Por algum momento o silêncio era tão grande e pesado que parecia pesar mais ainda sobre Kira que esperava Iroh chegar até ela pelo outro lado do tatame. Os olhos dos soldados não sabiam se olhavam para ela ou para Jin que estava estirado no chão. Pela sua visão periférica não conseguia ver se ele respirava, e naquele momento, ela nem sabia se queria saber. Estava exausta.

— Venha, minha cara. Me ajude, por gentileza - disse Iroh para o soldado ao seu lado - Vamos para dentro.

O caminho até seu quarto parecia longo demais. O soldado a segurava em sua cintura com os braços firmes, prontos para segurá-la se fosse preciso. Pra ela não havia dúvidas de que era Zuko ao seu lado.

— Kira... - disse ele a fazendo se sentar na cama.

Ele então agachou a sua frente e tirou o capacete. Zuko a olhava de forma carinhosa, mas preocupada. Ela não estava ferida, mas ele notou algumas manchas que com certeza virariam hematomas quando seu sangue esfriasse.

— Estou bem, Zuko. Estou apenas cansada. - respondeu ela a pergunta que passava na mente dele.

Ele queria dizer que quis entrar e defendê-la várias vezes durante a luta por medo de perdê-la, mas não conseguiu juntar as palavras. Seu coração que ficou apertado durante todo o duelo se acalmou ao vê-lâ dando um meio sorriso para despreocupa-lo.

— Você foi incrível. - disse ele.

— Realmente… Foi um agni kai de alto nível.  Poderia falar e acrescentar muitas coisas, mas temo que temos um assunto mais urgente. - Kira levantou seus olhos para o tio - Zhao só voltará a atacar ao amanhecer. Como você fará para entrar na tribo da água sem ser notado?

— Não se preocupe, tio. Já tenho tudo planejado. Sairei pelo mar enquanto ainda estiver escuro.

— Melhor se apressar, então. Você já deve ter perdido o tempo do duelo.

— Preciso apenas trocar de roupa e pegar algumas coisas no dormitório. Você ficará descansando? - perguntou Zuko ainda preocupado.

— Terei a noite toda para isso. Irei até lá com vocês. - respondeu ela sorrindo.

Zuko saiu do quarto rapidamente e depois de um tempo Kira seguiu com Iroh para a parte mais inferior do navio. Era uma pequena sala com uma parede a menos onde estavam penduradas uma porção de cordas que fariam os dois pequenos botes que descansavam no canto direito da sala descer até o mar. O ar que entrava estava gélido e Kira, preocupada, já ia perguntar a Iroh se Zuko tinha roupas para a ocasião quando ele entrou silenciosamente na sala. Ele vestia um traje todo branco e grosso por cima do uniforme de soldado que já estava usando e tinha uma longa corda enrolada de um ombro até cintura.

Concentrado, ele começou a arrumar o pequeno bote. Iroh disse uma de suas frases de sabedoria, que Kira não entendeu, mas Zuko não estava muito disposto a ouvir.

— Me desculpe... Eu só o incomodo assim porque desde que perdi meu filho…

— Tio, sabe que não precisa dizer isso. - adiantou Zuko ainda de costas para eles.

— Eu o considero como meu.

Emocionado, Zuko se virou e encontrou os olhos amorosos de seu tio. Kira sentiu como se não tivesse que estar ali, aquele era um momento vulnerável dos dois.

— Eu sei, tio. Nos veremos em breve. - respondeu Zuko e sem jeito fez uma saudação de respeito, mas tio Iroh ainda emotivo o abraçou carinhosamente

— Você tem tudo o que precisa? - perguntou Kira.

— Sim. Se certifique de sair do navio com suas coisas também. - lembrou Zuko.

— Com certeza não voltaria para cá.

Ela pegou em sua mão e a segurou forte. Os dois tinham uma guerra amanhã, onde ambos estariam em perigo. Se tudo desse certo, seria a última vez.  Zuko retribuiu o aperto e então deu um rápido beijo em sua testa antes de andar em direção ao barco e começar a desce-lo puxando as cordas que o sustentavam. Ele não estava contente em deixá-la ,mas era preciso. Ele finalmente iria capturar o avatar e então tudo voltaria ao normal.

