Leva-me escrita por Manu Vecce


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo não foi betado ainda. Qualquer erro, por favor, me avise, o.k?
Boa leitura.



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Sinto mãos tocar-me as costas e, assim que me viro, encontro os olhos castanhos claros do meu irmão. Ele dá um sorriso levado.

— Que tal levantar dessa cama e ir tomar um banho? Você está fedendo! — coloco a sua mão no nariz.

Sorrio e tiro o edredom de cima de mim. Passo a minha mão nos meus olhos, tirando o remelo. Olho para o meu irmão que também está me olhando.

— Eles já foram? — o questiono.

— Você sabe que sim.

— E como você sabe que eu sei? — deixo um leve sorriso em meus lábios.

— Tenho total acesso à sua mente — Otávio sorri de lado. — Não te contei?

— Não, mas gostaria de saber mais sobre isso.

— Ah, sinto muito. Não tenho tempo para explicar agora.

— Sério? Por quê?

— É muito complicado e o seu cérebro funciona com muita lerdeza. Demoraria horas para te explicar tudo.

— Ah! Peço que dê ao meu cérebro uma chance de surpreendê-lo!

— Desculpe-me, mas pedido negado. — e, com um sorriso de lado, Otávio sai do meu quarto.

Gosto de brincar assim com o meu irmão. Pode ser por causa dele que eu ainda continuo aqui. Deixando claro, meus pais são ótimas pessoas. Dão todo o carinho e atenção que o meu irmão precisa, mas de alguma forma, acho que sou a filha que não deveria ter nascido. Na verdade, minha mãe não me queria. Ela queria abortar, mas como é crime, ela não o fez. Meu pai sim, queria que eu nascesse, e ele sempre foi muito atencioso comigo. Porém, sinto que tenho mais afinidade com o meu irmão. Ele me entende, diferente das outras pessoas. Otávio sempre sabe quando estou mal ou bem. Sempre sabe quando estou precisando de carinho ou não. Eu só posso contar com ele. Ele me ouve sem fazer críticas depois, sem fazer piadinhas, sem achar que só falo baboseiras.

Tiro a roupa no banheiro e entro embaixo do chuveiro. Penso nas provas que vão começar essa semana e me imagino sendo reprovada, coisa que é impossível. Penso também nas provas que vou fazer semana que vem para entrar na universidade. Meus professores me disseram que acreditam em mim. Afirmaram que eu irei passar nos primeiros lugares em todas as quatro universidades. Para mim, o que interessa mesmo é passar. Não estou ligando se vai ser em primeiro, segundo, terceiro ou em décimo lugar.

Depois que termino de tirar o xampu do meu cabelo e do meu corpo, desligo o chuveiro e me seco com a toalha. Seco o meu cabelo também e saio do banheiro. Passo desodorante e visto a calcinha, a calça, o sutiã e a blusa. Penteio o meu cabelo, deixando o mesmo solto, e calço os tênis. Desço as escadas e encontro o meu irmão com duas maçãs na mão. Ele me olha, joga-me uma e eu a pego no ar.

— Valeu.

— Podemos ir agora? — ele pergunta.

— Uhum.

Mordo a maçã saindo de casa e meu irmão vem logo atrás. Otávio tranca a porta enquanto eu pego as duas bicicletas, tirando-as da garagem. Depois que ele tranco o portão, pedalamos até a biblioteca. No caminho, ficamos nos provocando, como sempre. Assim que chegamos, trancamos as bicicletas e entramos na biblioteca. Otávio pego o livro que estava tão ansioso para ler.

— Podemos ficar mais algum tempo aqui? — ele pergunta.

Olho as horas no relógio redondo que está pendurado na parede da biblioteca.

— Você tem uma hora — ele sorri e eu também.

Para não ficar sem fazer nada, pego um dos livros de Sherlock Holmes e sento em frente ao meu irmão, em uma das grandes mesas de leitura.

