e nada mais. Na verdade era isso mesmo que estava fazendo. Mas Júlio era seu colega, ele devia demonstrar alguma reação aquilo.

– Traição? Como assim? Júlio nunca seria capaz de fazer uma coisa dessas.

– Mas parece que ele fez. Estava tramando contra o governo.

Um alarme soou em minha cabeça. Haviam descoberto sobre a missão. De uma forma ou de outra eles sabiam. E Júlio seria condenado por isso.

Não consegui reagir de nenhuma forma. Alexandre ordenou que levassem Júlio dali e eu fiquei apenas parada, olhando para Júlio indo embora. Ele parecia evitar meu olhar e mantinha a cabeça baixa.

Quando Júlio se foi, juntamente com Alexandre e os outros, percebi que a multidão havia se dispersado também.

Eu ainda não conseguia acreditar no que tinha acontecido. Só pensava que tinha que soltar Júlio, não podia deixá-lo daquele jeito e precisava de alguém que me ajudasse a pensar em como fazer aquilo.

Sai correndo para o meu dormitório, e felizmente encontrei Danilo lá:

– Danilo! Levaram o Júlio! Levaram ele! - gritei, agarrando seus braços e o chacoalhando.

Danilo olhou pra mim e percebeu que alguma coisa havia acontecido:

– Como assim? Se acalme e explique direito Liss. - ele olhou fundo nos meus olhos, transbordando de preocupação.

Respirei fundo tentando me acalmar. A cena de Júlio algemado e sendo levado dali, insistia em permanecer na minha mente. Chacoalhei a cabeça tentando afastar aquilo e começar a falar:

– Eles algemaram o Júlio. E o estavam levando preso. Ele foi acusado de traição. De tramar contra o governo – quase gritei, tentando explicar.

Danilo arregalou os olhos e me fitou, completamente atordoado com aquilo:

– Eles quem? Quem o levou preso? E como descobriram isso? - agora ele parecia tão nervoso quanto eu.

– Foram soldados daqui que levaram ele. Quem estava comandando era o Alexandre. Mas acho que só estavam cumprindo ordens. Foram os governantes que ordenaram isso. De alguma forma eles descobriram sobre a missão, mas eu não sei como.

Danilo começou a andar de um lado pro outro, socando o ar. Eu permaneci parada olhando pra ele e tentando regular meu coração e minha respiração.

– Quem teria motivos para fazer isso? - Danilo resmungava consigo mesmo, tentando pensar – Quem saberia da missão e teria motivos para denunciar Júlio? - ele parou de andar e olhou pra mim – Alguém mais foi preso junto? Talvez Thomas?

– Não, só Júlio. - parei olhando atentamente para Danilo. Ele tinha acabado de dizer o nome do culpado.

Sai correndo do dormitório, sem explicar nada a Danilo e fui para perto do quarto de Júlio. O dormitório de Thomas devia ficar por ali, na área dos sargentos.

Parei abruptamente quando estava em frente ao quarto de Júlio. A porta estava aberta e olhando para dentro, pude ver tudo revirado. Júlio sempre foi tão organizado. Sempre seu dormitório estava em perfeito estado, nada fora do lugar. E agora estava cheio de roupas no chão, papéis, fotos. Uma bagunça.

Não consegui mais aguentar aquela visão e me afastei.

Fiquei andando por aquele corredor, esperando que Thomas aparecesse. Quando ele apareceu, a raiva me invadiu. Corri em sua direção e me joguei contra ele, o empurrando para a parede e prendendo um braço em seu pescoço, para que não pudesse escapar.

– Foi você, não foi? - eu rugi.

Ele não disse nada. Apenas ficou me encarando.

– Porque você fez isso? Porque você denunciou Júlio?- eu gritei, apertando mais meu braço contra seu pescoço. Eu estava completamente fora de mim.

– Porque eu faria uma coisa dessas? O que ganharia com isso? Não seja idiota! - ele finalmente respondeu. Permanecendo calmo. - Aqui não é um bom lugar para discutirmos. Vamos conversar no meu dormitório.

Pensei por um momento. Talvez ele estivesse certo. Estávamos sobre vigilância das câmeras. Não podíamos deixar que soubessem ainda mais da missão. E além do mais, dentro do seu quarto poderia deixar minha raiva escapar ainda mais, sem que ninguém me impedisse. Claro, que talvez Thomas fizesse alguma coisa contra mim, mas não importava. Não me importava comigo, naquele instante.

O soltei e entramos em seu quarto. Ele fechou a porta, e sentou-se em um pequeno sofá, olhando para mim. Eu permaneci de pé, perto a porta, com os punhos cerrados.

