Enquanto o Sol Brilhar escrita por Gabriel Campos


Capítulo 2
Jana: Me acorde quando tudo acabar


Notas iniciais do capítulo

Música: Somebody to Die For
Intérprete: Hurts
Link: https://www.youtube.com/watch?v=Pt1kc_FniKM

** Agradecendo a todo mundo que colocou pra acompanhar, espero não decepcionar vocês. Fiquei bastante surpreso com as visualizações dos primeiro capítulo. Thank You :)

** Depois vou começar a postar as músicas da trilha sonora (cada capítulo vai ter pelo menos uma música) no 8tracks (obrigado Senhorita Bela por me apresentar esse site) *-*



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Não que isso seja o tema do meu TCC, mas sempre noto que, pelo menos comigo, os gatos têm comportamentos próprios dependendo da cor. Exemplo: enquanto os gatos de cor cinza são mais preguiçosos, os alaranjados são mais brincalhões e elétricos. Os brancos são meigos; os pretos gostam de receber carinho. Já os malhados (nos caso "as malhadas" já que gatos de três cores quase sempre são fêmeas) quase sempre gostam mais de dar carinho do que receber. Os preto e branco são os meus favoritos, pois são meio que bipolares e mudam de humor muito fácil. Acho que por isso me identifico tanto com eles.

Enfim, há exceções, mas estes são devaneios malucos de quem fica quase todas as noites de plantão na emergência de uma clínica veterinária, depois de um dia longo de aulas, provas, seminários, laboratórios...

Eu não me lamento por isso, pois tenho amor pelo que eu escolhi para a minha vida. Minha família (lê-se minha mãe e minha irmã) me apoiou bastante quando entrei no curso, mas mesmo que não me apoiasse, eu continuaria com a ideia de ser uma médica veterinária mesmo assim. Sabe, eu penso na minha profissão como se ela fosse um daqueles relacionamentos afetivos em que eu poderia ser capaz de abandonar tudo e fugir, mesmo que pessoas que eu amasse ficassem chateadas.

Falando nisso, eu recebi uma proposta assim, do meu namorado, o Diogo, e não paro de pensar nisso, como vocês podem ver. Diogo é um cara legal, já namoro ele há seis meses, mas não acho que valeria a pena abandonar tudo o que eu tenho aqui só pra fugir com ele para outra cidade.

— Jana, cê tá bem? — Ana Paula cutuca meu ombro e pergunta. É madrugada e a emergência da clínica veterinária está tranquila, mas é sempre bom ficar atenta para eventuais ocorrências.

— Tô bem, amiga, só meio com sono. — respondo e ela duvida da veracidade da minha resposta. Ana Paula é minha amiga desde o dia em que entramos no curso, há cinco anos. Ela sabe quando estou pilhada com alguma coisa e vice-versa, mesmo que haja olheiras mais profundas que um oceano na minha cara.

— Hum... Já sei. Essa pilha toda tem um metro e noventa de altura, loiro, olhos verdes, forte, tem até um nome: Diogo Lopes. Acertei?

— Acertou na mosca. Mas não quero falar sobre isso. — suplico com os olhos e pouso minha cabeça no balcão da recepção, onde papeamos e de vez em quando tiramos algumas sonecas.

— Ah, não, Jana. Agora você vai ter que me contar o que o seu gringo fez. — Ana Paula puxa uma cadeira e se senta ao meu lado.

— Diogo continua com aquela ideia maluca de sair da cidade pra estudar agronomia e me levar com ele, assim que eu me formar. Só que eu não posso, eu tô insegura, e com medo da reação dele se eu recusar.

— Se ele realmente gosta de você, Jana, ele vai entender. Além do mais, você tem sua mãe e sua irmã aqui, e sei que você não as abandonaria por nada nesse mundo.

