A Garota das Amoras Vermelhas escrita por Cath Rose


Capítulo 1
Capítulo 1 – A Colheita




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Não, eu não sou Katniss Everdeen. Na verdade, ela nasceu muito depois de mim. Essa é a edição número 47 dos Jogos Vorazes; dizem, que a pior. Nem o primeiro massacre quaternário fora tão ruim. Nessa edição, a arena não está nem um pouco piedosa. Poucos souberam; poucos descobriram. E foi proibido com pena de morte que os que descobrissem sobre o ocorrido contassem para alguém; muito menos para seus filhos e para os futuros jovens nascentes, com a finalidade de o rumor não espalhar-se pelas gerações. Mas a rebelião não começou com Katniss Everdeen, como você deve pensar. Ela começou muito antes. Ela começou junto comigo, nesta edição. A capital mediu suas forças com os distritos e a primeira fagulha foi criada. Fingiram que estava tudo bem, porém, não estava. Depois dessa edição, os Jogos nunca mais foram os mesmos. A Capital sempre temeu que alguém fizesse algo como o que eu fiz, e temia que isso pudesse acontecer novamente. Talvez por isso Seneca Crane fizera o que fez: deixou Peeta e Katniss fugirem juntos, pelo simples fato de que ele temia, temia como todos, que tudo pudesse acontecer de novo. É incrível como um mero punhado de amoras pode destruir uma nação. Pois é, minha historia é um pouco parecida com a de Katniss, e as semelhanças não serão escondidas. A partir desse momento, você terá o direito de conhecê-la e desvendar todos os mistérios pendentes. Bem-vindo ao meu mundo e à minha sanidade caótica.

Distrito 1, um dos 12 Distritos de Panem. Um lugar luxuoso e agradável, porém apenas para encobrir os danos de uma nação infeliz comandada pela abominável e horrenda Capital.

Abri meus olhos e senti o sol queimando em meu rosto. Os reflexos dourados do sol já entravam sorrateiros pela janela ao lado da cama. Olhei brevemente para o relógio, resumindo que era muito cedo, e logo o cheiro de panquecas preencheu minhas narinas. Aquele dia era o dia em que tudo aconteceria de novo, como todo ano na mesma data. Era naquele dia eu provavelmente perderia a chance de realizar meu sonho para algum babaca mal treinado da Academia novamente.

Me chamo Serena Gold, – mesmo que de serena eu não tenha nada. Na verdade, possuo um nome que pode ser considerado um tanto quanto... Irônico – tenho dezesseis anos e resido no Distrito 1, de todos, o mais ligado à Capital. Eu treino na Academia de Carreiristas desde os meus sete anos, com a intuição de conseguir ser a escolhida para representar meu distrito nos Jogos Vorazes.

Tenho perícia com arco-e-flecha, é o meu vício, não sei o que seria sem esse dom. É uma das coisas com que eu mais me identifico. Desde o meu primeiro toque na arma, eu me senti mais viva; completa. Chego a passar horas e horas treinando sem ao menos perceber que o tempo passou.

Tenho três irmãos: Kaiden, de 18 anos, Mia, sua gêmea (por mais que eles não se pareçam nem um pouco) e Sapphire, a caçula, de 14 anos. Minha família é grande demais, e às vezes sinto que ninguém realmente liga para mim. É tudo muito tradicional e inflexível, ser vitorioso não é nada mais do que uma obrigação. Então mesmo eu tendo pulado dois níveis na Academia, – o que é muito difícil, e muito fácil de repetir com um mísero errinho – ninguém realmente liga.

Vesti meu roupão e minhas pantufas de camurça e desci as longas escadas de mármore até a cozinha. Fui a última a acordar, e meu corpo doía, porque o dia anterior havia sido longo e cansativo.

