Memórias de Alice Moore escrita por Suh


Capítulo 25
Suicídio


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo capítulo.



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      Fechei o caderno preto.

      Apertei os olhos. Meu corpo tremia, minhas mãos estavam suadas.

      Levantei num impulso. Na mão os segredos da Mi, eu os segurava forte. Não sabia se estava arrependida, não sabia se queria descobrir tudo aquilo. Olhe bem, pode haver pessoas no mundo que sofreram mais do que eu. Sim, mas eu sou fraca. Porque eu amo. Mas não um amor normal.

      Quer dizer, se eu não amasse tanto essas pessoas... Eu estaria bem agora, eu estaria viva!

      O que eu deveria fazer? Eu tinha de contar para alguém, eu precisava fazer alguma coisa. Precisava salvar o Alex.

      Lembrava do rosto da minha amiga e as lágrimas jorravam.

 

“Por que Mi? Eu sinto tanto”

 

 

      Pensei em correr.

                  Já deve ter percebido, estimado ouvinte, corro quando sinto necessidade de me libertar, apesar de ser inútil.

  Mas o passo seguinte foi difícil. Quando menos esperei, meu corpo era puxado, uma força descomunal me empurrava para o chão. Eu não entendia o que estava acontecendo comigo. Demorei para perceber que era dor.

      A dor era insuportável. Mas não chegava aos pés da dor de perder Alex, muito menos da dor de perder minha Melli, nem se quer da dor de descobrir que minha amiga era uma assassina doente mental. Eu sabia disso, mas meu corpo não.

                  Ele não me obedecia.

      O que fazer? É claro, gritar. Gritei o mais alto que eu pude.

      Sophia não demorou a chegar, Natália veio logo atrás.

 

- A Melli está nascendo!

 

      Sorri com a ideia e me concentrei na minha filha a partir daí. Eu estava quase desmaiando, e sentia o corpo completamente suado e com uma dormência dolorosa, mas pensava em vê-la, em tê-la nos braços. Era o meu único desejo no momento.

 

      E logo logo, eu pensava, vou realizá-lo.

 

                  No caminho, dentro de um táxi em alta velocidade, Natalia ligou para os meus pais. Sophia ligou para Eliza.

      As imagens começavam a ficar desconexas. Eu sabia que ia ficar tudo escuro, de certa forma, sabia que estava afundando na inconsciência. Eu só pensava na Melli e na ânsia de vê-la.

 

      Aos poucos, tudo foi sumindo: O rosto deformado de Sophia me pedindo para respirar e tocando meu cabelo suavemente, as janelas multicoloridas do táxi, Natália gritando alguma coisa no telefone, o taxista nervoso... tudo sumiu. Eu só via ela.

      Ela usava o mesmo vestido branco. O mesmo que foi tingido de vermelho no meu pesadelo. Completamente branco, e fazia um lindo contraste com os cabelos escuros.

      Mas ela estava sorrindo.

      Pela primeira vez em meus sonhos. E eu nunca vi nada tão lindo. Nem o pai dela era tão lindo. Eu achava que sabia o que era amor quando conheci Alex. Mas o amor de mãe é indescritível.

                  Ela veio ao meu encontro. Me abraçou. Eu quase pude sentir o corpinho quente de Melli me envolvendo. Quase pude sentir seu cheiro de xampu infantil. Quase senti sua respiração na minha pele e seu coraçãozinho bater.

      Era um momento completamente perfeito. Mas não era real. Não ainda. Então finalmente me rendi ao sonho e tudo foi real como eu sempre quis.

 

- Mamãe.

 

      Essa única palavra foi suficiente para me arrancar lágrimas de emoção. Eu me senti novamente a garota mais feliz do mundo, porque tudo sumiu e eu estava no meu mundo.

 

- Minha Melli.

 

 

 

                  Minha Melli.

 

- Tudo pronto?

 

      Fui sendo puxada do meu inconsciente por essa voz urgente. Uma voz feminina desconhecida. Mais sons foram se juntando à voz. Abri os olhos devagar, meu rosto ainda úmido, tentei enxugá-lo, mas meus braços quase não moviam. Desisti.

 

- Preparar para o aborto!

 

      Foi então que eu percebi. Eu estava numa sala de cirurgia. Deitada. Luzes, enfermeiros, apitos, urgência. Sophia no canto do quarto, chorando. Eu era a paciente.

                  E aí encaixei a frase à situação.

 

                                         Aborto?

 

- Espere... – Minha voz saiu fraca, mas repeti. Até que senti as forças voltando. Aborto! – ESPERE! – Gritei o mais alto que pude.

 

- Você não pode falar durante a operação! – Alguém falou. Eu ignorei. Procurei o cirurgião. Ar de superioridade, roupa mais branca. Era aquela moça. Pensei nisso em milésimos de segundos e gritei novamente, dessa vez em sua direção:

 

- NÃO!! ESPERE!! NÃO FAÇA ISSO!!

 

- Querida, você precisa ficar em silêncio... – Ela disse. Seu rosto transbordava compaixão. Ela parecia comovida com algo.

 

- Espere... Meu Deus, por favor! Não mate a minha Melli!! Por favor, por favor, por favor!!

 

- Mas...

 

- EU IMPLORO!

 

                  É claro, a essa altura eu chorava descontroladamente. Eu estava completamente desesperada. Eu sentia como se minha vida se esvaísse e eu não podia fazer nada a respeito.

      Vi Sophia chorar ainda mais no canto da sala. Notei muito sangue. Me voltei para a cirurgiã.

 

- Salve minha Melli!!!!! – Eu agarrei o braço dela com toda a força que eu tinha no momento. Com certeza não era muita, mas ela sabia que eu estaria apertando se pudesse.

