Estacionei o carro o mais perto possível do píer, ficando assim razoavelmente perto do quiosque do velho que vendia sorvete. Era impossível contar quantas vezes eu já havia tomado sorvete ali, estando com Miles ou não.

Mesmo com o sol não tão forte quanto de costume a areia estava pelando. Uma lágrima brotou em meus olhos quando dei o primeiro passo na areia fofa, branca e maligna. Kyle não pareceu se importar com os pés queimados ou coisa do tipo, pois não demonstrou nenhuma reação de dor ou algo parecido.

– Leonard. – O velho senhor sorriu quando me viu. – Parece que esse é um tempo de reencontros, outro dia o menino Miles esteve aqui, está tão mudado, nem parece aquele garoto com olhar inocente e rosto angelical.

– Olá. – Sorri.

– Eu quero um sorvete cinzento, por favor. – Kyle se apressou.

O velho lançou um olhar sombrio sobre Kyle, mas acabou entregando uma caixa de papelão congelado para o garoto.

– Vão querer mais alguma coisa? – Ele perguntou sorrindo novamente.

– Não, obrigado. – Respondi.

Voltamos correndo para o carro soltando alguns gritinhos e gemidos doloridos por causa da areia. Assim que entrou no carro Kyle abriu a caixa com certo receio, dentro dela havia cinco picolés, e um envelope. Um picolé foi entregue para cada um e Kyle abriu o envelope rapidamente, dentro dele havia um bilhete e um CD.

– Primeiramente tomem o sorvete. – Kyle torceu o nariz.

Quando Miles quis dizer “sorvete cinzento” ele não estava brincando. O picolé era tão escuro que se assemelhava ao preto. Mas era só o picolé de limão mais azedo que eu já havia provado na vida.

Kyle colocou o CD no rádio e rapidamente a voz de Miles invadiu o carro.

– Querido Kyle, ou melhor. Querido Daniel. – Miles respirou fundo. – Você vai ser o único que não vai receber uma carta, acho que você não daria conta de ler o que eu vou dizer, eu sou muito querido.

Kyle ficou mais branco do que já era.

– Vocês sabiam que o nosso Kyle não é o Kyle original? Eu também não sabia até o momento em que eu fui procurar o meu passaporte e acabei achando alguns documentos do Carter e algo bem melhor, o diário. – Miles fez uma rápida pausa. – Ok, vamos lá. Sabemos que o pai e a mãe de Kyle vivem brigando pela guarda dele, mas também sabemos que ele não é tão querido assim. Porém, o Kyle original era. A partir de agora chamarei Kyle por seu nome verdadeiro, Daniel. Acho que todos são filhos únicos, então não sabem como é não ser o filho preferido, mas enfim, como a história é um pouco pesada eu transformei em uma bela historinha para os meus bebês.

Miles limpou a garganta.

– Há muito tempo, uma bela mulher e seu belo e não amado marido, tiveram dois bebês. – O tom de voz do garoto era incrivelmente calmo. – O primeiro se chamou Kyle, o segundo Daniel, o primeiro uma benção, o segundo um intruso. Na teoria, o amor dos pais deve ser dividido igual entre cada um dos filhos, mas na prática não foi bem assim. Enquanto o pequeno e original Kyle era tratado como um príncipe, o pequeno Daniel se limitava aos luxos de ter uma mamadeira e fraudas limpas. Entretanto, todo o amor dos pais dos bebês não foi o suficiente para que o menino Kyle fosse saudável, os deuses, acabaram punindo os pais pelas diferenças e mataram o pobrezinho.

Nesse momento da história Kyle estava tão branco quanto o envelope que ele segurava nas mãos.

– Pais comuns iam enterrar o bebê morto e dar todo o amor que restava para o bebê vivo. – Miles fez um barulho estranho com a boca. – Mas não foi isso que eles fizeram. Eles trocaram os nomes dos bebês e começaram a agir como se o pobre e mal-amado Daniel tivesse morrido. Eles não vivem brigando pela guarda de Daniel pelo fato de amarem o filho, mas na verdade eles não querem perder o outro Kyle.

Tentei tirar o CD do rádio, mas Kyle ou Daniel – eu estava completamente perdido – deu um forte tapa na mão.

– Uma bela história, não? – A voz de Miles relaxou. – Será que se eu morrer eles vão te chamar de Miles? Enfim, como vocês sabem eu sou tipo um rei para vocês. Isso faz de Kyle Daniel - vou chamá-lo assim, Ok? Ok.- um príncipe ou alguma coisa assim, eu nunca entendi como a realeza funciona. Ok, o príncipe Kyle Daniel acha que é mais importantes do que alguns membros do grupo, ou seja, o pequeno e indefeso Rato. Desculpe Rato, mas você é meio inútil, tenho que concordar com ele. Mas se não fosse por mim você estava fora da pista, já que não é só o nome que ele tem de falso. Isso não acaba aí, Liv, minha querida Liv, foi ele quem espalhou que você dormiu com outra garota. Kyle Daniel, você tem que aprender a controlar essa sua língua.

Miles soltou uma risadinha e continuou falando.

–Agora terminou, saibam que eu digo a verdade porque eu amo vocês.

O carro ficou em silêncio assim que a gravação acabou, mas infelizmente foi quebrado rápido de mais.

– Rato... – Kyle começou com a voz tremula, mas foi interrompido por Rato.

– Mas que diabos? Quem segurou sua cabeça e te consolou quando você estava bêbado? Quem te ajudou a passar de ano? Quem levou a culpa no dia que você me obrigou a invadir a escola? Quem apanhou por você? E o que você já fez por algum de nós? Nada. Pode devolver essa blusa porque fui eu quem te deu, sabe quanto custa uma original da WWE?

– Eu não vou tirar a blusa. – Kyle disse indignado.

– Vai sim, eu ajudei a pagar e você não é digno de Brie Bella. – Freya disse raivosa. - Peço desculpas às Santas Gêmeas Bella.

– Liv, faça alguma coisa. – Kyle implorou.

– Eu te comprei a calça no seu aniversário do ano passado e eu a quero de volta. Agora.

Então Kyle começou a chorar. Não como se ele estivesse triste ou assustado por Miles ter contado os segredos dele. Kyle estava chorando como uma criança mimada no mercado. Isso acabou deixando todo mundo assustado.

– Isso é injusto. – Ele disse tirando a blusa e jogando na cara de rato.

– Posso ficar com ela? – Freya perguntou para Rato.

– Claro.

Meu celular tocou.

– Belo corpo, Daniel. – A voz de Miles soou satisfeita. – Isso não é uma gravação, mas eu não estou ouvindo vocês, então poupem suas vozes.

– Eu te odeio. – O choro de Kyle mudou totalmente para algo silencioso. – Eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio...

A voz do moreno foi diminuindo até se tornar um leve sussurro.

– Liv. Amor da minha vida. – Miles continuou ignorando Kyle. – Felizmente aquela gente velha que se mudou para a minha antiga casa não tocou na minha pequena e feliz casa da árvore, alguns dos meus segredos estão lá, quero que você entre lá sozinha e absorva toda a informação para si mesma. Os outros não fiquem tristes, mas vocês nunca prestam atenção na pobre Olivia, então sem problemas. Voltem para a minha casa. Amo vocês.