— Lembre-se do fôlego de fogo! - disse tio apressado. - Mantenha as orelhas aquecidas!

— Pode deixar! - respondeu o príncipe.

— Nós o acharemos lá! - finalizou Kira. Ela viu Zuko assentir com a cabeça e pouco tempo depois ele já havia se misturado a escuridão.

Kira acordou sobressaltada no outro dia com o barulho das catapultas. Não precisou olhar para a janela para ver que já tinha amanhecido e a batalha já havia começado. Ela se levantou rapidamente e sentiu seu corpo ainda cansado. Parando em frente ao espelho do quarto ela viu os hematomas e se lembrou da noite anterior. Não como se tivesse esquecido, mas repassando as cenas na memória. Agora que tudo havia acabado e de sangue frio, pareceu realmente precipitado suas próprias ações. Não seria a primeira vez, pensou ela com certeza tristeza e foi procurar tio Iroh que estava com Zhao na proa do navio, observando.

— Ora, se não é a nossa vitoriosa. - disse Zhao ao notá-la.

— O que eu perdi? - perguntou ela.

— Já conseguimos destruir o muro e muitos soldados já estão lá dentro.

— E quando nós vamos? Quero dizer, eu venci o agni kai, sabe o que posso fazer.

— Ah, sim eu sei. - disse ele de forma maldosa - Sinto muito, mas tenho algo a fazer que quero que presencie.

— E o que seria isso? - perguntou Kira já pensando em como escapar do navio como um soldado.

— Digamos que eu irei remover a lua.

— O que? - perguntou tio Iroh atônito.

Zhao ia começar a explicar, mas foi cortado por um soldado que se aproximou tentando o atacar. Rápido, o almirante o jogou da proa para o mar e como se nada tivesse acontecido ele voltou a explicar.

Quando eu era mais novo, tive a sorte de encontrar uma biblioteca com muitas informações interessantes. Uma delas dizia que os espíritos do mar e da lua viviam em nosso mundo.

Zhao, é perigoso mexer com espíritos. - disse Iroh sério.

Não se preocupe, general. Dessa vez, eu estou no controle. Nossa nação está a um passo do inimaginável.

Kira não disse nada, mas seu olhar cruzou com o de Iroh e viu sua preocupação estampada também nos olhos dele. Ela sabia que se Zhao concluísse seu plano, seria o caos, mas seu coração e mente estavam em Zuko. Ela precisava sair daquele navio e tentar encontrá-lo, com alguma sorte também impediria o almirante.

Dando a desculpa de querer se preparar melhor, Kira voltou ao seu quarto e começou colocar alguns livros de Zhao em uma pequena mochila junto com uma muda de roupa. Antes de sair do quarto ela parou em frente ao espelho e após ver seu semblante cansado, prendeu seu longo cabelo num rabo de rabo de cavalo. Não importa o que acontecesse, estava fora de cogitação voltar àquele navio. Antes de seguir até a sala onde os uniformes se encontravam, ela decidiu passar pela despensa da cozinha e pegar um pouco de água e comida.

A sala estava vazia e ela rapidamente conseguiu um uniforme e capacete. Saiu da sala vestida e foi para o lado posterior do navio, onde pequenas embarcações estavam saindo levando soldados e os carros de batalha. Dando sorte, ela se embrenhou em meio aos outros soldados na embarcação que estava para sair.

Kira estava tão nervosa que essa pequena viagem pareceu levar uma eternidade. Uma vez dentro da tribo da água, ela notou todo o caos e a destruição e se sentiu boba. Não havia nada de empolgante naquela guerra. Ela conseguia imaginar toda a grandeza daquele lugar antes de ser destruído por sua nação.

Seu pensamento foi cortado por um dobrador de água que lhe atacava. Por mais boba que se sentisse ali ela tinha que estar atenta. A garota se esquivou de mais uma dobra e então o atacou com dobra de fogo nos pés para ganhar tempo e estar próxima o suficiente para usar o bloqueio de chi.

Ela não sabia por onde começar a procurar Zuko ou o avatar, mas decidiu entrar mais para dentro da tribo, ele não estaria no meio da batalha. Em seu caminho ela desviou de alguma dobras e lutou com alguns dobradores, mas se sentia cada vez mais errada. Ela se perguntava se Zuko veria aquilo agora ou se ela conseguiria fazer com que ele visse.