***

Alguns minutos mais tarde, sinto uma mão tocar meu ombro. Olho para trás e me deparo com o meu professor de Geografia. Ele está com um grande sorriso nos lábios, ao contrário de mim. Sinceramente, eu odeio esse professor. Tem dois meses que ele começou a dar aula para minha turma, substituindo a antiga professora. Desde o primeiro dia ele vem “me cercando”. Pede para conversarmos no intervalo das aulas, pede para sairmos juntos, pede para eu ficar depois do horário das aulas na sala com ele, mas eu sempre invento uma desculpa e escapo dele. Tenho certeza de que ele está querendo algo comigo. Será que ele é tão burro ao de achar que eu não sou capaz de denunciá-lo por assédio?

— Que surpresa encontrá-la aqui, Vitória! — ele diz sorrindo.

— Oi. — respondo sem ânimo.

Ele puxa uma cadeira e se senta ao meu lado.

— Tudo bem com você, querida?

— Sim.

— Que bom! — ele desce sua mão para minha coxa e, no mesmo instante, eu a afasto.

— Quem é esse daí? — questiona Otávio. Olho para o meu irmão.

— O professor de Geografia na minha escola, o senhor Carlos. — respondo.

Meu irmão sorri, mostrando os dentinhos brancos alinhados e, com isso, percebo que ele vai falar alguma coisa para afastar o homem ao meu lado. Não, Otávio não sabe sobre a insistência do professor em tentar algo comigo. Porém, ele odeia que outros homens falem comigo.

— Ah! Prazer em conhecê-lo, professor – diz com um sorriso no rosto, que logo desaparece. O professor sorri.

— Digo o mesmo — ele me olha. — Então, estão lendo o quê?

— Livros. Não está vendo? Por acaso é cego? Ah, se for, não se sinta mal, porque não tenho nada contra os cegos. É só que me parece que o senhor enxerga muito bem. — Otávio responde rápido.

— Não sou cego, e sim, estou enxergando muito bem os livros, mas quero saber que tipos de livros são.

— Os tipos que não te interessa — responde Otávio, grosso.

Observo o rosto do professor ficar levemente avermelhado, provavelmente de raiva, pois ele odeia que o tratem assim. O senhor de trinta e um anos pergunta:

— Algum problema?

— Sim, você está nos atrapalhando. E para sua informação, vi muito bem quando tocou a perna da minha irmã — olho para Otávio surpresa e me questiono mentalmente como ele pôde ter visto isso. A voz dele é baixa e penetrante, como sempre. — Você acha que ela é alguma prostituta que você come em algum quarto de motel vagabundo? Só informo a você que está muito enganado. E peço que tenha mais respeito com ela, porque senão eu vou denunciá-lo à polícia. Nem tente dizer que não a tocou, porque não vai me enganar com essa cara de pedófilo. — olho para o professor e seu rosto está completamente vermelho. — Se eu fosse o senhor, sairia dessa mesa imediatamente.

O professor se levanta, olha com raiva para o meu irmão e depois para mim.

— Você cometeu um grande erro, garoto — diz antes de sair e me olha. — Até mais, Vitória.

— Até — respondo e observo o professor Carlos ir embora, deixando o meu irmão com um sorriso nos lábios. Silenciosamente bato palmas para Otávio, que sorri ainda mais.

— Como você viu? — pergunto.

— Na verdade, eu não vi, mas pela forma como ele passou o braço perto de você e o movimento que você fez com o braço deu a entender isso. Parece que acertei em cheio.

— Acertou, sim. — meu irmão dá um sorriso de lado.

— Ninguém nunca fará mal a você enquanto eu viver, isso eu te prometo. — ele garante.

Não consigo evitar um sorriso e por um instante me sento realmente protegida. Porém, eu sei que depois, na escola, o professor Carlos tentará mais alguma coisa.

— Você ainda é muito fraco para me proteger de tudo. — provoco o Otávio.

— Ainda, — ele sorri e acrescenta. — Mas de algumas coisas eu consigo te proteger, como por exemplo, desse professor pedófilo.

Sorrio balançando a cabeça e bagunço o cabelo do menino a minha frente.

— Mas, infelizmente, você não vai conseguir me proteger hoje, na aula dele.

— Relaxa, ele não vai fazer nada contra você depois da ameaça que fiz.

Reviro os olhos.

— Não tenho medo dele, Otávio. Mas tive uma ideia.

