Acordei com a claridade batendo no meu rosto. Brenda estava deitada no meu peito ainda dormindo, ela estava tão serena, tão tranquila e eu gostava de vê-la assim. Mas infelizmente essa calmaria vai acabar se eu aceitar a proposta de Thaís. Refleti durante uma boa parte da noite sobre isso e sinceramente eu não sei o que faço. Por um lado eu penso que seria uma ótima solução, corrigindo, a única solução pra raça humana não entrar definitivamente em extinção. E o melhor de tudo isso é que eu não vou precisar morrer e nem matar ninguém pra que isso aconteça, eu simplesmente vou ter que ter um filho com a Teresa. Mas eu também penso que com isso automaticamente eu vou acabar ferindo uma das pessoas mais importantes da minha vida: Brenda. Sei que devido às circunstancias provavelmente depois de um bom diálogo e uns tapas na minha cara ela vai acabar aceitando isso, mas deve ser muito doído você saber que uma outra garota está carregando um filho do seu namorado, quase marido, na barriga e que você não pode fazer o mesmo por correr o risco do seu filho ser a destruição de uma comunidade inteira.

– Ei, posso saber a onde os seus pensamentos estavam pra você estar tão concentrado assim? – Ela despertou e me deu um beijo.

– Pensando no meu futuro.

– E por acaso eu faço parte dele? – Me perguntou curiosa.

– É por sua causa que eu estou pensando nele. – Me sentei e fiz ela ficar de frente para mim – Brenda, você toparia qualquer coisa pra ver a raça humana crescer de novo? Pra ver esse maldito vírus ser exterminado de vez?

– Se isso não acarretasse na morte de ninguém, eu acho que sim. Mas por que você está me perguntando isso. Tem alguma coisa acontecendo que eu não saiba?

– Muita coisa pode acontecer daqui pra frente e eu só quero que você confie em mim. Eu te prometo Brenda, que nada vai acontecer antes de você saber. É só isso que eu posso dizer por enquanto.

– Thomas, eu não estou entendendo nada e alguma coisa me diz que é melhor continuar assim.

– Isso mesmo. Na hora certa você saberá. – Peguei suas mãos e as beijei – Agora vamos voltar, temos muita coisa pra fazer hoje, a chegada do Berg atrapalhou um pouco a nossa rotina.

Voltamos pra comunidade, todos já haviam tomado café e estavam cumprindo seus afazeres. Minho nos viu chegando e se aproximou.

– Tá tudo bem com vocês? Desapareceram de uma hora pra outra, eu fiquei preocupado. – Ele disse tentando demonstrar seriedade.

– Minho, você não quer que eu desenhe o que eles estavam fazendo a noite toda, não é? – Claro que isso veio de Gally – E ai Thomas, a fugidinha foi boa?

– É melhor você calar a boca, Gally. – Minho o olhou de uma forma estranha, como se tentasse dizer alguma coisa.

– A noite foi maravilhosa, perfeita. Posso afirmar que entrou na lista das dez melhores que tivemos, e estamos famintos por causa disso, não é meu amor? – Brenda praticamente se agarrou ao meu pescoço e me deu um beijo estilo desentupidor de pia.

Eu não estava entendendo o porquê naquela reação repentina até que Minho me indicou um ponto logo atrás de mim com o olhar. Foi ai que consegui me desvencilhar de Brenda, me virei e a vi. Teresa. Ela estava sentada em um banco perto do refeitório com Thaís e Vanessa ambas de cada lado. Agora eu entendi, Brenda fez toda aquela cena porque Teresa estava vendo e ouvindo tudo. Depois de tudo que conversamos eu não entendia como ela continuava a ser tão imatura assim quando o assunto era a outra.

Percebi que Teresa estava abatida, com os olhos inchados e a pele muita mais clara do que já é, e logo uma coisa já passou pela minha cabeça.

– Por que ela está assim? Aconteceu alguma coisa com o bebê? – Eu estava suando frio.

– Pelo que Vanessa disse, ela acordou indisposta, com falta de ar, muito enjoo e tontura. Thaís resolveu trazê-la aqui pra fora pra respirar um pouco de ar puro, nada de mais. – Minho me apontou pra outra direção, mais pra dentro da floresta e então eu pude ver os guardas da CRUEL ali – Eles estão procurando uma peça do Berg que se soltou provavelmente durante a queda, sem ela eles não conseguem partir.

Assim que Minho disse isso avistamos um Andrew todo furioso vindo em nossa direção. Pelo jeito eles não haviam encontrado a tal peça.

– Como uma coisa de um metro de altura pode desaparecer desse jeito? Nós procuramos por todos os cantos e não encontramos nada – Ele falou nervoso.