– Não acredito que você tenha sido capaz de denunciar Júlio. Por pior que eu te considere, nunca imaginei isso. Ele te considerava um amigo, apesar de tudo. E é assim que você o recompensa? Só por culpa de uma discussão idiota? - joguei na cara dele. Minha raiva não era mais tanta, e meus olhos começavam a se encher de lágrimas.

– Pirralha, pense um pouco. Por que eu faria isso? Eu denunciaria para o governo Júlio como traidor, contando sobre um plano que eu mesmo ajudei a criar e sou cúmplice? Eu correria o risco de ser descoberto e preso, só para me vingar de uma discussão? É claro que não. Eu me importo com a missão – ele se levantou de pé – Por mais chateado que estivesse com Júlio, não colocaria tudo a perder e nem arriscaria minha própria vida e tudo que construí.

Pensei no que ele havia dito. Parecia fazer sentido. E ele parecia estar sendo sincero. Não teria lucro nenhum para ele denunciar Júlio contando sobre a missão. Existiam outras formas muito melhores de vingança.

– O que você quer dizer com arriscaria a própria vida? Você acha que eles podem matá-lo? - estava voltando a ficar histérica. Não admitiria que aquilo acontecesse com o meu Júlio.

– É muito provável. - Thomas respondeu indiferente. Ele era realmente um homem sem coração. Como poderia agir assim sabendo que seu amigo poderia ser morto? - Mas não acho que vão matá-lo logo. Vão deixá-lo preso e tentar descobrir quem mais está com ele nessa.

– Então corremos perigo também – comentei alto. - Todos nós. Precisamos fazer alguma coisa.

– Precisamos nos manter escondidos por hora. Vamos deixar a missão na geladeira por um tempo. Deixar as coisas esfriarem. Não podemos correr mais riscos.

Ele estava dizendo que devíamos esquecer toda a missão, esquecer Júlio e deixá-lo para ser morto, para nos proteger? Não! Eu não admitiria aquilo. Precisávamos seguir a diante. Precisávamos libertar Júlio.

– Não! - me aproximei de Thomas, e falei alto e autoritariamente, apontando um dedo na sua cara- Não podemos deixar Júlio abandonado. Ele nunca faria isso com um de nós! Vamos seguir com a missão. Já está tudo planejado mesmo! Vai ser nesse dia de descanso. Vamos invadir o governo, destituir os governantes do poder e libertar Júlio. É provável que eles esperem que nós tenhamos desistido de tudo e nos acovardado. Vamos fazer bem o contrário do que imaginam e surpreendê-los!

Thomas me olhava um pouco cético, me analisando friamente e deixando que eu prosseguisse:

– Você vai entrar em contato com cada um dos integrantes do grupo, e fazer o sinal combinado para que estejam preparados para a missão no próximo dia de descanso. Você sabe pilotar avião? - ele fez que sim com a cabeça. - Muito bem. Então você sairá com todos no lugar de Júlio e fará como foi combinado. Eu também farei como decidimos aquele dia. Vamos acabar com isso de uma vez! Não podemos ficar escondidos, ignorando tudo e com medo que alguém descubra nosso envolvimento com a missão. Não vamos correr esse risco. Vamos fazer tudo como planejado! - eu soava decidida. Não sabia que poderia agir daquele jeito, estava surpresa comigo mesma e com a minha determinação. Não era mais questão de libertar o Júlio, era questão de libertar todos. Tazur inteira. - Você entendeu? É para estar tudo pronto até o dia de descanso.

– Certo. Vamos fazer como planejado – Thomas concordou, sem nenhuma objeção. Por mais que ele me odiasse, não poderia ignorar minhas palavras.

– Mas precisamos descobrir quem denunciou Júlio, não estamos seguros se não soubermos. Foi alguém que ou sabia de tudo e quis ferrar apenas o Júlio ou alguém que só sabe que o Júlio esta envolvido nessa, sem saber sobre nós.

Thomas se mexeu um pouco, parecendo incomodado com alguma coisa.

– Acho que tenho uma ideia de quem foi – admitiu. - Vou dar um jeito nisso, e tudo estará pronto para a missão no dia de descanso. Faça sua parte que farei a minha.

– Ok.

Me virei e sai do seu dormitório. Deixando o sozinho para resolver o problema da denuncia.

A única coisa que me importava agora era que daqui a três dias a vida do país poderia mudar. Daqui três dias seria tudo ou nada.

Voltei para o meu dormitório e encontrei Danilo ainda lá, andando de um lado a outro, nervoso e preocupado. Quando entrei ele olhou para mim:

– Onde você foi? - perguntou ele.