— Que ideia? Eu quero participar!

Sorrio para ele.

— Mais tarde você vai ficar sabendo. — digo sorrindo.

— O.K — ele dá de ombros, sorrindo.

***

Depois que almoço com a minha mãe e com o meu irmão, subo para o quarto e escovo os meus dentes. Visto a blusa da escola e prendo o meu cabelo em um rabo de cavalo alto. Passo novamente desodorante só para garantir e desço as escadas com a minha mochila nas costas. Encontro minha mãe beijando a testa do Otávio antes de sair de casa. Ela me olha e diz:

— Chegarei mais tarde hoje, então tome conta do seu irmão para mim. Se quiserem, peçam pizza, o dinheiro está no quarto.

Observo a porta se fechar e ouço Otávio comemorar. Nossos pais não gostam muito que comemos “porcarias”, por isso proibiram muitas coisas, mas quando eles não ficam em casa, o que é raro, eles nos deixam comer o que quisermos. Otávio diz:

— Meu Deus! Pizza, finalmente!

Reviro os olhos e pego a minha chave em cima da mesinha da sala.

— Está pronto, Otávio?

Ele faz que sim com um sorriso nos lábios. Saímos de casa e fomos para a escola de bicicleta. Quando chegamos, o sinal tinha acabado de tocar, portanto tivemos que correr para nossas salas.

***

As três primeiras aulas foram normais, assim como a quarta. Na quinta — a última aula —, o professor de Geografia ficou me encarando. Com certeza ele está planejando algo contra mim. Acho que por eu não ter muitos amigos, ele pensou que eu fosse a garota indefesa da sala. Bem, ele está muito enganado. Posso ter meus problemas, mas não sou idiota a ponto de não saber me defender. Eu ignorei as tentativas dele esse tempo todo porque não queria tomar uma atitude precipitada, mas agora que tenho um plano, não o deixarei tentar seduzir nenhuma outra garota.

Ao final da aula, o professor diz que quer falar comigo sobre minhas notas. Já imaginava que isso ia acontecer. Fico na sala esperando os outros alunos saírem, e assim que ficamos sozinhos, o professor Carlos vem até mim, me pega pelos braços com força, olha-me nos olhos e diz:

— Você não vai escapar dessa vez, Vitória — afirma mordendo o seu lábio inferior olhando para os meus lábios. Finjo-me de desentendida.

— Do que está falando? — pergunto.

— Você sabe muito bem — ele cola o seu corpo no meu e continua a falar. — Você conseguiu fugir das outras vezes, mas dessa vez não tem escapatória. — ele sorri e chega o seu rosto mais perto do meu. — Se você não me encontrar no motel em frente ao estacionamento do posto de gasolina hoje às nove horas, irei deixar você pegando fogo, literalmente. Seu irmão fez aquela ameaçazinha de merda, mas tenho certeza de que você não vai contar nada para ele depois, não é mesmo? E se falar, acabo com você primeiro e depois com ele.

Ele me solta, me fazendo bater as costas na parede. Pega sua pasta e antes de sair da sala, ele diz:

— Só um aviso: não duvide de mim. — sorri. — Sou capaz de fazer coisas cruéis e eu tenho certeza de que você não vai gostar delas.

Sorri assim que ele saiu da sala. Tudo está saindo como planejado. Esfreguei o lugar onde ele havia apertado por um tempinho e depois saio da sala com a mochila nas costas. Na saída, encontro Luísa, que vem em minha direção com os braços abertos. Abraço-a com o braço esquerdo e ela segura minha direita.

— Não vi você no intervalo, onde estava? — ela pergunta.

— Na quadra de esportes. Estava com vontade de ficar sozinha, sabe? — sorri para ela e ela retribui o sorriso.

— Olha lá o que vai aprontar, hein! — ela fica me olhando por um tempinho. — É bom vê-la assim, sorrindo. Tem bastante tempo desde a última vez em que a vi sorrindo de verdade.

— Eu sei. Mas agora está tudo bem, o.k? Não precisa se preocupar — ela sorri. — Eu tenho que ir, mas amanhã conversamos mais, tá?