Aninha tem razão. Minha mãe e minha irmã mais nova são tudo o que eu tenho e eu nunca as abandonaria por causa de um cara que eu conheci há seis meses, mesmo que ele seja um príncipe encantado. Elas são meu forte e nossos laços só se fortaleceram desde o dia em que o câncer levou meu pai há sete anos. Sandra, minha mãe, demorou muito para voltar a viver de fato, tirar o luto, mas o fez pela minha irmã, Tatiana, pois ela sempre foi uma garotinha que precisou de cuidados. Tati, aos quinze anos, é deficiente auditiva, mas isso nunca a impediu de ser uma garota comunicativa. Por ela (e com ela), aprendemos Libras (língua brasileira de sinais) e, acreditem ou não, isso abriu um novo universo na minha vida, pois tenho a oportunidade de conversar com mais pessoas.

Dona Sandra também voltou a viver amorosamente, no entanto, Fagundes, meu padrasto, mesmo estando conosco há quase dois anos, nunca me agradou e nunca poderia substituir o lugar que sempre será do meu falecido pai. Enquanto meu pai era carinhoso conosco, ajudava mamãe com as tarefas de casa, mesmo chegando exausto do trabalho todos o dias (ele era carteiro), Fagundes tem a nós como suas empregadas; mamãe é submissa a ele como nunca imaginei que seria diante de um homem e, o pior de tudo : esse asqueroso e imundo homem está desempregado há um ano e não mexe a pança para procurar um emprego desde então. Ele é sustentado praticamente pelo dinheiro da minha mãe e do pouco que recebo dos plantões na clínica veterinária.
Mamãe jura de pés juntos que ama Fagundes tanto quanto amava papai e isso pesa na balança pro lado em que diz respeito a fugir com Diogo. Se ao menos ele me deixasse levar a Tati conosco...

Não! Eu preciso ficar e enfrentar os monstros que me assombram. Eu preciso abrir os olhos de mamãe quanto a algumas coisas que aconteceram e podem acontecer.

Eu odeio pensar nisso porque me dá asco.

Eu odeio ser fraca e não ter armas suficientes em mãos para deter esse tipo de coisa...

Fagundes já tentou abusar de mim.

Foi apenas uma vez, num dia em que tive a infelicidade de estar sozinha com ele. Eu cheguei cedo em casa após uma prova numa tarde. Mamãe fazia compras e Tati estava na escola. Eu, em frente à geladeira, punha água no copo. Senti as mãos dele, as mesmas mãos com as quais ele tocava o corpo da minha mãe, deslizando pelas minhas costas até chegar em minhas nádegas. De súbito eu, inocente, fiquei paralisada, mas agi, dando com minha mão na cara dele antes que tudo ficasse ainda pior.

— Nunca... mais... toque... em mim... e nem toque na minha irmã. — falei, entredentes.

Dias depois ele me pediu desculpas pelo acontecido. Fagundes alegou que havia tomado umas cervejas e que achou que eu fosse minha mãe.

Mas não minto, eu tenho medo de que esse homem fique sozinho com a Tati, contudo me tranqüiliza um pouco o fato dela estudar numa escola especial e passar praticamente o dia todo fora, chegando apenas de noite em casa. Além do quê, mamãe trabalha em casa como costureira. Só que eu tenho medo, tenho medo que aquele homem, que cegou minha mãe, possa tirar a pureza da minha irmã.

Eu nunca o perdoaria, por nada nesse mundo.

Quem vê a garota baixinha, de cabelos longos e cor de mel, com marcas de vinte e três anos vividos no rosto, sob aquele jaleco branco e caminhando pelos corredores da faculdade mal imagina que por trás do sorriso que eu esbanjo existem dúvidas, culpas e sentimentos que me perturbam. Todas essas coisas parecem que vão me assombrar para sempre. Mas eu vou ser forte, por mim, pela minha irmã, enquanto o sol brilhar.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram da Jana? Os próximos capítulos vão entrar mais a fundo na história do Bob e dela.