A many splendored thing escrita por slytherina


Capítulo 1
Hello, Kitty!


Notas iniciais do capítulo

"Você não pode ver que eu sou a única que te entende? Que esteve aqui por todo esse tempo? Então por que você não consegue ver que você pertence a mim?" You belong with me - Taylor Swift



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Início da Primavera. Duas garotas estavam no pátio da escola, sob o sol do fim da tarde. Uma usava malha de líder de torcida. A outra, jeans e agasalho. Ambas estavam aflitas e constrangidas.


– Gostaria de falar com você. - Catherine falou grave e consternada.


– Sim? - Eve respondeu preocupada.


– As pessoas ... as pessoas estão falando sobre a gente. Coisas feias. Estão dizendo que somos sapatonas.


Eve a olhou pálida e com a mandíbula tensa. Ela poderia decepar o próprio dedo se o colocasse na boca agora.


– Eu... eu não aguento essa maledicência. Meus pais ficariam muito magoados se eles soubessem disso. - Catherine falava o mais baixo e comedida que conseguia.


Eve tentava não olhar para a outra. Tentava virar a cara e admirar a paisagem, mas seus olhos estavam grudados na figura a sua frente. Era como se ela estivesse magnetizada. Não conseguia se afastar da outra garota.


– Eu pensei muito sobre isso e cheguei a uma conclusão.


Catherine fez uma pausa e olhou de soslaio para Eve, que continuava de olhos fixos nela como se fossem punhais ou raios lasers, de modo que ela não conseguia segurar o olhar da outra, apenas baixar os próprios olhos.


– Eu acho que não podemos mais... ser amigas. Só assim as pessoas vão parar de falar. Vamos parar de nos ver e de nos falar.


Catherine olhou para Eve que agora exibia uma face contorcida, mas que segurava o próprio choro, apenas limitando-se a balançar a cabeça que sim. Uma lágrima rolou pelo canto do olho de Eve, e seu nariz começou a escorrer.


Instintivamente, Catherine pegou um lenço da mochila e limpou o nariz de Eve. A outra achou que não ia aguentar mais e saiu correndo, pra bem longe da ex-amiga.


Um rapaz saiu detrás do muro e se aproximou de Catherine.


– Você fez muito bem, Catherine. Só assim pra essa machuda aprender. Ela deve estar correndo até agora, sem saber o que a atingiu.


– Não lhe devo satisfações da minha vida. - Catherine respondeu indignada.


– Oh! Tudo bem! Sou teu admirador. Te acho a maior gata. Seria um tremendo desperdício se você preferisse aquela menina do que qualquer atleta da escola, eu incluído.


– Por que você não vai ver se eu estou na esquina, hein?


– Melhor! Vou atrás da Kitty! Talvez agora, depois do fora que ela levou, ela possa apreciar os atributos masculinos. Tchau!


O sujeito com farda da escola se afastou na direção para onde Eve correu. Um sentimento ruim tomou conta de Catherine, e embora ela não quisesse mais se envolver em todo aquele drama, um sentido de urgência tomou conta de si. Subiu bile em sua garganta e ela resolveu procurar a ex-amiga. "Eve, por favor, não se meta em encrencas, me espere".

Seis meses antes.


Uma menina de cabelos curtos, escuros, com jaqueta da escola e calças jeans tão frouxas quanto uma saia, por isso chamadas calças bag, entrou na biblioteca da escola. Ela procurou por um lugar livre para sentar. Só havia um, ao lado de uma garota atleta, uma líder de torcida, na verdade o estereótipo perfeito: loira, alta, bem torneada, com os músculos nos lugares certos. A garota da calça bag não teve escolha a não ser sentar-se lá também.


– Oi, posso sentar aqui?


– Claro, à vontade. - Respondeu a líder de torcida.


"Meu Deus!" A garota do cabelo curto pensou. "Por que essas garotas líderes de torcida são tão bonitas? Esta é a garota mais linda que eu já vi. Acho até que vou queimar os olhos se ficar olhando por tanto tempo. Ainda bem que não sou como ela".


– Você me empresta um lápis? O meu quebrou a ponta e eu não consegui mais apontá-lo como antes. Veja, ficou com dupla ponta. - A loira falou.


– Ok!


"Droga! Até a voz dela é sexy. Essa é do tipo que faz os homens babarem e fazerem fila atrás dela". A garota que parecia um rapaz pensava com seus botões, enquanto procurava por seu lápis laranjado com borracha na extremidade. Ela o entregou para a loira com farda de animadora de torcida.


