Intransitividade escrita por AmanditaTC


Capítulo 7
Quem de Nós Dois




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Túlio não queria perder tempo. Pensou em ligar para Babi e descobrir mais sobre a tal festa que elas iriam no fim de semana, mas decidiu que talvez falar pessoalmente com a professora surtisse maior efeito.

 

Pegou o carro e dirigiu até o Clube Poliesportivo, onde sabia que a professora estava organizando a Colônia de Férias. Estacionou perto da quadra de vôlei e foi ter com ela.

 

Se Babi estranhou a presença do ex-aluno ali, não comentou nada. Apenas se aproveitou do fato e antes de deixar que ele falasse qualquer coisa, foi pedindo favores, colocando o rapaz para carregar a rede de vôlei, as caixas com os uniformes, os sacos contendo os objetos que ela utilizaria na caça ao tesouro e até ajudando a varrer a quadra de futsal, onde as atividades com as crianças menores aconteceriam.

 

Depois de quase uma tarde inteira de trabalho duro, Babi sentou numa das arquibancadas ao lado de Túlio e disse, sem tirar os olhos da garrafa de água que tentava abrir:

 

- Fala aí! Você estragou as coisas com a Mah e agora quer minha ajuda?

 

- Como você sa... Quer dizer, o quê? – ele gaguejou, surpreso da moça saber exatamente o que ele queria.

 

- Vocês dois acham que eu sou boba? Não é porque me formei em Educação Física que não tenho cérebro, viu doutor?

 

E diante da perplexidade dele, que encarava a ex-professora de boca levemente aberta, ela continuou:

 

- A Mah não me disse nada. Mas eu sei. Eu sempre soube que entre vocês rolava alguma coisa. É questão de química. Sai faísca quando vocês ficam perto e só um completo idiota não perceberia. Cansei de falar isso pra ela.

 

Eles ficaram em silêncio, observando a quadra vazia. Babi, que finalmente tinha conseguido abrir a garrafa de água, bebia com calma.

 

- Ela ta muito chateada comigo?

 

- Demais. Nunca vi a Mah assim. Ela não falou no seu nome a semana inteira. E quer saber, das outras vezes eu ficava de saco cheio de tanto que ela falava de você.

 

Túlio suspirou, pensando se estaria tudo realmente perdido.

 

- O que eu faço? – perguntou, com um tom de voz levemente derrotado.

 

- Em primeiro lugar melhora essa cara. Tenho certeza que de cara de bunda na vida da Mah já basta o Fabrício. – ela falou dando um soco de leve no ombro do rapaz – Em segundo lugar, me responde você o que quer fazer.

 

- Eu... – ele riu, encabulado – não tenho certeza. Mas queria que ela me desse uma chance, sabe?

 

- Isso a gente pode arranjar.

 

- Você me ajuda então?

 

Babi levantou da arquibancada, espreguiçou-se e olhou de jeito divertido para ele:

 

- Ajudo, mas você vai ter que ser monitor da criançada. Pelo menos um dia da semana que vem.

 

**************

 

Tudo combinado com Babi, Túlio seguiu para a festa sentindo o estomago revirar. Parecia idiotice ficar tão nervoso por causa de uma mulher. Mas intimamente, ele sabia que Mariah não era uma mulher qualquer, ela era mais velha que ela uns bons 8 anos. Além de ser sua melhor amiga e conhecer praticamente todos os seus defeitos e qualidades.

 

Avistou as duas mulheres na porta da casa de shows e se aproximou, tentando parecer casual. Mariah não foi indelicada e aceitou o abraço de cumprimento que ele lhe deu, assim como Babi.

 

Entraram os três e mais alguns amigos delas, procuraram uma mesa próxima a pista de dança e se acomodaram, pedindo as bebidas em seguida. Babi conseguiu de alguma forma, fazer com que Mariah e Túlio sentassem lado a lado.

 

Aos poucos eles voltavam a conversar com naturalidade e a professora de educação física observava, esperando que o rapaz tomasse a iniciativa e beijasse sua amiga. Mas quase dez músicas depois e nada de beijo. E ela pensou que o melhor seria provocar o lado ciumento de Túlio.

 

Saiu da mesa, alegando que ia ao banheiro e quando voltou, trazia consigo um outro rapaz. Magro, alto, cabelos levemente cacheados e de sorriso aberto e agradável.

 

Assim que Mariah colocou os olhos sobre ele, levantou da mesa, deixando Túlio falando sozinho e correu a abraçá-lo. Conversou algumas coisas com ele e saiu para a pista de dança.

 

Meia hora depois, ela voltou para a mesa, o rosto afogueado, sorrindo e se jogou na cadeira que Babi havia desocupado para dançar com um paquera. Pegou o copo que estava nas mãos de Túlio e provou a mistura de vodka com energético, fazendo uma careta em seguida.

 

Ficaram uns segundos em silêncio, até que ele não resistiu e perguntou:

 

- Então, este vai ser o ilustre desconhecido da noite?

