A Garota das Amoras Vermelhas escrita por Cath Rose


Capítulo 4
Capítulo 4 – A Praça Principal


Notas iniciais do capítulo

As aparências enganam, e às vezes os que você menos espera podem mostrar o outro lado de sua personalidade.



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Me dirigi a Praça Principal sozinha. Passei por algumas lojas de roupa e instrumentos musicais, mergulhada em devaneios e pensamentos repletos de pavor e soluções alternativas. Lembro-me de visitar muito as tais lojas de música com a minha falecida mãe, que era uma insígnia pianista. Ela costumava tocar para nós em fins de tarde chuvosos. Não me lembro muito de detalhes, mas sei que suas músicas davam uma sensação de calmaria e serenidade.

Minha cabeça ainda girava por ter de processar tantas informações ao mesmo tempo. Eu andava com postura, como se nada tivesse acontecido, mas devo admitir, estava furiosa e abalada. As pessoas ainda me encaravam, algumas até sussurravam. Eu não gostava disso, realmente me incomodava. E até demais, a ponto de eu querer espancar todos que eu via fazendo-o.

– Sim, eu fui a escolhida! Surpresas?! Que pena! Vocês são um bando de coitadas, isso sim, por não conseguirem ser tão boas quanto eu! – disse a um grupo de garotas inocentes, que eu nem sabia o que sussurravam e se realmente estavam falando de mim, o que me irritava ainda mais.

Segui em frente, até a fila em que as amostras de sangue eram coletadas. Após uma mulher espetar uma agulha no meu dedo, como de costume, fui instruída a seguir até a parte onde os jovens da minha idade ficavam.

Os edifícios que rodeavam a praça estavam repletos de cartazes e equipes de filmagem ansiosas. Era até cansativo ter de ver os mesmos rostos da Capital e suas expressões exageradas de ansiedade todos os anos.

Em outros distritos, alguns jovens costumam colocar seus nomes mais vezes no sorteio em troca de um ano de suprimentos, como grãos e óleo. Como é de se esperar, no Distrito 1 nós não costumamos fazer isso. Por dois motivos: O primeiro é que não precisamos de mais comida, já que a maioria de nós já a tem abundantemente, e, o segundo, é que há 90% de chance de alguém se voluntariar por você se você for o sorteado. É... Às vezes alguns babacas da Academia desistem de se voluntariar. Mas, é claro que eles ficam com uma reputação ruim para o resto das suas vidas. Eu acho que são uns medrosos. Uns puros medrosos.

Consegui pegar um lugar bem perto do palco, para que fosse mais fácil me voluntariar. Uma pena, isso só me daria a chance de ver os detalhes desprezíveis da roupa da mulher da capital ainda melhor. A mesma acabara de chegar e dar dois toques com seu dedo indicador no microfone para testá-lo, como de costume.

Era a mesma de todos os anos, com o cabelo verde, a maquiagem exagerada e as roupas extravagantes e muito coloridas.

À medida que as pessoas iam chegando, eu me sentia cada vez mais num lugar apertado e claustrofóbico. Esse era um dos problemas da Colheita, ela era como um pote de sardinhas, cheia de jovens suados e fedidos se espremendo uns nos outros.

No palco, situavam-se cinco cadeiras. A primeira, ocupada pelo meu pai; a segunda, pela Senhora Farah; a terceira, pela estranhíssima mulher da Capital; a quarta, por um grande homem loiro, ganhador da 35ª Edição; e a quinta por uma moça magra e de cabelos escuros, ganhadora da 41ª Edição.

Para abrir a cerimônia, meu pai dirigiu-se a frente, tomando o lugar da mulher-verde-da-Capital. Ele, como em todos os anos, iria fazer seu pequeno discurso sobre o nosso distrito. Começaria falando sobre a criação de Panem e sua divisão, e logo, partiria para a história do Distrito 1 e como a dinastia Gold havia sempre cuidado e o administrado tão bem. Após isso, faria seus agradecimentos e receberia palmas e mais palmas da nossa população.

– Silêncio, silêncio – nossa Mestre de Cerimônias pigarreou. – Obrigada, Senhor Gold, pelas belas palavras sobre o Distrito 1. Bom... Bem-vindos a Quadragésima Sétima Edição dos Jogos Vorazes! Uma data muito esperada por todos, incluindo vocês, meus queridos carreiristas! Antes de começarmos o sorteio, eu trouxe um filminho vindo lá da Capital, espero que gostem – terminou ela, com sua voz fina de ensurdecer os ouvidos.

O telão da praça foi ligado e o mesmo filme tedioso de todos os anos sobre os Dias Escuros e a rebelião que deu origem aos Jogos foi passado. A revolta dos distritos e a aniquilação do 13, seguidas pela punição mortal da Capital, até então mãe amorosa, que se transformara num monstro desafiador e rigoroso que preza a rivalidade entre os filhos e pouco se importa com os seus problemas de fome, tristeza e dor. Um filme ridículo, com certeza, tanto quanto a própria história. Por mais que meu sonho fosse ir para os Jogos, eu adoraria fazer uma rebelião e provar para a Capital que somos tão fortes quanto ela.

– Lindo! Um filme certamente emocionante, não é mesmo? – ela disse. – Então... Agora chegou o momento de selecionarmos os nossos jovens sortudos que terão a honra de representar o Distrito 1 e mostrar a sua bravura nesta edição dos Jogos Vorazes! Como sempre, as damas primeiro! – a mulher se dirigiu a urna feminina. Sua mão ia de um lado para o outro, procurando um bilhetinho escondido entre os lados.

– E o tributo feminino deste ano será... – ela pausou por alguns segundos, franzindo o cenho e forçando os olhos para poder ler o tal nome. – Felicia Rebulus!