Eu tinha sido a última a sair da Academia, como em toda véspera da Colheita. Tinha que mostrar para os treinadores que eu era a melhor. Seriam eles, como todos os anos, que escolheriam os dois melhores tributos para se voluntariarem. Alguns deles não duraram nem meia hora me assistindo. Treinei até mais ou menos umas três da manhã, até Reedus, meu treinador, que até então me contemplava concentrado, dizer que estava na hora de ir embora, e que se fosse por ele, eu já teria ido quantas vezes quisesse para os Jogos. Mas já estava muito tarde, todas as outras pessoas que poderiam me admitir já tinham ido embora e no dia seguinte aconteceria a Colheita, e eu precisava estar descansada. Se ele não tivesse me obrigado, eu provavelmente teria aguentado a noite toda.

Na cozinha, todos já estavam me esperando. Com a vista embaçada de sono, avistei Mia, escondida, dando um gole numa pequena garrafa de couro. Provavelmente, uma bebida alcoólica. Papai, ao me ver, abriu um vasto sorriso em seu rosto e disse:

– Finalmente, dorminhoca, já ia subir para te acordar!

Como resposta, apenas devolvi um sorriso, já que era uma gratidão ver papai preparando o café da manhã, e não as empregadas. Mas isso era só por hoje, quando esse dia passasse, ele voltaria a acordar e sair bem mais cedo do que a gente para ir trabalhar.

Como era o dia da Colheita, as empregadas estariam em casa, se arrumando. Algumas, até arrumando os seus filhos. Por isso, papai teve de substituí-las, já que a falta de dinheiro não era desculpa para não treinar no Distrito 1.

É claro que os encarregados geralmente não escolhiam pessoas de classe menor, mas se algum deles fosse realmente competente, não teriam como negá-lo.

A população do Distrito 1 é formada, na verdade, por quatro camadas:

1ª Camada – Governo: Fazem parte da primeira camada, as pessoas ligadas ao governo do distrito, como nossa família, já há muito tempo.

2ª Camada – Vitoriosos: Da segunda camada, são os vitoriosos de Jogos e suas famílias que participam.

3ª Camada – Donos de negócios ou trabalhadores com alta mão-de-obra, como: Donos de lojas, restaurantes e shoppings, professores, treinadores, e etc.

4ª Camada – Trabalhadores braçais ou servis: Empregados, servos, garçons e vendedores não-proprietários.

– Treinou mais do que devia ontem, não foi, Serena? – perguntou Mia, com os olhos borrados de preto, me provocando com seu meio-sorriso sádico.

Como se já não bastasse o fato de ela ser a pessoa mais repugnante, grossa e idiota que eu conheço, ela continuava implicando em me provocar. O meu ódio por ela era maior do que qualquer um jamais pudesse imaginar.

– Te interessa?! – devolvi furiosa.

– Claro que interessa, senão eu não teria perguntado! Mas eu já sei qual é a resposta: é sim – ela falou. - Sabe, às vezes tenho pena de você, Serena. Você tem que se esforçar tanto para ser boa, enquanto eu já tenho esse dom naturalmente. Uma pena que você tenha que ficar a noite inteira na Academia para convencer os treinadores de que você é a melhor. Você tem a cabeça na lua, Serena, esse ano sou eu quem vai ter a honra de ir! – Terminou, dando ênfase ao “eu”.

– Até parece! O meu dom é até mais natural que o seu, sua grossa, eu só gosto de aprimorar ele ainda mais, o que claramente não é o que você faz. – rosnei. – E outra coisa, queridinha, quem vai ir esse ano sou eu. Eu! Me esforcei o suficiente para convencer os treinadores de que essa é a minha vez de ir, ao contrário de você, que só treina quando tem seus amigos a sua volta. Você não quer realmente ser vitoriosa, quer apenas mostrar essa sua imagem de rebeldezinha. No fundo, você tem medo da arena. Então se contente, porque esse ano sou eu quem vai ir, e não você.

– Cala a boca, Serena, cuida da sua vida!

– Ah, pelo que eu sei, foi você que veio se intrometer na minha!

– Se acalmem! Hoje é um dia importante, parem de brigar! – interrompeu papai, tentando apartar a briga.

