Mundo medonho escrita por Helen


Capítulo 25
"Sim, pai!"




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Devit andava na frente. Os quatro se esgueiravam pelos corredores do bunker medonho, procurando um caminho seguro até o auditório onde o Rei havia discursado. Era difícil encontrar esse tal caminho, já que Reis Medonhos estavam por toda a parte, soltando ondas de pavor apenas por diversão.

A lentidão da jornada foi recompensada com o vazio da sala, o silêncio e solidão de Galxy. Ele continuava no cálice, organizando as capas por tonalidades de cor. Montava elas com carinho e cuidado, procurando não as danificar mais. Quando Galxy viu Agatha, estendeu a mão e pediu para que ela lhe entregasse a capa que ela estava usando, a qual era de Hugo. A moça entregou a peça em silêncio e então a entidade juntou com os outros pedaços. Todas partes se uniram, regenerando-se. Pouco depois Galxy já as segurava nas mãos, mas não podia usá-las. Agatha, um pouco impaciente, perguntou o que era necessário para terminar o restante do encantamento. Galxy se virou para ela e disse que isso estava nas mãos de quem havia jogado o encantamento. Apenas ele poderia quebrar o restante, revogando suas palavras ou morrendo.

— Mas Hugo é um Rei Medonho agora. — disse Devit, preocupado.

— Ele sempre foi. — Galxy fitou o humano, com um ar sábio. — A única diferença é que ele está completo agora.

— Isso é tecnicamente falando uma forma de você dizer que não há como ele desfazer o resto do encantamento? — interrompeu Agatha.

— Ninguém se torna louco por completo de uma vez só. Se a sorte tiver simpatia com vocês, aquele homem ainda vai estar com alguns momentos súbitos de sanidade, o que o fará capaz de entender e falar com vocês.

— Tem certeza? É algo tão conveniente.

— Aprenda a agradecer e não reclamar das oportunidades que a vida resolve te dar. — disse Devit, encarando Agatha com repreensão. — Precisamos ir atrás de Hugo, não é?

— Por que Galxy não faz isso?

— Eu só posso dar capacidade emocional a seres viventes. — disse Galxy — Sanidade não é uma emoção. Caso eu fosse, seria de nenhuma utilidade. E além disso, eu estou preso nesta gosma esquisita.

A entidade suspirou e tocou com a ponta dos grandes e gorduchos dedos brancos no topo da cabeça de Agatha. Uma onda de otimismo invadiu suas correntes sanguíneas e se espalhou por todo seu corpo. Ela se sentia disposta a fazer qualquer coisa. Convencida, Agatha disse mais nada.

Todos se sentam no canto do palco de Galxy, e começam a discutir formas de trazer Hugo à sanidade. Otsugua interrompe a conversa falando em latim e então Devit traduz.

"Lembrei de uma coisa. Enquanto estávamos vindo pra Ilha Medonha, o Medo de Adler ficou falando sobre os comuns e a capacidade deles de ler as mentes dos Medos. Ele fez uma comparação interessante. Disse que o nível de ameaça dos comuns para os Medos era equivalente a alguém que pode ler o coração de um humano qualquer, seja Intrépido, Medroso ou comum. No caso dos Reis, recobrar a sanidade é a maior ameaça a seu estado de atrofiado. E o que seria capaz de fazê-lo ser são novamente? Algo ligado ao seu coração. Se pudermos trazer à tona qualquer lembrança que seja forte o suficiente para atravessar o estado de atrofiado, conseguiremos "derrotar" o estado mental de Rei (já que acabou de nascer) e ele voltará a ser são."

— Como vamos ler o coração de alguém, é a pergunta de agora. — disse Ronald.

— Talvez se... — Agatha procurou em todas as lembranças que teve com os Scrupulum. Encontrou o caderno de Hugo em uma delas. — Já sei. Hugo tem um caderno pessoal. Sempre o vejo rabiscando nele. Normalmente as pessoas colocam seu coração em alguma coisa, e no caso de Hugo, deve ser aquele caderno.

— É arriscado. Não sabemos onde está.

— Iremos descobrir. — disse Devit. — É a sanidade de uma espécie inteira que está em jogo. Temos que apostar tudo.

— Ok. Como vai ser? — perguntou Agatha.

— Ronald e eu vamos procurando Hugo e o caderno. Você, Agatha, fica aqui. Otsugua vai roubar o caderno dele onde quer que esteja. Então, voltaremos pra cá e Agatha vai ter que ler o caderno e procurar algo que faria Hugo voltar à sanidade. Falaremos com ele quando isso acontecer e pediremos que quebre o resto do encantamento que está sobre Galxy.

— Mas e se ele não quiser?

— Vamos decidir quando acontecer. Não vá sofrendo por antecipação. Certo?

— Sim, senhor. — disseram os dois.

Devit se levantou, e Ronald começou a segui-lo. Ronald ainda tinha sua espada de néon. Devit a havia perdido para Hugo e seu Medo, porém achava que Otsugua era suficiente. Eles saíram deixando Agatha no grande auditório, com a companhia de Galxy.