 

- O que quer dizer com isso? – tornou Mariah, sem tirar os olhos da pista de dança rindo dos gracejos de Babi.

 

- Nada. Quer dizer, a Babi disse que ia te apresentar alguns ilustres desconhecidos para ver se você se anima e eu pensei que...

 

- Pensou que eu sou uma adolescente de ir na conversa das amigas?

 

- Não, Mah! Não é isso! – ele tentava encontrar palavras para justificar sua reação, não podia estragar tudo de novo – É só que vocês dois pareciam próximos.

 

- Claro que somos próximos! O Evandro não é um ilustre desconhecido. Ele é um grande amigo que tem me apoiado nesse processo de mudança. Nós nos conhecemos há anos e... Quer saber? Se eu não lhe conhecesse tão bem, poderia jurar que isso nos seus olhos é ciúme.

 

Túlio corou. Abriu a boca para retrucar, mas as idéias não estavam a seu favor. Encarou o próprio copo e respirou fundo.

 

- Eu não acredito... – a moça murmurou.

 

- Desculpa! – ele voltou, meio ansioso – Mas não dá pra não ter ciúmes, ok? Era isso que eu queria te dizer. Poxa, eu passei os últimos dois meses pensando em você. Todo santo dia... E quando eu chego aqui, a gente acaba brigando e depois...

 

- Você tem certeza que vai querer discutir isso? – ela disse, balançando a cabeça.

 

- Não é para ser uma discussão, apenas...

 

- Para! Por favor, Túlio! Você... Você não pode estar falando sério...

 

- Mariah, eu sei que...

 

- Não! Você não sabe de nada! Você chega em mim no fim de uma festa, me fala duas dúzias de palavras e me dá um beijo. UM BEIJO, Túlio. E isso simplesmente destrói toda minha estrutura. Um único beijo seu foi capaz de jogar por terra todas as minhas convicções de que eu vivia feliz. – ele abriu a boca como se fosse falar alguma coisa, mas ela continuou – Não estou culpando você. Quer dizer, eu vou lhe agradecer a vida inteira, porque foi você quem me fez ver que eu era como um náufrago no meio do oceano se agarrando a uma âncora acreditando se tratar de uma tábua de salvação.

 

O peito de Túlio subia e descia, descompassado, enquanto ele ouvia o que a jovem mulher falava com tanta emoção. Ele não conseguia definir qual o sentimento a instigava a falar, mas ainda assim sentia ser impossível não ouvir até o fim ou mesmo desviar os olhos dos dela.

 

- E aí você vai embora, simplesmente porque a sua vida não é aqui. A sua vida é em BH, fazendo sua faculdade e convivendo com seus amigos. E enquanto você diz que passou esses dois meses pensando em mim, eu passei esses dois meses lutando comigo mesma para não pensar em você.

 

- Então você também quer...?

 

- A questão não é o que eu quero, Túlio. A questão é o que a gente pode ou não pode fazer.

 

- Você sabe bem o quão patético é esse argumento.

 

Mariah abriu a boca para responder, mas neste momento Evandro se aproximou com um sorriso animado e a puxou pela mão.

 

- Licença, rapaz, mas essa moça aqui prometeu que dançaria comigo a noite inteira. Vamos, Mah, essa é a nossa música, lembra?

 

Ela se deixou arrastar para o meio da pista, diante do palco onde a banda executava um cover de Beautyful Day de U2 com perfeição, seguindo o ritmo que o jovem dentista emprestava à dança. Vez ou outra ela se arriscava a lançar um olhar para onde Túlio estava, conversando agora com Babi.

 

- Quer saber, vocês dois me irritam. – Babi comentou, dando um tapinha na mesa. – Vou ter que tomar minhas próprias medidas. E vê se desta vez você não ferra com tudo.

 

- Onde você vai? – ele perguntou vendo-a levantar da cadeira.

 

- Vou aceitar o convite do Marcinho e vou cantar. E vê se chama a Mah, pra dançar.

 

Antes que ele pudesse entender o que estava acontecendo, Babi subia no palco, ajudada pelo guitarrista. Marcinho interrompeu o show com um sorriso, anunciando que finalmente tinha conseguido convencer Babi a cantar. Elogiou a moça, falou que poucos conheciam a voz de diva que ela tem.

 

- Que música você quer cantar, minha flor? Até deixo você escolher. – ele brincou passando o microfone para ela e pegando o violão para fazer o acompanhamento.

 

- Oba, já que posso escolhar, acho que vou de Ana Carolina. Quem de Nós Dois, pode ser?

 

- Certeza?

 

- Ah, é que tem dois amigos meus que precisam ouvir essa música. – ela respondeu, com um sorriso, puxando uma banqueta alta e sentando perto de Marcinho que já puxava os primeiros acordes.

 

Eu e você

Não é assim tão complicado

Não é difícil perceber...