– Depois que a mamãe morreu nada mais foi o mesmo, não é?! Vocês não param de brigar! Caramba, não tem motivo! – exclamou um Kaiden irado.

– É claro que tem motivo! Ela não para de implicar comigo! – começou Mia.

– Eu?! Querida, tudo isso é culpa sua! Foi você que começou, se não percebeu ainda, sua drogada estúpi...

– O quê? Você me chamou do quê? Repete, repete para ver! – disse ela, levantando da cadeira bruscamente, com um olhar ameaçante.

– Eu te chamei de...

– Calem a boca, vocês duas! Vocês não tem motivo para brigar, a culpa não é de nenhuma das duas, a culpa é toda minha, então não reclamem, porque não foram vocês que mataram a mamãe! – interrompeu Sapphire, a caçula, com lágrimas começando a brotar nos seus olhos.

Sapphire cisma que tinha sido ela quem havia matado a mamãe, já que a mesma havia falecido de uma infecção pós-parto dois dias depois do nascimento da caçula. As coisas desde aquele dia nunca foram mais as mesmas. Mas essa coisa de a Sapphire ficar se culpando já estava ficando doentia...

Pensando bem, ninguém na minha família é tão normal; todos têm suas manias. Todos são meio alterados, se você for examinar o caso. E olhando mais profundamente ainda... isso só começou depois que a mamãe morreu.

Mia se tornou uma rebelde drogada; Sapphire, a pessoa mais dramática do mundo, e Kaiden... Bom, ninguém sabe por onde ele anda ou o que ele faz, esse é o problema. Às vezes, a mamãe faz uma falta muito grande. Quem cuidava da gente era ela. Ela que deixava o ar da casa mais leve, dava ordens às empregadas e nos dava atenção quando papai estava ocupado com os negócios do distrito. Ah, sim, antes que você se pergunte... Meu pai é o atual prefeito do Distrito 1.

Agora, a relação da nossa família é horrível. Papai trabalha dia e noite, ocupado até de finais de semana e feriados resolvendo os problemas do distrito; as empregadas não sorriem mais; Sapphire se lamenta basicamente o dia inteiro; Kaiden some diariamente e eu a Mia nos odiamos. Mas o pior de tudo, como já disse, é que eu não sou reconhecida. Por isso, esse ano, eu quero finalmente ter a minha chance de ir para os jogos. Eu já esperei tempo demais, esse ano eu tenho de ser a escolhida! E se for, sei que vou vencer, e na arena, chamarei muita atenção fazendo alguma coisa que deixe todos de queixo caído. Aí, quando eu voltar, todos vão me reconhecer e me ver como eu realmente sou, do jeito que eu mereço!

– Bom, acho melhor irem se arrumar... Temos que ir para a Academia, a Colheita logo irá começar – falou papai, a fim de quebrar o gelo e desviar o assunto horrível que estava por vir. O qual ninguém estava preparado para participar.

A Colheita é o dia mais esperado do ano para algumas famílias. É quando todos do distrito se reúnem no Salão Principal, o maior cômodo da Academia de Carreiristas do Distrito 1, que acomoda até 20.000 pessoas. Nesse salão é posta a lista anual que cita os dois tributos escolhidos para se voluntariarem naquele ano para os Jogos Vorazes.

Os Jogos Vorazes é um evento que ocorre todo o ano, escolhendo por sorteio – aqui, por capacidade – dois jovens de 12 a 18 anos, um masculino e outro feminino, de cada um dos 12 Distritos para serem deixados numa arena e lutar até a morte. Até sobrar apenas um competidor, que será o vencedor daquele ano dos Jogos.