Um pouco ao longe ela viu um dominador de água envolto em um redemoinho de água, sua dobra era muito poderosa e ele parecia ter muita técnica. Ele era velho e com certeza era um mestre. Se Aang havia ido até lá para achar um mestre para lhe ensinar, ele certamente havia conseguido.

Assim que conseguiu sair da linha de batalha, ela notou que já estava mais para dentro da cidade, e ela era linda. A cidade parecia ter sido construída por cima de uma grande vale e no meio de uma gigante geleira. Tudo era feito de gelo, desde as ruas e pontes, por onde a água do mar corria abaixo em canais como se fosse um rio límpido, até as casas.  Na ponto mais alto da cidade estava um grande palácio, que mesmo de longe parecia ter uma linda arquitetura, e onde certamente o Chefe da Tribo da Água vivia.

Cansada de andar com aquele capacete, ela o tirou e começou andar pelas ruas, se adentrando cada vez mais na cidade, evitando batalhar com os dobradores de água. Ainda não havia encontrado pistas do avatar e seus amigos, tampouco de Zuko. Sem saber se era melhor correr ou andar devagar, ela decidiu andar e agir com cautela, o que a ajudou quando virou uma esquina e deu de cara com quatro dobradores de água.

Os quatro a atacaram juntos com jatos de água e ela teve certa dificuldade de desviar. Correu então em direção ao dobrador mais próximo e o atacou com golpes de luta antes de lhe aplicar o bloqueio de chi. Antes que pudesse girar e atacar o outro dobrador que se aproximava ela viu uma dobra de fogo passar ao seu lado e atingi-lo.

Aproveitando a deixa, ela partiu para cima de outro dobrador, jogando dobras de fogo em seus pés , e ela como que sincronizada com o soldado, trocaram de oponentes. Não demorou muito até que os dois derrotassem os dobradores restantes.

— Nem parece que enfrentou um agni kai ontem.

Kira ainda estava de costas para o soldado e ao ouvir sua voz virou em sua direção sorrindo. Gavin tirava seu capacete e exibia seus cabelos castanhos bagunçados.

— O que está fazendo aqui, soldado? Não deveria estar onde a batalha está realmente acontecendo?

— Estamos avançando rápido… Mas eu vi um soldado aplicando bloqueio de chi e decidi segui-lo. O que me leva a perguntar, o que você está fazendo aqui?

— O que quer dizer? - perguntou ela confusa.

— Seu objetivo era estar na batalha. Não era? Por que está indo para o lado oposto dela?

Kira mordeu os lábios. Não sabia como e nem se poderia explicar a ele.

— Tem algo que preciso resolver aqui.

— Eu irei com você então. - disse ele com um sorriso descontraído.

—Eu sei que iria, mas se caso o pior acontecer seria melhor que você não soubesse. - disse ela se aproximando até ficar frente a frente a ele.

— O que você tem que fazer que é tão perigoso assim? Você sabe que não dou a mínima. - respondeu ele colocando as mãos no rosto dela - Quero estar perto de você.

Kira sentiu algo estranho em seu estômago com as palavras de Gavin. Ele realmente acreditava que Zuko havia morrido, o que deixava aberto um possível caminho para os dois.

— Sei que agora e até mesmo num futuro próximo você pode duvidar disso, mas eu realmente me importo com você. - desabafou Kira, juntando as palavras da melhor forma que pode. - Volte para a batalha e por favor, permaneça vivo.

Gavin a olhou demoradamente e então a abraçou. Kira o abraçou de volta sentindo um misto de várias emoções. Gavin havia sido um alívio e um bom amigo, e ela tinha certeza que eles teriam sido algo mais se ela também o quisesse. Ele se desvencilhou do abraço e antes de respondê-la, a beijou suavemente.

— Isso me dará sorte até nos encontrarmos de novo. - disse ele sorrindo e então piscou para ela. - Depois de ontem sei que você não correrá perigo, pode muito bem cuidar de si mesma.

