Intransitividade escrita por AmanditaTC


Capítulo 11
Intransitivo




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***** 12 anos depois *****

 

- Oi, desculpa o atraso. A cirurgia de hoje foi difícil... Ele já se apresentou? – Túlio cumprimentou Mariah com um selinho e se sentou ao lado dela no grande auditório do Colégio Marista.

 

- Não, ainda tem duas apresentações antes da dele. – ela respondeu.

 

- Onde está a Bia? – o médico perguntou, procurando a filha “caçula” entre as cadeiras vizinhas.

 

- Está chegando ali, de mão dada com a sua mãe. – Mariah sorriu para a pequena mocinha de apenas 3 anos, que usava um vestido de florzinhas azuis e uma fita branca nos cabelos negros iguais aos do pai.

 

Assim que viu Túlio sentado, ela soltou a mão da avó e correu, pulando no colo do pai, jogando os braços ao redor do pescoço dele e o abraçando com vontade.

 

- Mariah – a sogra chamou com a voz baixa – tem um homem te procurando lá fora.

 

Ela trocou um olhar apreensivo com o marido e saiu do auditório, deixando a câmera com Túlio para que filmasse a apresentação de violão clássico do filho mais velho.

 

No saguão do teatro da escola, Mariah reconheceu Fabrício. Bem mais velho, cabelos começando a ficar grisalhos, aparência abatida e cansada.

 

- Mah! – ele exclamou e se adiantou ao encontro dela – Ainda posso te chamar assim, né?

 

- Como me achou aqui? – ela falou, ignorando a pergunta dele.

 

- Sua mãe me falou que seria mais fácil falar com você hoje. Como tem passado?

 

- O que quer? – ela foi direta.

 

- O Érico está bem?

 

- Graças a Deus. Fabrício, não posso perder tempo jogando conversa fora. Meu filho vai se apresentar e eu quero estar lá para aplaudi-lo.

 

Ela deu as costas e já voltava pelo mesmo caminho quando um soluço seco chamou sua atenção. Fabrício chorava e quando ela tornou a olhá-lo, os ombros dele chacoalhavam e ele se agachava, encostado à parede.

 

- O que...? – ela ameaçou perguntar.

 

- Meu filho, Cauã, está morrendo, Mah!

 

Ela processou tudo muito rápido. Primeiro a informação de que ele tinha outro filho. Depois, o modo como ele falou “meu filho” soou como se o menino em questão fosse o único e isso doeu. E por fim, o fato da criança estar doente.

 

- O que ele tem? – ela questionou, em voz baixa, puxando Fabrício para que se sentassem no jardim.

 

Assim que ele se acalmou, começou a explicar:

 

- Cauã foi diagnosticado com leucemia. Já fez todos os tipos de tratamento existentes, mas nada surtiu efeito e o médico acha que só um transplantes para salvá-lo. Já fizemos os testes e ninguém lá de casa é compatível. Ele só tem 7 anos, Mah...

 

Por um minuto, só os suspiros de Fabrício eram ouvidos pelo jardim.

 

- O que quer de mim? – ela falou mais uma vez.

 

- O médico disse que as chances de um irmão ser compatível eram maiores, mas a Carolina não pode ter mais filhos... Eu pensei que se falasse com você, o Érico...

 

Mariah se levantou bruscamente. Como a vida podia exigir isso dela? Ela começou a andar em círculos e esboçar pequenos gestos inconformados.

 

- Mah, por favor!

 

- Não! Eu não vou pedir ou obrigar o eu filho a salvar o seu, Fabrício. Durante todo esse tempo, o Érico ficou doente inúmeras vezes e nem mesmo quando a gente capotou o carro, há cinco anos, e ele ficou duas semanas no CTI, em coma induzido, você deu as caras.

 

- Mas...

 

- Não! Se você quiser a ajuda dele, você mesmo deve pedir. E ele precisa da minha autorização para se submeter ao procedimento. Então, já fique ciente que eu vou respeitar a vontade dele.

 

Ela já estava quase entrando no auditório novamente quando Fabrício questionou, em voz alta:

 

- E se ele recusar?

 

- Aí você vai aprender que tudo que a gente faz na vida tem uma conseqüência.