A Academia de Carreiristas do Distrito 1 é obrigatória para todos os jovens. Se começa com sete anos e se faz aulas todos os dias da semana após a escola, menos domingos e feriados. No final do ano, você terá os pontos de evolução dados pelos treinadores (que são contados e descontados todas as aulas) e faz duas provas individuais: uma teórica, e outra prática. No último dia de aula, é exposto um mural no Hall de Entrada com as aprovações e reprovações. As notas vão de 0 a 12, você passa com no mínimo oito. Existem 12 níveis do curso normal, além da AEIT (Aulas Extensivas Intensas de Treinamento), que é um tipo de treino mais pesado e intenso apenas para os alunos que se formaram antes dos dezoito anos no curso normal. Quando você completa dezenove anos, você é liberado para sair, já que não tem mais como ser levado à arena. A AEIT situa-se na maior e mais reservada sala de treinamento da Academia. São muito poucas as pessoas que conseguem ir para lá.

No Distrito 1, diferentemente de quase todos os outros, muitas famílias têm rivalidade por causa dos Jogos. Praticamente todos os jovens querem ser reconhecidos e se tornar um destaque sendo vitoriosos, assim como eu. Mas, além disso, seus pensamentos também são bem influenciados por suas famílias, porque querem mérito e, tendo um parente vitorioso, você possuirá muita fama e riqueza, já que o vencedor dos Jogos recebe uma casa para ele e sua família na parte mais chique e reservada do distrito, a Aldeia dos Vitoriosos. E, além disso, as famílias também recebem recompensas raríssimas e sigilosas da Capital todos os anos, o que leva as leva a quererem mais ainda levar seus filhos a treinarem intensamente para conseguirem ir para os Jogos.

Nós já moramos na Aldeia há bastante tempo. Pode-se dizer que a minha família é a mais tradicional de todas. Temos um grande histórico, todos conhecem a rica e popular família Gold. Temos uma dinastia muito grande e desde muito tempo já somos encarregados de fazer história na presidência do distrito.

Minha família não aceita que não sejamos os mais fortes, todos querem que nos esforcemos ao máximo para sermos os escolhidos. Eu não suporto isso! Não suporto! Mas sabe por quê? Porque se você for membro da família mais tradicional do distrito, ganhar os Jogos não é o suficiente. Todos do distrito vão achar que você foi obrigado a ser vitorioso para dar continuidade à honra da família, e eu não quero isso, eu quero fazer algo maior do que isso! Ser maior do que isso! Quero sair do tradicional. Posso fazer qualquer coisa, ainda não sei ao certo. Quero ir pros jogos, vencer e voltar, aí, ir de novo, vencer de novo, sumir da arena, botar fogo na Academia, ou sei lá, matar o Presidente. Qualquer coisa! Eu só quero me tornar um ídolo para todos, quero que todos se lembrem de mim como a mais forte de todas e aquela que mudou a história, não como apenas uma esnobezinha que ganhou por puro interesse em dinheiro e fama.

Subi as longas escadas até sentir um tipo de queimação em meus músculos, de tão cansado que meu corpo estava devido ao intenso treinamento do dia anterior. Então entrei na suíte, me dirigi até o banheiro e liguei o chuveiro numa temperatura bem gelada. O dia estava realmente muito quente e só de comer as panquecas mornas, quase derreti.

Vesti meu vestido de seda rosa-bebê com rendas brancas nas mangas e por causa do calor, prendi minha longa juba dourada em um coque bem alto e soltinho, deixando alguns fios caírem sobre meu rosto.

Dei minha última olhada no espelho – para checar o meu delineador – e a minha última olhada nos profundos e provocantes olhos cor de ouro que eu via refletidos, e saí.

Desci até a cozinha e vi todos me esperando, menos Mia, que com certeza ainda estava passando quilos e mais quilos de sua maquiagem extraordinariamente preta e aquela pasta de massa corrida.

Era muito cedo, tínhamos que ser os primeiros a chegar à Academia, já que papai era o prefeito.

Logo, um estrondo percorreu meus ouvidos. Direcionei meus olhos para as escadas e lá vi Mia, apressada, quase quebrando os degraus e, por pouco, não caindo de cara no chão.

– Cheguei – disse ela, guardando rapidamente para que ninguém pudesse ver a garrafinha de couro que usava para levar bebida alcoólica.


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