– Obrigada! Desculpe-me, mas pode me tirar uma dúvida?


– Claro! - Respondeu a garota andrógina, enquanto fazia um movimento rápido com a cabeça, para afastar a franja dos olhos.


– É que tenho prova daqui a pouco e não sei qual o melhor meio de fazer uma cola que o professor não veja. O que você me aconselha?


– Cola? qual é o assunto?


– Biologia. Tenho que fazer a cola da taxonomia de Lineu.


– "Raios fortes caíram ontem e fizeram grandes estragos".


– Hã?


– Escreva em um papel cada palavra dessa frase e preste atenção somente à primeira letra.


– E o que isso quer dizer?


– "Raios" é Reinos. "Fortes" é Filos. "Caíram" é Classes. "Ontem" é Ordens. "Fizeram" é Famílias. "Grandes" é gêneros e "Estragos" é Espécies.


– Tá, mas a memória é fraca. Eu nunca conseguirei decorar "Raios fortes caíram ontem e fizeram grandes estragos".


– Ok! Então escreva na coxa. Depois é só puxar a saia para cima.


– Valeu!


A loira então começou a escrever na coxa loira e acetinada com caneta esferográfica, enquanto a outra garota não conseguia tirar os olhos dela. Pouco depois o sino de chamada tocou e a loira teve que ir embora. Mais tarde elas se encontraram novamente durante a hora do almoço. A líder de torcida estava em uma mesa ocupada por outras garotas com o mesmo uniforme de atividades físicas, mas havia um lugar vago. A garota do cabelo curto se aproximou.


– Oi! Lembra de mim? Será que posso me sentar aqui?


A loira se virou para ela espantada, abriu a boca para falar algo mas foi interrompida por uma das outras atletas na mesa.


– Desinfeta, sapatão! Não gostamos de gente da sua laia. Volte para o buraco de onde saiu.


A garota morena se assustou e tratou de se afastar rapidamente dali, quase derrubando sua bandeja de comida. Ela decidiu se sentar bem longe, perto da mesa dos servidores da cantina. Ela mal conseguiu engolir a comida. Não era a primeira vez que era chamada de sapatão, mas era a primeira vez que fora pega de surpresa, sem defesas, quando menos esperava.


Ela não gostava de ser chamada assim, e gostaria de ser tão bonita e atraente quanto a líder de torcida... Não, esquece! Isso era uma coisa que ela nunca gostaria de ser.


Uma semana depois daquele incidente, a garota do cabelo curto estava na biblioteca novamente, copiando algo dos livros. Um toque delicado acompanhado de um perfume doce, realmente agradável, a distraiu de sua tarefa. Ela ergueu a cabeça para ver o anjo que a roubava de sua vida diária, e foi surpreendida com a visão da líder de torcida.


– Oi! Posso conversar com você?


A garota de cabelo curto fêz que sim com a cabeça. A loira sentou-se e sorriu lindamente.


– Meu nome é Catherine, e eu lamento o que houve na cantina. Como é o seu nome?


– Eve!


– Como Adão e Eva, não é? Belo nome!


– É, mas ninguém me chama assim. Alguém me apelidou de "Hello, Kitty" no primeiro ano e agora todos me chamam assim. Então se você perguntar por Eve por aí... - Eve ficou encabulada por falar demais e abaixou a cabeça, não se incomodando em terminar a frase.


– Tudo bem! Kitty! Acho que combina com você. Sabe, acho lindo esse seu cabelo curto, parece ser tão independente e segura de si.


Eve riu sarcástica.


Catherine baixou a cabeça, sem graça.


– Desculpe! É que eu não sou assim. Acho que você pode me chamar de "perdedora", que é o que eu sou. - Eve falou tristemente.


– Pode me prometer uma coisa, Eve?


– O que?


– Nunca mais refira-se a si mesma como perdedora.


Eve ficou calada encarando Catherine. Por fim, resolveu agradar a outra.


– Está bem! Feliz?


– Assim está melhor.


Catherine abriu um grande sorriso, que fez com que Eve sentisse borboletas no estômago. Ela não gostou das sensações que a outra causava em seu corpo. Será que... será que estava se apaix.. Não! Isso não podia ser. Ela apertou com força as unhas nas mãos, quase se ferindo. Quem sabe a dor a libertasse daquele encantamento?


Depois disso Catherine se afastou, pois o sino tocara novamente. "Salva pelo gongo, de novo" pensou Eve. Na saída da escola, alguém a chamou, e ela sabia de antemão, que exceto os professores, só uma pessoa a chamaria de "Eve".