– Talvez tenha caído no mar antes do impacto, mas fique calmo, nós vamos dar um jeito – Minho disse tentando aparentar calma.

– Dar um jeito? Vocês não podem dar um jeito, não podem solucionar todos os problemas do planeta, não são super heróis – Andrew zombava – O único jeito é pedir pra maldita da central da CRUEL nos enviar outra peça, o que demoraria pelo menos três dias pra acontecer e nós não podemos ficar todo esse tempo aqui. – Ele saiu batendo o pé – Guardas, eu quero que procurem pelas bordas da ilha, entrem no oceano se for preciso, morram afogados, mas encontrem essa peça.

– Como você aguenta esse cara? – Gally perguntou pra alguém e quando me virei pra ver quem era, dei de cara com Teresa.

Ela estava muito pálida, fraca, com os olhos fundos, mas com a mesma pose de durona de sempre. Ela não encarava nem a mim nem a Brenda que há essa hora já estava agarrada a meu pescoço novamente.

– Ele só está estressado, muitas coisas já aconteceram Gally. Chega uma hora que ninguém aguenta, nem mesmo Andrew que sempre foi o mais forte em tudo. – Eu senti que aquilo foi pra me provocar – Mas ele é uma boa pessoa, não duvide disso ele só quer ir embora pra casa, assim como eu.

Teresa saiu de perto de nós e foi até onde ele estava dando ordens alterado para os guardas. Ela se aproximou, disse alguma coisa em seu ouvido e logo após ele a abraçou de uma forma protetora, lhe dando um beijo no topo da cabeça e se acalmando instantaneamente. Eu senti alguma coisa apertando por dentro do meu peito enquanto eu via essa cena.

– Ela é a única que consegue acalmá-lo, não é? – Vanessa perguntou pra Thaís.

– Acredite, quando ela não está por perto, é bem pior. Mas mesmo eu não gostando muito dele, tenho que admitir que Andrew já sofreu bastante nessa vida. Ava Paige não poupou o próprio filho e o fez passar por coisas horríveis pra segunda ela, ele se tornar ‘um homem de verdade e conseguir sobreviver nesse mundo’. Bem, admito, ele se tornou esse homem, é valente, guerreiro, forte, corajoso, um líder nato capaz de enfrentar qualquer coisa, mas junto com todas essas qualidades também veio à ignorância, estupidez, o modo de pensar que o mundo gira ao seu redor. Teresa aos poucos está conseguindo tirar esses defeitos dele.

– Resumindo, é o casal perfeito. A senhorita nariz empinado e o senhor ‘eu posso tudo’. Imagina como essa criança não vai nascer mimada e insuportável – Brenda não podia ficar quieta, ela tinha que provocar.

– É Brenda, o seu nome, não é? – Thaís perguntou – Então, Brenda, pelo o que eu pude ver nesse um dia que estamos aqui, acredito que o par perfeito para o Andrew seria você, pois é igualzinha a ele. Pensando bem, melhor não coitado. Ele só é assim porque sofreu muito e está tentando mudar, já gentinha como você, esses defeitos vem de berço e não tem como mudar. Nem mesmo o Thomas consegue.

– Sua vadia, quem você pensa que é pra falar assim comigo. – Precisei segurar Brenda pra que ela não voasse pra cima de Thaís, já essa estava tranquila de braços cruzados só olhando a cena.

– Bem, tenho que ir. Vou preparar alguma coisa pra Teresa comer. Até mais – E assim ela partiu como se nada tivesse acontecido e deixando uma Brenda ainda mais furiosa pra eu segurar.

– Adorei essa garota. Ela faz meu estilo, fala o que quer e não tá nem aí pras consequências – Gally disse sorrindo.

– Thomas, ela fala esses desaforos pra mim e você não faz nada? Que tipo de namorado é você?

– Quando você fala o que quer, acaba escutando o que não quer Brenda. Quem começou a provocar não foi ela, então agora aguente – As mudanças de comportamento de Brenda estavam me enlouquecendo.

Vi o momento em que Teresa e Andrew foram em direção ao Berg, ela não parecia nada bem, estava cada vez mais pálida e se apoiando nele para poder caminhar. Queria poder ir até lá, perguntar se precisava de alguma coisa, ou até mesmo pegá-la no colo pra que não precisasse caminhar, mas tenho certeza de que nem Andrew e nem Brenda permitiriam isso.

– Vamos tomar café, meu amor, eu estou faminta – Ela disse me empurrando para o refeitório.

– Preciso resolver algumas coisas sobre a comunidade com Minho antes – Disse olhando pra meu amigo, esperando que ele entendesse – Vá na frente, daqui a pouco estou lá.

– Thomas, nós precisamos verificar as árvores que estão sendo usadas pra fazer os chalés, os marceneiros estão cortando as erradas – Minho me puxava pra longe dos outros enquanto falava, olhei pra trás e vi que Brenda já havia entrado no refeitório.

