Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 9
Caos.




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Hugo estava em seu apartamento, desenhando alguma coisa no seu pequeno caderno. Escreveu com uma pressa desnecessária uma parte de um manifesto na última folha. Lembra-se da pessoa que disse não ser necessária a descrição? Nesse momento, ela está falando com Hugo. Está usando sua capa escarlate escura, de forma que não dá pra ver seu rosto, mas é uma mulher.

— Estão vindo? — Hugo estava sentado no sofá cinzento que tinha. O Medo estava dormindo no seu colo.

— Provavelmente invadirão esse planeta daqui a pouco tempo. E o pior, é que o Conselho Intergaláctico mandou a civilização mais bárbara e rebelde, os Muglins.

— Aqueles caras nos odeiam mais que tudo. Vão nos ajudar a exterminar os Medos?

Talvez. Essa é a pior parte. Sabemos o quanto de culpa a humanidade tem por ter chegado ao ponto de criar uma nova raça. É impossível eles não nos machucarem.

— O arsenal está preparado pra isso?

— Pior que não. Não temos nem metade do que havia sido proposto. Aqueles imbecis não dão prioridade pra nós.

— Então a única opção que nos restaria seria... ir até o planeta deles e tentar conversa?

— Seria impossível. Todos desse planeta estão felizes porque não há medos, e dificilmente iriam olhar para a situação dos Medrosos. Humanos são um bando de egoístas.

—... Tenho uma ideia. Nos relatórios de Adler, li que os Medos tem um "superior". Ele seria como o chefe, e provavelmente, teria sido ele o executor do Grito que trouxe à tona os Medos. Talvez ele não seja tão inflexível quanto os Muglins.

— É arriscado. Digamos, se ele é o maior medo da humanidade, ele estaria louco para ser novamente sentido.

— Mas ninguém sabe quem é ele. Isso não seria demasiado autocontrole pra alguém que está louco pra ser sentido?

A mulher ficou em silêncio. O argumento de Hugo era válido, e fazia mais sentido. Porém, Fernanda não estava satisfeita.

— Digamos que a gente consiga falar com esse "Medo Superior". — começou ela — O que a gente ia fazer? Pedir pra ele voltar a ser apenas um sentimento? Pedir pra lutar pela independência da Terra e contra o Conselho?

— Se pedíssemos para que lutasse pela independência, iríamos derramar mais sangue do que já derramam hoje. Mais recomendável seria pedir para que voltasse a ser um sentimento, já que deve ser o plano deles. Ninguém sairia perdendo.

— E os Muglins?

—... Esse é o problema. — suspirou Hugo.

— Se falarmos com o Medo Superior, provavelmente não conseguiremos nada dos Muglins. — ela bufou, irritada.

— Precisaríamos de dois grupos que fizessem isso simultaneamente. Quando falassem com o Medo e ele voltasse a ser sentimento, estaríamos com os Muglins, organizando o tratado de paz. Temos pouquíssimos integrantes que fariam isso de bom grado.

— Já temos o plano. Só precisamos das pessoas. Isso a gente consegue com o tempo e um pouco de conversa.

— Comece já a organizar sua viagem pro planeta dos Muglins. Eu me encarrego de arranjar alguém pra falar com o Medo.

— Espero o melhor de você, menino Hugo.

Ela se levantou do sofá e se despediu dele. Hugo a parou enquanto ela ia embora, e pediu para que ela deixasse as capas de todos os integrantes dos Scrupulum na base. A mulher estranhou o pedido, e perguntou uma razão. Ele disse que seria melhor representar a humanidade, e não apenas os Scrupulum. Ela disse que deixaria as capas dali a poucos dias, e foi-se.

Hugo se viu sozinho, e então resolveu fazer alguma coisa. Levantando-se do sofá, deixou o Medo dormindo e foi até a cozinha preparar qualquer coisa que pudesse comer sem preocupações. Acabou indo procurar alguma coisa em um livro de receitas o qual estava sendo um acumulador de poeira. Segurou o livro pela ponta e começou a sacudi-lo, formando um montinho de poeira no chão. Depois disso, abriu o livro e começou a procurar coisas simples. Quando encontrou algo bom e fácil, desfez-se de sua capa (a deixando no sofá junto com o Medo), revelando a simplicidade do seu vestuário, o qual se resumia a uma camisa cinza simples e uma bermuda verde.

Hugo seguia os passos descritos na receita à risca. Ao terminar, ficou feliz com a macarronada que tinha feito. Devorou ela num instante. Logo em seguida, como não havia mais nada para ser feito, deitou-se no sofá que não estava com o Medo e dormiu. Apenas para ser acordado horas mais tarde, por um barulho estranho. Não se importou muito, e voltou a dormir.

...