– Fui falar com Thomas. Ele e Júlio tiveram aquela discussão ontem e achei que ele poderia ser o culpado. Mas acho que estava errada. Thomas me convenceu que não teria o porquê de fazer aquilo, e ele parecia sincero. Disse também que tem ideia de quem tenha sido e que vai resolver isso. Vamos esperar para ver.

– Ta e o que vamos fazer? Deixar Júlio preso?

– É claro que não. - alterei o tom de voz. - Convenci Thomas a prosseguir com a missão. É a melhor alternativa. Depois de tomarmos o governo, soltamos Júlio.

– Parece uma boa ideia – Danilo se iluminou com aquilo. Ele estava louco para fazer alguma coisa de útil.

– Passei pelo quarto de Júlio e estava todo revirado. - contei. - Acho que devíamos ir lá arrumar as coisas. Ele sempre foi tão organizado.

– Porque reviraram o quarto dele? - Danilo perguntou, não sei se para mim ou para ele mesmo.

– Deviam estar procurando alguma coisa. - dei de ombros. Revirarem o quarto de Júlio não era pior do que o levarem preso.

– Isso. - ele gritou.- Estavam atrás uma prova que incriminasse ele e os outros.

– Os diários! - eu lembrei – Se eles encontrassem os diários que Júlio disse que tinha, acho que descobririam sobre todos nós.

– Acho que sim. Mas não os encontraram.

– É claro que não. - pela primeira vez no dia eu sorri – Júlio esqueceu os diários na casa da sua mãe.

– Foi um golpe de sorte! - Danilo sorriu para mim também – Vou ligar para mamãe e pedir para guardá-los muito bem escondidos.

Se uma coisa eu tinha aprendido desde que começara a trabalhar como guarda pessoal de Margareth, era que não tínhamos segurança e privacidade nenhuma.

– Não. - o impedi. - Eles podem estar escutando nossas ligações. Deixe tudo como esta. Vamos contar com a sorte mais uma vez, e torcer para que não se lembrem da casa da sua mãe e não a revistem durante os próximos três dias.

– Tudo bem. - ele concordou – Mas acho que devo ligar e avisá-la que Júlio foi preso.

Seria a coisa certa a ser feita? Se eu fosse Silvia gostaria de saber aquilo? Claro que sim. Mas essa informação causaria sofrimento a ela e a vó deles. Às vezes a ignorância é uma das melhores coisas.

– Não sei se seria uma boa ideia também, Danilo. Sua mãe vai ficar preocupada e pode querer vir para cá e fazer alguma bobagem. Acho que se ela não souber é melhor. Depois que soltarmos Júlio, vocês dois contam a ela o que aconteceu.

Danilo não gostou muito. Mas acabou aceitando, estávamos saindo para arrumar o dormitório de Júlio, quando Eric adentrou correndo.

Ele passou por nós, e se jogou na sua cama, cobrindo o rosto com o travesseiro. Parecia estar soluçando.

Olhei para Danilo e sem precisar de palavras, decidimos ficar mais um pouco e ver o que Eric tinha.

Fui eu quem me aproximei de Eric, me ajoelhando em frente a sua cama e tentando buscar um resto de paciência que teria que ter:

– O que foi Eric? - perguntei.

Ele não me respondeu, só começou a chorar e soluçar ainda mais. Seu corpo todo tremia.

– Somos seus amigos. - passei a mão em braço, tentando confortá-lo – Pode desabafar.

– Não aconteceu nada. - Eric falou baixo, entre os soluços, ainda com o rosto escondido.

– Se não foi nada então você não deveria estar chorando desse jeito. - Danilo soltou, sem pensar muito nas palavras.

Olhei para ele com ar reprovador, pedindo que deixasse aquilo comigo. Eu era mulher e tinha mais tato para lidar com coisas daquele tipo do que ele.

– Foi seu namorado? Ele brigou com você? - insisti, tentando conseguir uma resposta. Não gostava de ver meu amigo daquele jeito.

– E-ele... ele terminou comigo – Eric admitiu, entredentes, como se não conseguisse dizer aquilo.

Danilo vendo que se tratava de assuntos amorosos saiu de perto e deixou que resolvesse aquilo.

– Por que ele terminou? Ele deu algum motivo? - minha voz era doce e eu continuava alisando seu braço.

– Sim. Ele deu. E teve razão. Eu sou um monstro, um miserável! - a voz de Eric foi alta e me assustou, fazendo com que eu desse um pulo.