...

Todos os Medos e Reis estavam procurando as saídas do bunker, para finalmente sair da Sociedade, e chegar até a superfície, onde iriam dizimar a sanidade da espécie humana. Alguns poucos haviam saído do Palácio, e analisavam a situação caótica que Adler e Hugo haviam deixado enquanto ainda estavam sãos.

Hugo andava na frente, conversando com seu Medo. Algumas vezes, em tempos aleatórios, ele "despertava" da sua situação e ficava perguntando o que estava acontecendo, e o seu Medo apenas sorria e dizia para que ele continuasse andando. César era o primeiro atrás de Hugo. Loch e Adler andavam lado a lado, seguindo César. Suas peles estavam negras como carvão, seus cabelos cheios de eletrostática e os olhos irradiavam luz. Todos sorriam com escárnio. Loch estava mais assustador, porque ainda estava manchado com o sangue de Alex. A maioria dos Medos estava seguindo Hugo, depois de descobrirem através de alguns linguarudos que ele era o real criador.

Os passos são ouvidos de longe por Devit e Ronald. Ambos se escondem em esquinas e se preparam para atacar. É uma luta totalmente desleal, mas necessária.

Quando os Reis se aproximam, o ataque começa. De início, Otsugua solta uma forte onda de som que atordoa os Medos e Reis por alguns minutos. Ronald sai da cobertura e ataca Hugo, mas o mesmo desvia, e um Medo ali perto começa a investir contra Ronald. Vários Medos saem do atordoamento e começam a correr em direção à Ronald, procurando atacar em conjunto. Com destreza, o rapaz faz ataques giratórios, cortando de forma fatal vários Medos. Era o momento de pôr o treinamento de Devit em prática.

Avançou quatro passos. Percebeu que os Reis estavam sendo empurrados para trás e que os Medos deles estavam avançando. Virou-se para trás e disse isso para Devit. O homem se virou para Otsugua e pediu para que criasse um escudo diante dele, enquanto corria entre os Medos. A alma estranhou, mas disse que obedeceria.

Ronald cortou mais alguns Medos e então Devit saiu correndo. Passou pelos Medos, e todos eles começaram a pular em direção a ele com intuito de atacá-lo, mas foram barrados por uma parede invisível em seu caminho, que era Otsugua. Devit abriu caminho entre os Medos, com o objetivo de chegar até os Reis. Ronald aproveitava a distração de Devit e cortava todos os Medos atordoados pelo choque, deixando um rastro de pó e sangue medonho atrás de si.

Devit chegou até os Reis e mandou Otsugua vasculhar e procurar o caderno de Hugo. Enquanto a alma fazia isso, o Adler Rei Medonho partiu para cima de Devit, com uma arma que ninguém havia visto até ali. Parecia um sabre, só que menor que o dos Intrépidos, e emitia calor ao invés de frio. Uma arma legitimamente medonha.

Mesmo sem armas, Devit não teve medo. Como um dos últimos representantes dos Intrépidos naquele lugar, fez questão de merecer o título. Apenas com os punhos, enfrentou o seu antigo amigo.

O primeiro ataque veio de cima. Devit pegou a lâmina com as mãos desprotegidas e a puxou, trazendo Adler para perto, e aproveitando o impulso para dar uma cabeçada inescapável. Atordoado, Adler abriu as defesas sem querer. O Medo que estava dentro dele percebeu isso, e fez questão de sair, e enfrentar o homem frente a frente. Saltou sobre Devit, e o mesmo o segurou pelo pescoço, o colocando no chão, segurando um de seus braços com o pé e as duas pernas com o outro, esmagando-os. Aproveitou e fez o mesmo com o braço restante, antes que regenerassem. Quando o fez, ainda segurando o pescoço da criatura, o lançou contra Adler, que cortou a criatura por instinto. Para a surpresa de Devit, o Medo parou de se regenerar, ficando apenas corpo e cabeça no chão, tentando se mover. Adler se recuperou do atordoamento e novamente investiu contra Devit. Mas dessa vez, Devit apenas se desviou, e deixou Adler sair andando, impulsionado pra frente, deixando suas costas totalmente desprotegidas. O homem atingiu elas em cheio com o cotovelo e Adler caiu no chão, soltando a espada no processo. Devit pegou a espada com rapidez e então se preparou para derrotar Adler.

— Não é nada pessoal. — disse Devit, enquanto mirava a espada no coração, e estava prestes a cravá-la.

Loch Rei Medonho interrompeu o processo, empurrando Devit e seu pescoço contra a parede com o antebraço, tentando asfixiá-lo. César vinha atrás, com a mesma espada medonha, procurando saber o estado de Adler. Ronald correu mais rápido que César e enfiou a espada em Adler, antes que ele levantasse. Quando Adler morreu, o seu Medo se transformou em pó. César, vendo isso, ficou furioso e começou a ir em direção à Ronald. O rapaz ignorou-o e tentou desferir um golpe em Loch, mas o mesmo apenas se desviou, rolando para um lado, e dando uma rasteira no rapaz. Devit respirou o ar com dificuldade e alívio, se afastando um pouco. Loch e César começaram a ir contra Ronald, e o rapaz teve que começar a se defender deitado.