Era o começo da tarde. Não havia nada de errado ou suspeito em nenhum estabelecimento. Até que algo explodiu. O barulho soou em quase toda a cidade, mas em uma fraca intensidade. A bomba-relógio que havia explodido havia sido colocada pelo Medo de Hugo, enquanto ele estava surtando, com o apoio do Medo de Adler, que vigiava todo o dia para que nada desativasse a bomba. Eles tinham desenvolvimento cognitivo maior do que os outros Medos. O lugar que havia sido explodido era a base central dos Intrépidos, exatamente no centro do Campo de Concentração. Em suma, os Medrosos estão livres, e consequentemente os Medos também.

...

Ronald continuava sem estranhar. Tudo havia ficado silencioso depois do barulho. Porém, passos apressados começaram a quebrar o silêncio. Meireles entrou no quarto apressadamente e trancou a porta. Estava com a respiração pesada e com os olhos esbugalhados. Pela primeira vez, ele parecia apavorado.

— Ronald, acorde Agatha e dê o fora daqui! — disse ele, tentando falar com calma, mas falhando na missão.

— Por quê? — Ronald se levantou e deu uma leve sacudida em Agatha, sem entender o medo do homem.

— Uma bomba explodiu no sistema de segurança dos Campos de Concentração! Os Medos estão soltos, e os Medrosos estão todos em Surto!

—  E por que está tão assustado assim? Não era para você ter medo.

—... Pegue a arma que está escondida embaixo do seu beliche, Ronald.

O rapaz obedeceu Meireles, estranhando um pouco. Nunca pensou que houvesse qualquer tipo de arma no seu quarto, mas o fato fez sentido ao pensar que eles deveriam estar preparados pra tudo. Agatha ainda estava acordando, tentando saber o que estava acontecendo.

— Quando essa porta abrir, atire até não tiver mais tiros. Não precisa mirar, é uma metralhadora com munição portátil e com mira inteligente. — disse Meireles, virando-se para a porta. — No exato momento que os tiros acabarem, corra e pule pela janela. De forma alguma olhe pra trás. E mais importante de tudo: proteja essa senhorita aí.

— Mas o que? — Agatha e Ronald estavam confusos.

Meireles apenas apontou para a cabeça. No exato lugar onde apontou, estava um furo profundo acompanhado de um arranhão de onde não saía sangue. Aquilo significava que um Medo havia vencido o Intrépido, e estava prestes a entrar na sua mente. Porém, Meireles havia fugido do Medo, atrasando sua transformação em Medroso.

— Daqui a pouco tempo eu entro em Surto, e me torno um deles. Aliás... — ele entregou uma folha de papel dobrada. — Como não vou poder lhes guiar daqui em diante, aqui tem uma pequena ajuda. — ele sorriu. — Se um dia acharem Dr. Loch, digam que eu estou bem. Bem morto.

Os Medos começaram a arranhar a porta e a quebrá-la pouco a pouco. Ronald empunhou a arma e ela mesma estabeleceu a mira. Agatha criou rapidamente a rota de fuga pela janela, de forma que quando eles a utilizassem, ela fechasse e ninguém passasse por ela. Como Agatha fez isso, não me pergunte. Deixarei que imagine por conta própria.

A porta quebrou-se. Meireles pegou uma estranha arma que se assemelhava a uma espada, mas as lâminas dela se soltavam, e formavam um grande chicote recheado de pequenas lâminas. Os Medos se assustaram ao ver a arma que Meireles empunhava. Ele os ameaçou, e cada um pulou pra cima dele. Ronald obedeceu as ordens dele, e começou a atirar até que os tiros terminassem. Quando terminaram, Agatha e Ronald fugiram. Algo que muitos ainda não sabiam era que os Medos emanavam uma onda de pavor quando morriam, que fazia com que as pessoas se desesperassem, aumentando o risco de morrerem. Era como um "eu morro, mas levo outros junto". Agatha foi afetada com essa onda, e quase paralisou enquanto fugia.

O céu escureceu em homenagem ao medo. As nuvens tornaram-se escuras, ameaçando trazer chuva, com os ventos fortes. Nas ruas, havia desespero. Medos saíam do prédio dos Intrépidos e corriam livres pelos telhados e calçadas. Os Medos mais tímidos usavam seus Medrosos para correr pela cidade, soltando ondas de pavor através do brilho dos olhos dos mesmos, que irradiavam por causa do Surto. A cidade estava um caos.

Ronald e Agatha corriam pelos becos e atalhos da cidade, sentindo o amargo gosto do desespero. A humanidade não lembrava do sabor do medo. O impacto medonho havia sido poderoso, capaz de acender a ancestral lembrança dele. Porém, a ciência, intrometida desde que nasceu, impediria essa memória, já que a havia "eliminado". A ciência fazia com que a alma ficasse paradoxal, forçando-a a abandonar os instintos naturais.