– Oi! Que bom que você ainda não foi embora. Queria te fazer um convite.


– Convite?


– É! Gostaria de estudar na minha casa? Eu estou encontrando dificudades em química também, e como eu sei que suas notas foram ótimas, eu pensei que pudéssemos estudar juntas. O que acha?


A última coisa que Eve queria era ir para uma casa desconhecida, para ficar perto de uma garota que a perturbava fisicamente, e que era o oposto de tudo que ela prezava na vida, pois ela detestava aquele povo que cultuava o corpo e passava intermináveis horas do dia na academia, fazendo exercícios físicos. Por isso sua resposta a chocou.


– Mas é claro que sim. Qual o endereço?


– Rua Maple, 212, Belvedere.


– Lá só tem casas bacanas.


– É, mas não há mansões, como o pessoal comenta. Que tal amanhã ás 19 horas? Assim você pode dormir lá em casa, e viríamos juntas para a aula, no dia seguinte.


– Dormir na sua casa?


– É! Faz de conta que é uma festa do pijama. Tchau!


Eve foi deixada só com seus sentimentos e inquietações. Ela gostaria de voltar a sua rotina, de perambular por aí sozinha e sem estar presa à ninguém, muito menos sentir-se acuada por alguém. Infelizmente, Catherine teimava em quebrar sua concha protetora, expondo-a ao mundo e forçando-a a sentir e querer ser igual a todos. Isso não ia acabar bem.


Na noite da "festa do pijama" de estudos, eve foi com sua mochila de livros e um colchonete para poder dormir na casa alheia.


– Para que é isso? - Catherine perguntou do alto de sua majéstica cabeleira loira cacheada, com pijama de gatinhos e pantufas de gatinha, para combinar.


– O que? O colchonete? Ora, para dormir. Você disse que eu iria dormir aqui e que iríamos para escola...


– Você acha que eu te convidaria pra dormir na minha casa e deixaria você dormir no chão? Não mesmo.


– Ok! Eu posso me recostar na poltrona da sala.


Catherine cruzou os braços e bateu o pé, irritada. Eve não sabia o que dizer, por isso ficou calada. Sabe-se lá, como ela deveria dormir. Quem sabe até nem dormisse?


Estudaram por horas, e quando nenhuma das duas conseguiu mais se concentrar no que estava escrito nos livros, decidiram que era hora de descansar e dormir um pouco. Eve debruçou-se sobre os livros na escrivaninha, mas Catherine a acordou e a ajudou a deitar na cama. Elas mal trocaram palavras e dormiram profundamente.


Acordaram ao som do despertador, com Eve se sentando na cama dos outros, sem saber como havia chegado até ali, enquanto Catherine corria de um lado para outro, escovando os dentes, abotoando o sutiã, e procurando o par de tênis embaixo da cama. Espere um momento... abotoando o sutiã?
A mente de Eve rebobinou a fita. Catherine havia estado de busto nu na frente dela e havia passado despercebida. Como podia ser aquilo? Talvez os rapazes na escola tivessem razão. Talvez Eve fosse um sapatão, que dava tanta importância a peitos de outras garotas.


As duas foram juntas para escola após dividirem uma caneca de café preto.


Início do Flashback


Há muito tempo existia na floresta uma garotinha de 15 anos, chamada Kitty. Ela era muito bonita, com longos cabelos castanhos e um laço de fita vermelha na cabeça. Seu vestido era muito bonito, com estampas de flores silvestres, uma grande saia rodada e sapatinhos delicados com enfeites dourados.


Ela vivia sozinha, sem o amor de um pai ou de uma mãe. Por isso, frequentemente brincava sozinha na floresta e voltava para casa tarde da noite, quando era admoestada por seu tutor, um homem mais velho e severo.


– Por que voltou tão tarde para casa, Kitty?


– Eu esqueci da hora, tio. Prometo não fazer mais isso.


– Você sabe que é bonita, não sabe? É perigoso que ande sozinha à noite por aí. Coisas ruins acontecem a meninas bonitas, desprotegidas. É necessário que um homem mais velho a proteja, como na estória do lobo mau.


– Não farei mais isso, eu prometo.


– Tudo bem, querida. Agora, venha aqui e me dê um beijo.


Kitty foi até seu tutor e beijou na bochecha do velho homem, que retribuiu beijando seu pescoço, enquanto espalmava a mão grande e encarquilhada em suas ancas, presionando o corpo dela contra o seu. Ela não gostava desses beijos, ou dessa proximidade forçada, mas isso deixava o velho homem feliz, então deveria estar tudo bem.