— Ronald! — berrou Devit, de repente.

— O que é?! — perguntou o rapaz.

"E quem é que luta?"!

— Que tipo de pergunta é essa de repente?!

— Responda logo!

—...Oh. — Ronald lembrou. — "Os Intrépidos!"

Aquela era a segunda pergunta e resposta necessária para entrar na organização dos Intrépidos. Quando Loch ouviu, ele parou de atacar. Os golpes de César não eram tão fortes, e graças a isso Ronald conseguiu se levantar. César grita com Loch, perguntando a ele qual é o problema. Loch levanta a cabeça. Seus olhos não brilham mais, e a eletrostática desaparece.

O homem parte pra cima de César, apenas com as mãos, e César começa a atacar com a arma branca medonha. Devit corre em direção à Hugo e seu Medo, os quais estão lutando contra Otsugua, enquanto Ronald se une à Loch.

Ronald ataca César pela lateral, e o mesmo defende o golpe com o sabre medonho. Loch aproveita a oportunidade e desfere uma sequência de socos em César, e então o Medo do Rei sai do corpo em queda, pulando em direção à Loch. O Medo da Morte segura-se em Loch, tentando entrar em sua cabeça. Ronald se aproxima e sem receio puxa o Medo pela sua capa de pele, e então se prepara para atravessar a espada no corpo magrelo que está no chão, mas é impedido por César, que segura o pescoço de Ronald por trás, dificultando sua respiração. O Medo pula sobre Loch novamente, e Ronald dá uma cabeçada e uma cotovelada em César, o enfraquecendo a ponto de Ronald conseguir se mover, e então ele novamente puxa o Medo, mas dessa vez a criatura se segura com muito mais força em Loch, rasgando o rosto e parte do tronco do homem. Ronald segura a criatura pelo pescoço e corta suas duas pernas e um dos braços. O Medo solta uma onda de pavor, mas a alma de Ronald se nega a ter medo. Mais determinado do que antes, Ronald cai de frente no chão, esmagando o resto da criatura com seu próprio corpo.

César tenta pisar nas costas de Ronald, mas Loch o empurra pra longe. Ronald se levanta com rapidez e vê que os movimentos de Loch estão mais lentos. Os cortes no rosto e no tronco haviam sido profundos e doíam bastante. Ronald diz para Loch ficar na defensiva, e o homem o obedece.

Ronald se vira para o corredor e vê César chegando, e então empunha a espada com mais força e enfrenta o Rei Medonho de frente. Os sabres colidem com força, e César empurra o sabre de Ronald para o lado e o ataca de frente, mas Ronald recua pra trás, sentindo o calor da arma perto do rosto. O rapaz desfere um golpe no rosto de César com a espada e o homem se afasta. Ambos descansam por alguns segundos até Ronald voltar a atacar.

A cena é interrompida pelo som espectral de Otsugua, que parecia estar fazendo progresso na sua parte. Ronald e César se viram para a batalha que Devit está tendo contra Hugo e Otsugua contra o Medo, e ambos sorriem com os resultados. Ronald se volta com rapidez para a luta, mas César continua parado, sorrindo enquanto ouve os sons da alma. Leva um golpe, dois golpes, é posto contra a parede, e então defende-se do terceiro golpe, usando sua espada. César então para de prestar atenção na luta, e volta a olhar para Otsugua e Devit. O som espectral e a voz de homem, em conjunto, o fazem lembrar dos bons tempos. Dos tempos da Unidade Especial, quando viu Devit crescer naquelas quatro paredes, várias vezes tentando entender o motivo de ser daquele jeito. Dos tempos em que Otsugua lhe ajudava a educar aquele moleque, e às vezes ajudava o garoto a enganar o homem. Dos tempos dos bons segredos, como quem era Otsugua e "aquela garotinha que pai César traz de vez em quando". Dos tempos em que ensinou Adler a controlar sua raiva e seu medo. Dos tempos em que sua filha ainda lembrava do seu nome...

Devit! — ele berra entre a respiração cansada, sem ligar se vai ser ouvido ou não. — Destrua aquele farol, e cuide bem da minha filha e do seu irmão!

César desiste de defender o golpe de Ronald, e a espada do mesmo atravessa seu pescoço. Ele desliza pela parede, morto. O Medo da Morte, o "Devit" da Sociedade Medonha, se torna pó. Loch respira satisfeito, e Ronald fica intrigado com as últimas palavras de César. Pouco longe dali, Devit dá um empurrão forte em Hugo e, respirando forte de cansaço, responde à ordem do homem morto.

Sim, pai!


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