Os dois personagens conseguiram chegar até uma clareira que ficava em um bosque. Por sorte, ela ficava um pouco afastada da civilização, o que os rendia tempo para, no mínimo, digerir tudo o que havia acontecido. Ronald estava manchado de uma gosma escura ("sangue" dos Medos) e do vermelho do sangue Medroso, que era mais escuro que o comum. Longe do caos, eles voltaram a não sentir medo. Mesmo assim, decidiram ficar ali, receosos de que algo pudesse dar errado. Agatha sentou no chão. Respirou fundo umas quatro vezes, e então se voltou para Ronald:

— O que diabos acabou de acontecer? Eu só sei que acordei, Meireles tinha se tornado um Medroso e a gente precisou fugir pra não se tornar um também.

— Ele disse que uma bomba explodiu no Campo de Concentração. Os Medos se libertaram e fizeram um Surto coletivo nos Medrosos, e agora estão se espalhando.

— Parece até que estamos em um apocalipse zumbi.

— Heh. Mas Surtos não duram pra sempre, então não é igual a um.

Ronald se sentou no chão.

— Será que um dia a gente vai encontrar o restante do pessoal? Não gosto de pensar que viraram Medrosos.

— Nem eu. Mas creio que eles conseguem. Estão lá a mais tempo que nós.

— E Loch? Queria saber onde ele deve estar agora.

— Tomando champanhe, comendo caviar em uma varanda de frente para a torre de Paris.

— Meu Deus! — Ronald imaginou a cena, e começou a rir descontroladamente.

Agatha também riu. Se alguém normal passasse por ali, estranharia, e muito.

— Aliás, o que a gente vai fazer agora? — perguntou Ronald, ao terminar de rir.

— Sei lá. Talvez esperar que os Surtos terminem, pra gente poder andar por aí?

— Meh. Parece tedioso.

— Às vezes o tédio é necessário.

— Hum... Já que a gente vai ficar aqui parado por algum tempo, poderia responder algumas das minhas perguntas?

— Se elas forem úteis...

E assim, Ronald começou a fazer algumas perguntas sobre o funcionamento de algumas coisas. Todas essas perguntas já haviam sido respondidas antes para o leitor, então não é interessante prestar atenção nelas. A não ser...

— Você conhece a malta Scrupulum?

— Scrupulum? — Agatha levantou uma sobrancelha. — É latim?

— Exato. Conhece?

— Nunca ouvi nada sobre.

— São um grupo que quer transformar os Medos em sentimentos de novo. Lembro que no interrogatório de Ísis, ela perguntou pra Adler se ele sabia acerca dos relatórios roubados dele. Ela disse que 'não há rastros do ladrão', mas qualquer Intrépido saberia que os Scrupulum estariam por trás.

— Tenho certeza que esses Scrupulum não tem muita vez. Devem ser ignorados o tempo todo.

— Nem tanto. Alguns deles são terroristas e eles tem os Medos à favor deles. Funcionam como piratas.

— Então os Intrépidos seriam como a Marinha.

— Somos marinheiros! — ele esboçou um sorriso.

Agatha ficou por algum tempo estática, olhando para Ronald e a animação que ele conseguia produzir mesmo naquele caos.

— Tem algum problema comigo? Você está sorrindo. — ele franziu a testa, olhando pra Agatha.

— Huh? Qual é o problema nisso?

— Nenhum. É só que... é raro você sorrir do nada, sem ter algo estranho em mim.

— Falando assim até parece que sou alguém do mal.

— E não é?

Ele deu uma risadinha, e ela procurou uma pequena pedra no chão, arremessando nele.

— Ow! Isso é agressão! — Ronald se levantou num pulo.

— É guerra! — Agatha começou a pegar pequenas pedras do chão, e arremessá-las contra o rapaz.

Com a guerra declarada, os dois começaram a "batalhar" na clareira. Rapidamente esqueceram do caos na cidade. Eram crianças de novo. Como eles conseguiam brincar e esquecer do medo que os rondava? Talvez a companhia fosse o suficiente para livrá-los de preocupações.

Ao longe, alguém tentava identificar quem eram aqueles que brincavam. Quando conseguiu, correu o máximo que pôde, sorrindo. Era um dos Intrépidos, que havia feito o mesmo caminho que eles. Com a aproximação, era possível perceber que alguém o seguia, também alegre por encontrar Intrépidos. Os dois personagens que guerreavam fizeram trégua ao perceberem os que estavam vindo. Pouco tempo depois de detectarem a presença, identificaram quem vinha.

— Detetive! — Agatha ficou surpresa.

— Medusa! — Ronald abriu um largo sorriso.

Detetive e Diana corriam em direção à clareira. Ao vê-los, incertezas e preocupações sumiam de ambos os lados, fazendo com que a esperança nascesse. Tal esperança os alegrou, fazendo com que Ronald esquecesse do papel que Meireles havia entregado.


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