 

- Alice, se salvarmos a sua filha... você morrerá. – Ela fez uma expressão de muita dor. Como se conhecesse a minha própria.

 

 

 

- Faça isso! Por favor! POR FAVOR!! QUALQUER COISA PARA SALVAR MINHA MELLI!!!

 

- Mas.... isso é suicídio!

 

 

 

 

 

                             S U I C Í D I O

 

      Como essa palavra me pareceu atraente.

 

      Minha escolha de morrer. Minha escolha de sumir.

 

      Pelo meu amor sem limites. Talvez, esse amor tenha sido minha cruz. Mas foi um sentimento puro. Imortal.

      Mas, eu devo me desculpar com minha filha. Eu não estava desistindo apenas por ela. No momento sim, mas no subconsciente eu queria desaparecer para deixar de sofrer. Eu não queria mais saber de Alex, de Edward, de Mi.

 

                  O que é a vida, afinal?

      Eu pensei muito nisso depois da morte. Eu nasci, conheci pessoas maravilhosas, tive experiências, alguma boas, algumas nem tanto. Amei. Sofri.

      Nos meus últimos meses, sofri tanto que me esqueci do resto da minha vida. O sofrimento pareceu se sobrepor aos outros sentimentos que tive.

      Não me pareceu muito justo.

 

                  Eu não me importava em dar minha vida pela minha filha. Se ela sumisse, eu sumiria também. Isso era certo. Eu não poderia viver com a dor daquela perda. Veio em mente flashes da cobertura do hospital.

      Se minha filha morresse, seriam duas vidas perdidas.

      Então, por favor, me deixe dar a vida por ela.

 

      Eu não disse nada disso. Mas a cirurgiã viu tudo isso nos meus olhos desesperados. E eu vi nos olhos dela que ela sentia empatia por mim. Com certeza ela era mãe.

 

- Se é assim que você deseja... – Ela disse, com lágrimas nos olhos. – Chamem os pais dela. – Dessa vez ela disse se virando para um enfermeiro. Depois, afagou meus cabelos e disse.

 

- Deixarei você se despedir... mas precisa ser rápida, senão não teremos mais tempo.

 

      Com meu rosto completamente distorcido de alívio, eu sorri. Demonstrei toda a minha felicidade em apenas uma palavra, mas joguei sobre ela toda emoção que eu sentia:

 

- Obrigada.

 

      Sophia se aproximou com o rosto vermelho e lágrimas inacabáveis.

 

- N-não faça is...isso, Alice. – Me abraçou entre os soluços. – Por favor, não morra.

 

- Sophia. – O que dizer? – Eu te amo. Eu preciso... – Estava exausta, precisava respirar profundamente entre as palavras. – Preciso que você faça algo muito importante para mim.

 

- Qualquer coisa.

 

- No chão do meu quarto tem um caderno preto. Eu preciso que você o entregue ao Alex. É urgente, ele corre perigo.

 

- Está bem. – Ela não podia parar de chorar. Compreensível. Eu também não podia.

 

- Não dá mais tempo!! – Falou a médica que eu nunca soube o nome, já chorando. Se preparou para continuar o processo do parto de risco.

 

- Sophia, diga a todos que os amo.

 

                  Nesse momento, a dor voltou. A médica aplicou algo em mim, e eu sabia. Era o meu fim.

 

       Então meus pais entraram correndo, percebi Natalia e Eliza logo atrás. Quase ficando inconsciente, pude dizer, com a voz fraca e quase inaudível:

 

- Adeus. Eu amo vocês.

 

  Eu amo vocês...

 

 

 

 

      Primeiro, veio o escuro.

      Depois, a dor voltou. Parecia que meu corpo se despedaçava em vários fragmentos e cada um deles era espetado por agulhas, até que, de um em um, foi adormecendo. A dor foi breve.

 

E depois, nada.

 

      Absolutamente nada. Não ouvia, não via, não sentia, nem pensava. Era um completo nada. Era como se meu corpo se tornasse um líquido que foi solto no mar, se dissipando, sumindo.

                  Quando a luz foi voltando, eu estava deitada.

Me sentei olhando ao redor. E o que eu vi era totalmente surreal.

 

      Estava num campo verde-amarelado. Não sei se a cor da grama mudava, ou se era um certo reflexo daquele céu.

      Ah! Aquele céu! Era multicolorido! Cores celestes dividiam o espaço infinito acima da minha cabeça. Era incrível.

      Eu estava bem abaixo de uma macieira. E era a única árvore no meio do campo. Ao redor, a uns 20 metros de distância, uma floresta cobria todo campo.

                  Em seguida, a consciência do que eu fiz foi chegando levemente.

      Eu estava morta.

                  Me senti feliz que a morte não era um nada. Seria muito injusto viver para não ter nada além da morte.

                  Me senti feliz por saber que minha filha estava viva. E que eu tinha dado a minha vida por ela.

                  Mas depois, me senti triste.

      Tudo aquilo pareceu muito egoísta de minha parte. Da mesma forma que eu não queria perder a Melli, meus pais não queriam me perder.

      Comecei a imaginar o quanto todos estavam sofrendo por minha causa.

      Senti vontade de chorar, mas eu não tinha lágrimas. No momento, achei que eu não tinha nada.

 

      E foi assim que eu me matei.

                  Mas não me abandone agora, minha história ainda não acabou.

 

 

      Na minha frente, surgiu um ser. Reconheci rapidamente.

                  Ela vestia um vestido preto. O cabelo negro havia dado lugar a um branco pálido e seus olhos da cor de avelã, agora eram rubros como dois grandes rubis. Ela estendeu a mão para mim.

 

- Melli?

 


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Notas finais do capítulo

Não há sofrimento na vida que o Céu não possa curar. - Autor Desconhecido.