– Pronto, ela já entrou. Obrigado por ter inventado isso Minho, ia ser muito difícil conseguir me livrar de Brenda.

– Bem, eu não sei o que você quer com isso, mas eu realmente tenho que ir ver os marceneiros, então nos vemos mais tarde porque alguém tem que trabalhar de verdade nesse lugar – E ele partiu me deixando sozinho.

Fui atrás de Thaís, ela estava supervisionando os guardas da CRUEL na procura da tal peça. Ao contrário de Andrew, ela não gritava ou dava ordens, na verdade parecia que não estava se importando muito com nada naquilo.

– Você não está ansiosa pra achar a peça e ir embora pra casa? – Perguntei me aproximando.

– Eu estou mais ansiosa em saber a sua resposta sobre o que conversamos ontem, apesar de eu ter quase certeza de qual vai ser.

– Como assim?

– Thomas algumas horas depois de eu te falar sobre a hipótese de você ter um bebê com Teresa, você simplesmente some de vista, só volta no dia seguinte com Brenda agarrada ao seu pescoço e te beijando que nem uma louca. Que conclusão acha que eu vou tirar? Você escolheu deixar o mundo acabar de vez.

– Thaís, eu não fiz escolha nenhuma ainda. A minha cabeça está uma bagunça, tenta se colocar no meu lugar.

– Se eu estivesse em seu lugar eu já teria feito uma escolha e lógico que seria a certa –Ela não disse mais nada, apenas olhou para o horizonte pensativa.

– Estou preocupado com Teresa, eu nunca a vi tão abatida assim. O bebê está em risco?– Perguntei temendo a sua resposta.

– Ela passou muito estresse nesses últimos dias, isso afeta a gravidez – Thaís disse isso e depois se levantou – Vou entrar, ver se precisa de alguma coisa. – E ela se foi, deixando os guardas ainda a procura do tal objeto.

O resto do meu dia foi tranquilo. Tomei café com Brenda, fui ajudar Minho em relação ao corte das árvores e por último ajudar na construção no meu chalé. Precisava ocupar minha cabeça, me distrair das responsabilidades que estavam sendo colocadas em minhas costas.

Quando anoiteceu todos nós do Paraíso estávamos nos divertindo em volta da fogueira como já era de costume. Havia música, pessoas dançando, outras jogando e muita comida. Até alguns guardas na CRUEL estavam lá meio que escondidos. Thaís também participava, afirmando que não ficaria trancada a noite toda no Berg com um Andrew insuportável lhe dando ordens, enquanto a festa rolava solta aqui fora. Com aquele clima de descontração eu havia até esquecido de meus problemas, até que vi Andrew caminhando em nossa direção, ele estava com uma cara péssima, cabisbaixo, parecia que havia chorado. Thaís que dançava como uma louca, quando o viu e viu o estado em que ele estava, saindo correndo para perto dele e ambos foram apressados em direção ao Berg. Eu tinha certeza que alguma coisa estava acontecendo.

Não conseguia mais me divertir. Só queria saber o que estava acontecendo ali dentro. Vi que várias luzes estavam sendo acessas, e uma delas era a do laboratório, o mesmo que fomos naquele dia da coleta de sangue e aquilo me preocupou muito.

– Ei cara, o que tá acontecendo, você sumiu da festa e agora eu te encontro aqui escondido nesse cantinho. Brenda tá louca atrás de você. – Gally me encontrou encostado em uma árvore de frente pro Berg.

– Andrew e Thaís entraram apressados – Disse indicando para nave – Tem alguma coisa errada acontecendo.

Assim que terminei minha frase vejo a entrada se abrir e Thaís descer de lá com a pior cara do mundo. Ela estava afoita, nervosa e toda suja de sangue.

– Thomas, que bom que está aqui, eu já não sei mas o que faço – Ela começou a chorar.

– Se acalme e fale o que aconteceu – Gally disse calmamente.

– Teresa perdeu o bebê.

– Eu imaginei que fosse isso – Me pronunciei, me entristecendo por Teresa.

– Não Thomas, você não está entendendo. Ela perdeu o bebê há algumas horas, mas ainda está sangrando muito. Eu já tentei de tudo, dei todos os medicamentos adequados, mas nada adiantou. Ela está com hemorragia interna intensa, eu não sei se vai aguentar.

– O QUE VOCÊ QUER DIZER COM ISSO, THAÍS. Vamos lá dentro, vamos cuidar dela – Disse já a puxando pra dentro do Berg, muito nervoso e assustado. Ela me bloqueou não me permitindo entrar.

–Acho que já não há mais nada que se possa fazer Thomas, a Teresa está morrendo.