Houve uma pausa de alguns segundos, enquanto todos encaravam uma menina de cabelos castanho-avermelhados a mais ou menos umas quatro fileiras atrás de mim.

– Não, serei eu! Eu me voluntario! – a interrompi, praticamente gritando.

A plateia se voltou para mim.

– Nossa... Quanta empolgação! – ela respondeu, dirigindo seu olhar a mim e dando finas risadinhas. – Tudo bem, suba aqui então. E... Qual o seu nome, querida?

– Serena, Serena Gold. – respondi, subindo rapidamente os largos degraus.

– Excelente. Outra Gold! Ah, filha de dois vitoriosos! Não me surpreendo, sua família deve estar orgulhosa. Então... Serena Gold será o tributo feminino deste ano! Fique aí mesmo, querida – disse ela, apontando para o chão. – E o tributo masculino deste ano será...

Uma voz a interrompeu. Era Noah, se voluntariando. Ele parecia deprimido. Pelo menos era isso que sua expressão e sua voz mostravam. Rapidamente, ele subiu ao palco, sem dizer uma única palavra e sem olhar para lugar algum.

Essa cena me deprimiu profundamente. Minha garganta começou a se fechar e finas gotas de água surgiram no meu rosto. “Não, você não pode chorar. Seja forte, como uma verdadeira carreirista. Você não tem pena dele, uma hora ou outra você terá de matá-lo se quiser sobreviver.”

Não ousei olhar para ele, nem por um segundo. Isso faria parecer que me importava com ele, e na verdade, me importava, mas eu não podia mostrar isso, não podia deixar que ninguém soubesse. Com o punho cerrado, limpei meu rosto o mais rápido que pude, fazendo as estúpidas gotas que escorreram desaparecerem.

– Ótimo, dois voluntários! E esses são os dois tributos que terão a honra de representar o Distrito 1 na quadragésima sétima edição dos Jogos Vorazes: Serena Gold e Noah Elody! – falou a mulher da Capital, empolgada, erguendo nossas mãos ao alto, como se fôssemos vitoriosos.

As pessoas aplaudiam freneticamente, e isso me fez ficar orgulhosa, já que depois de tanto tempo de espera eu finalmente realizaria meu sonho. Eu finalmente conseguira a minha chance de provar o meu potencial. Mas então, logo me lembrei de que daqui a alguns dias talvez tivesse de desistir de tudo isso e do mais importante, o meu melhor amigo, ou, até mesmo, a minha própria vida. Meu grande e sincero sorriso foi então ofuscado por uma expressão igualitária entre dentro e fora de mim. Uma expressão de horror, seguida por um forçado auto-contentamento intrigante e aflito, simbolizado por um sorriso amarelo.

Logo, alguns pacificadores nos conduziram até uma sala no Edifício da Justiça, perto de onde meu pai trabalhava. Era lá o lugar em que parentes e amigos vinham para se despedir. Era uma sala luxuosa, com tapetes persas e duas poltronas de veludo vermelho com os pés banhados a ouro.

Sapphire foi a primeira que apareceu, suplicando para que não matasse Noah, mas que desse um jeito de vencer os jogos. Como se isso fosse possível. Papai foi o segundo, apenas para dar boa sorte e confiança, confirmando que eu tinha que ser forte, que eu tinha de vencer, que tinha de ser a melhor, como uma verdadeira carreirista; como uma verdadeira Gold. Como se alguém ainda tivesse dúvidas disso. Kaiden não apareceu, provavelmente estava ocupado com seus sumiços diários. Reedus também veio, estava muito orgulhoso e me dava várias dicas. Disse que eu seria a vencedora, mas que não podia ser eu a pessoa que iria matar Noah. A última visita foi a que mais me surpreendeu. Quem veio foi nada mais nada menos do que minha irmã mais velha, Mia.

– Vença. – disse ela.

– Eu vou. – respondi, confirmando com a cabeça.

– Escuta... Me... Me desculpa por ter sido tão grossa, tão estúpida. Olha... Nós duas somos boas, não precisamos ficar brigando. Além disso, se você vencer já vai ter ganhado de mim, esfregado tudo na minha cara. Eu nunca fui escolhida, e isso é uma desonra, uma baita desonra para a nossa família. Papai vai brigar tanto comigo, estou ferrada. – e como estava. – Mas, ei, escute... Eu não estou prometendo ser legal com você quando voltar, só estou me desculpando pelas coisas que fiz até aqui e que te magoaram, tudo bem?

Devolvi um sorriso. É claro que não seria, mas por enquanto estar se desculpando já era o bastante.

– De verdade, por mais que não demonstre, eu me importo com você, afinal, sou sua irmã. Vença, sobreviva! Só isso que posso te dizer.

Foi aí que, nos abraçamos. Claro, isso nunca mais aconteceria. Nunca. E isso era meio que uma promessa dela. Mas enquanto durasse, seria o nosso melhor momento desde que nossa mãe morreu, então valia a pena.

– Tome – ela falou, me entregando um colar de ouro com um pingente. A figura do brasão da nossa família. – Para você nunca se esquecer de onde veio; onde pertence. Um colar de ouro para a família de ouro. Serena, você é uma Gold, honre a nossa família do melhor jeito que conseguir! Do jeito que eu nunca serei apta a fazer!

– Está na hora, saia – disse um pacificador, invadindo o quarto e arrastando-a para fora da sala.

– Não confie em ninguém! – ouvi-a dizer, enquanto ela já estava com metade do corpo no corredor.

Provavelmente eu tinha acabado de ver a cena mais rara do mundo, em que Mia mostrou ter afeto por mim. Como já disse, eu não iria esperar nada quando voltasse. Nem abraço, nem sorriso. Apenas estava feliz. Por enquanto.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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