— Tá. — ela me abraça novamente. — Se cuida.

— Você também. Tchau, Lu!

— Tchau!

***

Abro a porta do quarto do meu irmão, e também o armário dele e pego a caixa azul escura escondida no fundo de uma das gavetas. Pego uma mini câmera e um aparelho de escuta. Antes de sair do quarto do Otávio, guardo a caixa na gaveta. Em meu quarto, arrumo os dois aparelhos em uma bolsa pequena e preta, entro no banheiro. Tiro minhas roupas, entro embaixo da água fria e penso na hipótese de não estar fazendo a coisa certa. Pensando pelo lado bom, vou colocar aquele professor na cadeia e evitar que muitas outras garotas sejam abusadas e ameaçadas por ele. Já pelo lado ruim, vou ter que me deitar com aquele porco. Vou perder de vez o que me resta da inocência, se é que resta alguma coisa mesmo.

Quero ser útil, mesmo que só por um dia. Quero ajudar, de alguma forma, a melhorar o mundo, mesmo sabendo que só este ato não irá mudar muita coisa. Sei que disse antes que não me preocupo com isso, e é verdade, mas não quero que outras garotas sejam alvo também desse homem. Não quero que outras garotas se sintam mal e culpadas. Sei que esse tipo de homem destrói famílias e também pessoas. Tenho uma chance de evitar isso, então nada vai me fazer mudar de ideia.

Termino de me vestir e prendo o meu cabelo em um rabo de cavalo. Observo-me pelo espelho e reparo na brancura da minha pele. Não gosto de ser branca desse jeito, preferiria ser mais morena, com mais cor. Acho tão lindo as mulheres morenas, principalmente aquelas com cabelos cacheados volumosos. Elas sempre parecem felizes, mesmo sem um sorriso nos lábios. Já no meu caso, transpareço tristeza somente pela minha cor pálida. Se alguém me encontrar deitada, de olhos fechados, provavelmente irá pensar que estou morta e se tocar em mim irá ter certeza. Sou muito fria, quase como um cadáver, o que comprova que minha alma já está morta há muito tempo. Porém, meu corpo não. Meu coração continua batendo, eu continuo respirando, continuo acordando todo dia de manhã.

Depois que pega a bolsa, saio do meu quarto e entro na sala. Comunico ao meu irmão.

— Vou dar uma saída — Otávio desvia os seus olhos da TV e me encara.

— Aonde você vai?

— Dar uma volta por aí.

— Posso ir junto?

— Não.

— Por quê?

— Porque não.

— Isso não é uma resposta argumentativa que me faça ficar em casa.

— Que tal quinze reais?

— Humm. — ele pensa. — Tudo bem, mas se a nossa mãe chegar e você não estiver aqui “cuidando” de mim, ela irá te matar.

— Relaxa, já estou acostumada com as histerias dela. — pego uma nota de dez e outra de cinco e entrego na mão do Otávio. — Juízo.

— Isso é o que não me falta, mas no seu caso...

— Tchau, Otávio. — aceno de costas e saio pela porta.

Tiro a bicicleta da garagem e saio pedalando pelas ruas escuras da cidade. Tento ao máximo não pensar no que irá acontecer daqui uns minutos. O motel não fica muito longe, mas sendo sincera, eu desejo que fosse. Quanto mais perto eu fico do motel, mais nervosa também fico. Durante todo o caminho, fico repetindo palavras para me tranquilizar:

— É por uma boa causa. É por uma boa causa. É por uma boa causa. Você não vai se arrepender, Vitória. Você não vai. Seus pais vão te entender. Eles vão...

Quando tive a ideia, não imaginei que ia ficar com tanto medo e nervosismo. É uma coisa simples, afinal. Vou fazer um teatrinho, ele vai me ameaçar de novo, a câmera vai filmar, a escuta gravar e eu me debater durante todo o momento. Só de imaginar aquele homem tirando a minha roupa e... É muito nojento, mas é por uma boa causa. Respiro fundo e depois solto o ar pela boca. Não tem como voltar atrás, e mesmo se tiver, eu não vou voltar.

Não posso fraquejar agora.


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Notas finais do capítulo

Então, gostaram?



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