– Você não é um monstro. - tentei tranquilizá-lo. Por mais que eu fosse mulher e tivesse mais tato que Danilo pra esse tipo de situação, ainda não era uma pessoa adequada para aquele tipo de conversa. - Mas me conte o que aconteceu. - pedi.- Quero ajudá-lo.

– Não, eu não quero falar sobre isso – os soluços e choros voltaram ainda mais estridentes. - Não quero falar com você Liss, nem olhar na sua cara. Me desculpe. Eu sou um monstro. E quero ficar sozinho.

Não havia nada que eu pudesse fazer. Aquilo estava além de mim. Não conseguiria fazer Eric mudar de ideia e se alegrar de repente. Talvez fosse bom ele ficar sozinho e desabafar chorando. De manhã estaria melhor.

Suspirei e olhei pra Danilo, que fez sinal para que eu me afastasse e desistisse. Foi o que fiz. Me ergui e toquei nas costas de Eric uma última vez. Ele pareceu ficar tenso com meu toque, mas ignorei:

– Vamos lhe deixar sozinho. Mas não faça nenhuma besteira. Chore e desabafe, amanha você estará melhor. Não é o fim do mundo. Você vai superar – por um momento me lembrei de quando eu também havia ficado mal por saber que Danilo gostava de mim e Eric me consolou. Aquela noite, para mim, parecia ter sido o fim do mundo, mas no outro dia de manhã estava tudo bem novamente.

Eu e Danilo decidimos deixar o dormitório. Ainda tínhamos uma hora até o toque de recolher. Fomos para o alojamento de Júlio, organizar suas coisas.

Chegando lá, a visão era ainda pior do que eu me lembrava. Tudo jogado ao chão. Tudo revirado.

Danilo também ficou mal em ver tudo aquilo. Mas rapidamente tomamos coragem e começamos a organizar tudo. Logo, logo Júlio voltaria e ficaria tudo bem.

Eu comecei a pegar as peças de roupas jogadas ao chão, dobrá-las e guardá-las. Enquanto fazia essas tarefas, não pude deixar de olhar e imaginar Júlio as vestindo. Júlio com sua farda impecável, e seu rosto sério. Júlio com calça jeans e camiseta polo, exibindo seu sorriso branco e perfeito, enquanto olhava para mim.

Onde ele estaria agora? O que estaria fazendo? Como estariam o tratando?

– O que acontece com os prisioneiros aqui na capital? - perguntei a Danilo, mesmo sabendo que talvez não quisesse saber a resposta.

– Depende do tipo de crime que a pessoa cometeu. Traição ao governo é o crime que eles consideram o pior. E as consequências são as piores também. Torturas, falta de comida e água, e por fim uma morte bem dolorosa.

Deixei a camiseta que eu dobrava cair no chão. E tive que sentar na cama para me acalmar. Eles o torturariam, é claro que sim. O que mais eu esperava? Provavelmente iriam torturá-lo até que ele revelasse tudo o que eles queriam saber, como por exemplo, quem mais estava junto com ele naquilo. E depois de descobrirem tudo, o matariam.

Danilo percebeu que eu havia sentado na cama e colocado a cabeça entre os joelhos. Ele sentou-se ao meu lado e colocou seu braço em volta de mim.

– Júlio é forte. Ele vai aguentar três dias. E pelo que conheço ele não vai revelar nada sobre a missão.

Pelo pouco que conhecia Júlio também achava que ele preferiria morrer a revelar qualquer informação e trair seus companheiros. Ele tinha que aguentar até o dia de descanso. Eu precisava que aguentasse. Não conseguiria viver num mundo em que ele não existisse.

O toque de recolher tocou e sai de meu estupor olhando para Danilo.

– O que acha de dormirmos aqui, hoje? Você dorme na cama e eu no sofá ou no chão. Podemos terminar de organizar tudo isso. - ele sugeriu.

Concordei. Terminaríamos de arrumar o dormitório e poderíamos deixar Eric sozinho se acalmando.

Passamos uma boa parte da madrugada terminando a organização. Quando tudo estava em perfeita ordem como Júlio costumava deixar, Danilo se jogou no sofá e adormeceu no mesmo instante.

Eu deitei na cama, e demorei para dormir. Conseguia sentir o cheiro de Júlio no seu travesseiro. Não conseguia parar de imaginar se o estavam torturando naquele exato momento. Afundei meu rosto na fronha e tentei me acalmar com o cheiro dele, imaginando que ele estivesse ali comigo, me protegendo, como sempre fazia.


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Notas finais do capítulo

Por mais que os acontecimentos do capítulo sejam tristes, eu gosto muito dele. Principalmente de ver a Liss assim tão sentimental, preocupada e falando "meu Júlio". Precisamos que o Júlio aguente né!



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