As palavras de Liv atingiram meus ouvidos com sete vezes mais força do que o soco que eu dei na cara de Miles. Do que ela estava falando? Era quase impossível alguém fazer algo do tipo com o Miles, ele podia parecer um chihuahua, mas era um chihuahua que transformaria um dobermann em um poodle castrado.

– Do que você está falando? – Perguntei assustado.

– Ross me exibia na webcam com ele. – Miles não estava mais chorando. – As pessoas pagam muito caro por pedofilia.

– O quê? Por que ele faria uma coisa dessa? – Rato perguntou ainda mais assustado do que eu.

– Como vocês sabem Ross é doze anos mais velho que eu. – Miles disse encarando o chão. – Quando ele tinha dezoito anos e eu seis, ele pretendia fugir, igual eu fiz, mas sem a entrada dramática, obrigado Leo. Enfim, ele precisava ganhar dinheiro rápido, então ele fez o que fez. Quando meus pais descobriram não fizeram nada, não contaram para a polícia, não bateram nele, não o obrigaram a pedir desculpas. Eles me deixaram no mesmo quarto que aquele tarado nojento por mais alguns meses.

Ele limpou o sangue do nariz.

– Por isso eu não me dou bem com a minha mãe, nem com o meu pai. - Ele soltou uma gargalhada. – Mas eu prefiro ficar pulando de um lado para o outro com ele.

Como ele podia gargalhar enquanto falava de um assunto tão sério? O meu estomago dava centenas de milhares de voltas enquanto eu tentava segurar o choro e não bater em Miles mais uma vez. Como ele podia ter sido tão burro de não ter contado nada para ninguém? Como ele pode ter deixado o próprio irmão fazer algo assim?

– Quanto tempo isso durou? – Freya parecia estar prestes a cair desmaiada no chão.

– Alguns meses. – Ele deu de ombros. - Pais não costumam entrar na casa da árvore dos seus filhos, por mais que eles guardem suas revistas pornôs lá. Eu não tinha nenhuma revista, mas eu tinha um Reality Show.

Miles sempre gostou de um pouco de atenção, é impossível negar, mas acho que chamar o que a maioria das pessoas consideram um trauma de Reality Show passa completamente dos limites.

– Ok, é uma história de vida perturbadora, mas por que você fez isso com a gente? – Kyle perguntou.

– Daniel, eu odeio segredos, sempre odiei. – Miles disse sério. – Enquanto houver algum segredo entre um grupo de pessoas não haverá felicidade. Se meus pais não tivessem guardado segredo, Ross estaria preso, assim como os vários pedófilos tarados que nos assistiam.

– Não acho que contar que eu perdi um bebê vai fazer alguma coisa com os pedófilos...

– Se o seu bebê tivesse nascido os pedófilos fariam algo com ele.

Por toda a minha vida eu amei uma briga, até mesmo quando meus pais brigavam. Mas eu realmente queria que tudo isso acabasse.

– Ok, não importa. – Miles pegou uma mochila. – Voltem para casa e finjam que nunca me viram.

– Você vai com a gente. – Segurei o pulso dele.

– Por favor, você me conhece muito bem e sabe que eu não vou voltar para casa em um carro com os meus amigos. – Miles disse. – Pessoas fazem isso todos os dias. Eu acho. Mas eu quero algo triunfal. Eu não fiz tudo isso por diversão.

– Fez pelo quê? – Liv perguntou.

Miles procurou alguma coisa dentro da mochila.

– Vingança. – Ele levantou um revólver e apontou para mim com um sorriso estranho no rosto. – Água?

Senti o líquido gelado respingando no meu rosto.

– Ross voltou a morar aqui, ele está casado. – Miles disse bebendo a água do seu revólver de brincadeira que era muito realista. – Vou dar um susto nele, depois eu vou sumir por um tempo, eu já tenho dinheiro a suficiente para ir para algum lugar longe.

– Você não pode fazer isso. – Falei.

– Claro que eu posso, eu sou Miles Foxx. – Miles puxou soltou o seu braço e quase instantaneamente saiu correndo escada abaixo.

Meu plano de tentar seguir ele terminou no segundo degrau da escada.

***

A luz forte e a dor de cabeça me impediam de abrir os olhos, mas eu conseguia reconhecer o típico e enjoativo cheiro de hospital. Conforme me acostumei com a claridade consegui abrir os olhos com dificuldade. Meu pai estava jogado em uma poltrona e minha mãe estava sentada ao lado da minha cama.

– Onde está o Miles? - Perguntei com dificuldade.

– Graças a Deus. – Minha mãe sussurrou. – De onde vocês tiraram essa história de que o Miles estava aqui?

Minha mãe nunca foi o tipo de mãe calma, então não era de se impressionar que ela estava completamente irritada comigo.

– Ele estava aqui.

– Não, Leonard, ele não estava. – Minha mãe disse.

– Sim, ele estava, pergunte ao Kyle...

– Kyle e os outros nos contaram toda a história, para nós e para a polícia. – Minha mãe disse. - Vocês acharam que ele estava aqui, foram procurar no farol, você ficou com frustrado e caiu da escada. E agora está com sete pontos na testa e cinco meses de castigo.

– Não, ele estava aqui. – Resmunguei. – Eu vi ele, eu não estou ficando louco...

De certa forma é constrangedor dormir enquanto fala, é como se eu tivesse pulado de dezessete para oitenta anos em uma noite. De qualquer forma Miles havia dado seu jeito de escapar outra vez, mas agora ele teve ajuda dos meus amigos.

Senti uma mão gelada tocando levemente a minha testa. Quando abri os olhos ele estava ali, sorrindo como se estivesse acima de qualquer pessoa do mundo. Miles estava me encarando como se eu fosse um filhote de cachorro que correu atrás da bolinha quando o seu dono na verdade só fingiu que jogou ela.

– Eu te amo, eu sempre te amei e sempre vou te amar. – Ele sorriu. – Mas não me obrigue a passar por cima de você como eu fiz com os outros. Algum dia eu vou voltar para casa e ficar com você, mas a hora não é agora. Enquanto eu não voltar não fale meu nome sem necessidade, não deixe ninguém descobrir que vocês me encontraram. Eu já te falei para onde eu vou, infelizmente eu vou ter que adiar minha vingança.

Encarei Miles perplexo de mais para dizer qualquer coisa.

– Volte a dormir. – Ele me deu um beijo na testa. – Eu vou voltar para começar e terminar o que você queria, eu prometo. Eu sei que não é hora para ser vulgar. Volte a dormir, meu Leonard.

Tudo ficou escuro mais uma vez.