Um belo dia a menina bonita saiu à tarde para brincar na floresta, e não voltou mais para casa. Chamaram a polícia para a procurarem. Encontraram-na no dia seguinte. Fora atacada pelo lobo mau. Nesse dia a menina bonita morrera, mas outra menina ficara em seu lugar. Uma que atendia pelo nome de Eve, e que não tinha nenhuma beleza ou feminilidade. O lobo mau devorara estas coisas.


Fim do Flashback


Três garotos conversavam na cafeteria próxima à escola onde estudavam as meninas.


– Você soube do último buchicho?


– O que? Você está falando de Kitty e Kat? Já ouvi falar. Quem diria que aquela sapata fosse pegar a garota mais gostosa da escola?


– E você acha isso justo? Que uma saboeira venha e pegue uma de nossas garotas bem debaixo de nosso nariz? Eu te digo que isso deveria ser contra a lei.


– Isso! Deveria haver uma lei que proibisse sapatas de frequentarem a escola com as pessoas normais.


– Que que é isso, caras? Gays existem em todo lugar. Não vamos agora ficar todos revoltados só porque tem uma garota gay entre a gente.


– Não é isso, mano, só acho injusto que ela pegue uma garota legal e hetero como a Catherine e infecte ela com o vírus da homossexualidade.


– Vírus? Você quer dizer... AIDS?


– É... Não! Quem falou em AIDS, aqui? Alguém falou que Kitty tem AIDS?


– Não, é claro que não. Não é porque a garota é gay que ela obrigatoriamente tenha AIDS. Além disso só homens gays têm AIDS.


– Tem certeza?


– Foi o que eu vi na TV. As pessoas chamam de Câncer gay por que acomete o fiofó dos marmanjos.


– Isso é nojento, mano.


– Só é.


– E aí? O que vamos fazer quanto a Kitty seduzindo uma de nossas garotas?


– Deixa quieto. Logo, logo a gente dá o troco.


– E quanto a Catherine? Que tal se uma das outras atletas ajudasse a pôr juízo na cabeça dela?


– Isso pode ser feito.


Seis meses depois


– Eve, por favor! Não faça isso. Por mim, por favor. Você iria partir meu coração se fizesse isso. - Catherine falava chorando a alguns metros distante de Eve, no telhado do prédio da escola de quatro andares.


Lá embaixo, uma pequena multidão de alunos se aglomerava, expectante e excitada, que automaticamente passou a gritar em coro, assim que uma equipe de televisão chegou no local: "Pula! Pula! Pula!"


O diretor da escola e mais alguns professores estavam preocupados e atônitos com tudo aquilo. Haviam escutado todas as fofocas que circulavam na escola, mas como eram adolescentes, achavam que após alguns meses aquilo tudo passaria, como apenas uma fase na vida daqueles jovens cheios de hormônios e espinhas. Nunca pensaram que a situação atingiria aquele estágio de drama folhetinesco, com direito à chamadas no jornal das seis.


Eve estava no parapeito. Havia transposto o beiral do telhado. Sua camiseta do "Joy Division" estava rasgada, expondo parte de seu sutiã com estampa do homem aranha. Seu agasalho fora arrancado de seu corpo na marra, e deveria estar na lama, no beco onde fora emboscada. Suas mãos estavam sujas de sangue, de tanto serem arrastadas no chão, quando tentara se livrar de seus agressores. Sua calça bag ainda estava intacta, pois os marmanjos que a atacaram não conseguiram desabotoar seu cinto de fivela de ferro.


Em compensação, ela tinha certeza que ferira um dos caras gravemente, quando o golpeara com um pedaço de pau cheio de pregos. Isso fora a distração necessária para que fugisse de seus agressores, uma vez que eles se esqueceram dela para acudir um de seus amigos ensanguentado.


Após a fuga, Eve chegou até o telhado da escola. Com o movimento de gente às suas costas, ela fugiu mais para a beirada. Além daquele ponto, só se se jogasse. Não, ela não pretendia se matar, estava apenas fugindo, para longe de mãos, bocas, hálitos, sexo e dor.


Foi quando Catherine chegou. Eve olhou para ela, sua única amiga, objeto de desejo e sonhos de algum dia ser feliz. Ela a rejeitara. Eve olhou para a multidão lá embaixo e depois para a paisagem a sua frente. Que tarde esplendorosa de Primavera!


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