Quem de nós dois

Vai dizer que é impossível

O amor acontecer...

 

Túlio entendeu o recado e saiu em busca de Mariah. Ela estava abraçada, dançando com Evandro e conversando, quando sentiu a mão do rapaz em seu ombro.

 

Não se sobressaltou. Virou de frente pra ele e esperou que ele falasse:

 

- A Babi está cantando pra gente. – ele disse.

 

- Eu sei.

 

- Então eu acho que você devia dançar comigo.

 

Ela baixou os olhos por um momento.

 

Se eu disser

Que já nem sinto nada

Que a estrada sem você

É mais segura

Eu sei você vai rir da minha cara

Eu já conheço o teu sorriso

Leio o teu olhar

Teu sorriso é só disfarce

O que eu já nem preciso...

 

Ela esticou a mão para ele e apenas sorriu para Evandro, que saiu da pista, em direção ao bar.

 

Túlio a abraçou e pensou em falar alguma coisa. Mas não conseguia, olhava dos olhos da moça para os lábios coloridos de batom vermelho e não conseguia evitar um sorriso.

 

Sinto dizer que amo mesmo

Tá ruim prá disfarçar

Entre nós dois

Não cabe mais nenhum segredo

Além do que já combinamos

 

- Você ainda está brava comigo? – conseguiu sussurrar perto do ouvido dela.

 

- Não. Você sabe que eu não fico brava muito tempo...

 

- Mas sei também que quando quer você sabe bem como guardar mágoa.

 

- Só guardo mágoa quando eu quero, você mesmo acabou de falar. Não quero isso pra gente.

 

No vão das coisas que a gente disse

Não cabe mais sermos somente amigos

E quando eu falo que eu já nem quero

A frase fica pelo avesso

Meio na contra mão

E quando finjo que esqueço

Eu não esqueci nada...

 

Continuaram dançando, até que ele não resistiu e tirou as mãos da cintura da moça, passando a segurar seu rosto e apoiou sua testa na dela. Mariah se mantinha de olhos fechados, mas também moveu as mãos para segurar a nuca de Túlio.

 

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais

E te perder de vista assim é ruim demais

E é por isso que atravesso o teu futuro

E faço das lembranças um lugar seguro...

Não é que eu queira reviver nenhum passado

Nem revirar um sentimento revirado

Mas toda vez que eu procuro uma saída

Acabo entrando sem querer na tua vida

 

- Esse cara, que estava com você... – Túlio falou ainda mais baixo e cheio de insegurança.

 

- É um amigo lindo... Dentista, adora cachorros, ama ler e é apaixonado com crianças. – ela agora olhava os olhos do rapaz e notava a tensão demonstrada no leve crispar de lábios dele – Tanto que ele e o namorado já entraram com pedido de adoção de um casal de gêmeos.

 

Túlio não conseguiu evitar arregalar os olhos.

 

- Ele e o namorado?

 

- É, o Evandro é gay. – ela falou, com uma expressão suave e ao mesmo tempo feliz ao notar o alívio no olhar de Túlio.

 

Eu procurei qualquer desculpa pra não te encarar

Pra não dizer de novo e sempre a mesma coisa

Falar só por falar

Que eu já não tô nem aí pra essa conversa

Que a história de nós dois não me interessa...

Se eu tento esconder meias verdades

Você conhece o meu sorriso

Lê o meu olhar

Meu sorriso é só disfarce

O que eu já nem preciso...

 

A música estava quase acabando, quando Túlio a abraçou de volta, agora mais apertado, se deixando sentir o perfume que emanava do pescoço e dos cabelos de Mariah.

 

- Mah, a gente...

 

- Eu sei... mudou, né?

 

- É. Mas eu ainda queria saber, sobre a pergunta que eu te fiz na biblioteca.

 

- Você sempre soube a resposta, Túlio. Mas não vai ser hoje.

 

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais

E te perder de vista assim é ruim demais

E é por isso que atravesso o teu futuro

E faço das lembranças um lugar seguro...

Não é que eu queira reviver nenhum passado

Nem revirar um sentimento revirado

Mas toda vez que eu procuro uma saída

Acabo entrando sem querer na tua vida

 

- Ta certo, Mah. Eu te espero...

 


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Notas finais do capítulo

Gente, escrever esta história tem sido como uma terapia pra mim.

Viver um processo de mudança tão radical quanto uma separação, colocar pontos finais em sonhos e planos nunca é uma situação agradável mesmo que se tenha a convicção de que vai ser mais fácil ser feliz separado do que junto, não é nada prazeroso.

Mas quando se tem a oportunidade de passar certas impressões "para o papel", o fardo de suportar a liberdade repentina se torna mais leve.

E quando se pode compartilhar com outras pessoas, que lêem, torcem, te escrevem dizendo o qto torcem pela sua história de vida ou de ficção, tudo tem uma nova energia.

Então, só queria agradecer a vcs q tem feito isso comigo. Um beijo no coração de cada um!



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