Gavin pegou o capacete do chão e sorriu para ela antes de colocá-lo e voltar para a batalha. Kira o olhou indo embora e então continuou seu caminho por entre as ruas. Quanto mais ela se adentrava na cidade, menos dobradores de água ela via, o que a levou a reparar que ali apenas os homens estavam dominando e lutando. Não havia mulheres dominadoras na tribo da água do norte?

Ela não saberia dizer quanto tempo levou para chegar até a parte mais alta da cidade. Havia fontes e longas escadas que levavam até o gelo lindamente trabalhado do palácio que era magnífico. Circundado com cuidado o local, ela notou uma porta isolada no pé da geleira, ali deveria ser o local espiritual de que falava no pedaço de pergaminho e decidiu ir até lá.

Kira adentrou ao que parecia ser uma caverna no meio da geleira, embora lá fora o clima estivesse congelando ali dentro ela sentiu uma brisa morna que lembrava uma tarde de verão no campo. O chão era coberto por grama verde e havia um lago circundando o local. Ao fundo da caverna Kira pode ver que mais ao centro havia uma pequena ilha que lhe chamou atenção. O chão da ilha também era coberto por uma camada de grama verde, havia uma imensa queda d'água que caia do teto da caverna por detrás de uma pequena plantação de bambus. No centro da ilha havia um portal de meditação a frente de um pequeno lago. Duas pequenas pontes de madeira ligavam a ilha menor ao entorno gramado da caverna. Kira se aproximou e quase teve certeza de que se tocasse na água do lago, ela estaria morna. Dentro da água, a garota reparou que haviam dois peixes se movendo em um bonito e sincronizado nado.⁠

— Onde está Zuko?

Kira voltou seus olhos para onde a voz vinha e viu a garota que acompanhava Aang, Katara, junto com seu irmão e uma garota de cabelos brancos e vestes finas. Ela deveria ser a princesa da tribo, Yue. Katara rapidamente se colocou em posição de luta e estava preparada para usar sua dobra.

— Eu não sei onde ele está e não estou aqui para brigar. - disse Kira se aproximando lentamente deles.

— Não deve ser coincidência. Ele levou Aang e deixou ela para terminar seu trabalho. - Sokka disse apontando para Kira

— Levou Aang? Para onde? - Kira sentiu seu corpo relaxar rapidamente para logo se sentir tensa. Se Zuko havia capturado o avatar estava tudo acabado, mas ela não conseguia deixar de se sentir temerosa sobre o futuro.

— Nós não sabemos. - respondeu a princesa depois de estudá-la enquanto todos conversavam - Ao que tudo indica, eles estão para cima daqui, no meio da nevasca.

Kira olhou a grande parede de gelo que se erguia ao redor dali. Seu coração vacilou por alguns segundos. Não é que ela achasse que Zuko fosse indefeso, longe disso, mas agora que eles estavam mais próximos um do outro, no meio daquela guerra, pensar em perder ele lhe era doloroso demais.

— Vamos. Estamos perdendo tempo. - disse Katara para o irmão.

— Eu… - disse Kira quase num sussurro. Juntando forças ela repetiu - Eu posso ir com vocês?

— De jeito nenhum. - respondeu Sokka gesticulando com as mãos. - Você vem nos perseguindo a meses junto com o Zuko. Sem chances.

— Eu já disse que não desejo lutar. - repetiu ela irritada.

— Você não vai com a gente. - disse Katara com a voz firme.

Eu tentei, pensou ela.

Kira lançou dobras de fogo em direção a eles. Sokka pegou Yue e a tirou do caminho enquanto Katara tentava defender com sua dobra de água. Kira lançou uma esfera de fogo direcionada a Katara que desviou e aproveitando ela foi em direção a Sokka e a princesa e começou a atacar o garoto da tribo da água com golpes de luta. Ele não sabia muito revidar, mas sabia como se esquivar, o que era bom porque ela não tinha a intenção de machucá-los.

Rápida, Kira derrubou Sokka com uma rasteira e foi em direção a Yue, pegando seu pulso e imobilizando um dos braços da princesa atrás do corpo dela. Kira quase não fazia força para segura-la, ela só queria chamar a atenção dos irmãos.

— Yue… - disse Sokka preocupado.

Kira com a mão livre criou uma chama alta na própria mão e colocou mais próxima da princesa.

— Me levem junto com vocês. - disse Kira com a voz firme.