Enquanto o Sol Brilhar escrita por Gabriel Campos


Capítulo 1
Bob: Sem colesterol e sem gorduras trans


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: Dog Days Are Over.
Intérprete: Florence + The Machine.

https://www.youtube.com/watch?v=iWOyfLBYtuU



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Monto em minha bicicleta como faço todos os dias antes de ir trabalhar. E, como todos os dias, religiosamente, as pessoas que moram no condomínio onde eu durmo de favor se chocam quando vêm um cara tão gordo montado em cima de uma bike.

Prazer, sou Bob, o mais futuro ex-gordo da cidade.

A força de vontade é refletida em cada pedalada. A bicicleta não é minha, claro que eu não tenho grana pra comprar uma daquelas, mas logo eu quebrarei o meu cofrinho e terei cash o suficiente para isso. Eu tenho dois empregos: de dia, eu trabalho como entregador de garrafões de água, em um mercadinho. Do final da tarde até as dez da noite, sou contratado de uma lan house, tirando xerox. Já vi de tudo nessa vida, pois já tirei xerox de tanta coisa! Bem, eu me considero um cara vivido, sei que já vivi mais de um quarto da minha vida, pois já tenho vinte e cinco.

Moro de favor num condomínio, graças a uma senhora que me amparou quando eu saí de casa. Dona Tânia, uma septuagenária gente boa, viciada em nicotina e cafeína. Ela me prometeu que se eu parasse de comer besteira e de ferrar com a minha saúde ela pararia de fumar. A dona Tânia é esperta, eu sei que não vou conseguir emagrecer e sei que ela não quer parar de fumar.

Adoro ela.

Ah, você quer saber o porquê de eu ter saído de casa. Beleza, vou contar. É que, tipo, eu sou a ovelha negra da família e só percebi isso depois de velho. Sou o mais novo de quatro irmãos, todos homens: Julio, o mais velho, se formou advogado; Marcelo é professor de história e está lecionando no exterior; já Gabriel é jogador de futebol de um clube mais ou menos conhecido da região. E eu? Bem, eu nunca gostei de estudar, nem de correr atrás de bola, então eu saí de casa. Mas falo de boas com meus pais, de longe. Ficaram felizes quando souberam que eu arrumei um emprego e tal.

Muitos dizem que o ano começa logo após o carnaval, mas logo após o carnaval é a quarta -feira de cinzas e eu confesso que bebi uns gorós e passei esse dia com uma ressaca daquelas. Nada que me afaste do meu compromisso, da minha promessa de ano novo que eu já venho adiando há tempos: emagrecer, antes que a casa caia. Ou melhor, antes que eu caia num buraco a sete palmos da terra.

O que eu disser pode soar repetitivo, afinal, quem não tem problemas? Cada um carrega a cruz que consegue carregar, mas mesmo sabendo disso, sempre acho a grama do meu vizinho mais verde que a minha. Quantas pessoas já começaram uma dieta e pararam no meio do caminho? Inúmeras. Mas como minha mãe diz e eu lembro até hoje, em meus plenos vinte e cinco anos de idade, eu não sou todo mundo. "Você não é todo mundo, Bob.", ouço a voz de dona Elisabeth ecoando enquanto pedalo.

Só preciso pedalar meia hora por dia, só para começar. Eu bocejo sem parar, como se tivesse dormido pouco na noite anterior ou como se me faltasse ar. Por Deus, estou cansado, deduzo. É isso, estou cansado e isso deve ser bom. Olho no relógio e percebo que não faz nem cinco minutos que estou pedalando.

Jogo a bicicleta no chão, me sento no meio fio e abro uma garrafa de Aquarius Fresh (4 calorias) . Acho que é um tipo de refrigerante Light ou pelo menos é assim que eu o considero. A pausa para descansar dura mais que o próprio exercício, mas isso não me abala, não me entristece.

Eu estou mentindo pra mim mesmo: É óbvio que estou triste.

Todo começo de ano é a mesma merda de sempre: as pessoas fazem promessas que não podem cumprir e eu não sou tão diferente. Minha dieta mais demorada durou quinze dias e eu ganhei bem mais do que os gramas que perdi nesse período quando desisti e mandei um foda-se para essa droga de contar calorias.

Eu não quero ver comida, quero ver números. É assim que tem que ser. Enquanto o sol brilhar.


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Notas finais do capítulo

Não sei se alguém vai querer ler hshuuahsas mas blz