 

Fabrício passou uma hora ali, esperando o evento acabar. E quando Érico saiu, mesmo se não estivesse acompanhado de Mariah, ele o reconheceria. Era uma cópia sua aos seus 15 anos.

 

Aproximou-se da família reunida e não pode evitar a expressão contrariada ao ver que Túlio conversava com o rapaz e este o chamava de “pai”.

 

- Érico! – chamou tentando manter a voz firme e animada.

 

O rapaz olhou para Fabrício e depois para a mãe e se afastou do grupo indo falar com o ai biológico. Situação no mínimo constrangedora, já que o pai queria abraça-lo, mas ele não correspondeu.

 

- Minha mãe me disse que você tem um assunto sério para falar comigo.

 

- Você sabe quem eu sou? – perguntou, embaraçado.

 

- Sei. Você é o dono do meu material genético. A gente pode conversar logo? Meu pai saiu mais cedo do hospital hoje e quer levar a gente para comer uma pizza.

 

- Tudo bem. – ele concordou e foi com o rapaz para um lugar mais tranqüilo.

 

Mariah andava de um lado para o outro e nem quando Túlio a abraçou, ela conseguiu aquietar o coração.

 

Depois de explicar toda a situação ao jovem, Érico ficou uns cinco minutos em silêncio e por fim perguntou:

 

- Eu posso fazer essa doação aqui em BH mesmo?

 

- Pode. Você faria o teste no Hospital das Clínicas mesmo e se for compatível o pessoal vem aqui e faz a coleta.

 

- Ok.

 

- Ok?

 

- Ok, vou doar. – Érico falou com tranqüilidade.

 

Fabrício se precipitou a abraçar o menino dizendo:

 

- Sabia que não ia decepcionar seu pai.

 

- É, não quero mesmo decepcionar meu pai. Ele é oncologista e sempre reclama da falta de doadores. Além disso, quando eu me acidentei, precisei de doadores de sangue e não conhecia nenhum deles. Vou estar retribuindo isso, ajudando um estranho. Você liga no Hospital das Clínicas e combina tudo com o meu pai.

 

E sem se despedir, Érico voltou até a família e saiu com eles sem olhar para trás.

 

Horas mais tarde, deitada nos braços do marido, Mariah comentou:

 

- Tenho orgulho do Érico. Tenho muito orgulho da nossa família.

 

- Tenho orgulho da mulher que você é, Mah. – Túlio respondeu – Forte, linda, guerreira.

 

- Você me fez assim...

 

- Não. Você sempre foi assim. Eu só não te deixo esquecer disso. – ele completou em voz baixa, dando um beijo apaixonado na esposa.

 

Eles apagaram a luz, deixando apenas a iluminação indireta dos abajures ao lado da cama. Mariah afofou seus travesseiros e deitou, comentando:

 

- Nós temos uma família linda, né?

 

- Nós temos uma família “de verdade”. Eu, você, o Bart, nossos dois filhos...

 

- Três.

 

- Três o quê?

 

- Três filhos, Túlio. – ela sorriu, calma, e se aconchegou nos travesseiros, fechando os olhos não sem antes esticar a mão e pegar um papel em cima do criado mudo e entregá-lo ao marido – Peguei o exame hoje. Boa noite, amor!

 

Túlio ainda ficou anestesiado, olhando para o exame, enquanto Mariah sentia o torpor do sono tomar conta de seus músculos. E antes de dormir ela pensou, feliz consigo mesma, que são só havia vencido o propósito de se redescobrir, como garantiu que Érico crescesse física e moralmente inteiro.

 

E percebeu que sonhar também era mais um de seus verbos intransitivos. Por mais que um sonho não se realizasse ou demorasse para que isso viesse a acontecer, ele continuava lá, na sua essência.

 

Sonhar, amar, lutar, perder, recomeçar e sonhar outra vez. A eterna intransitividade da vida.

 


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Notas finais do capítulo

Sim... terminei Intransitividade!
Foram alguns meses de muitas decisões, emoções e mudanças para conseguir chegar até aqui.
Sei que o final ficou meio clichê, mas acredito que em algum momento todo mundo precisa de algo clichê em sua vida!

Agradeço a você que acompanhou essa história e espero sinceramente que tenha gostado.

Um beijo grande e até outra original...rs...



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