A menina e o Lobo escrita por Bonnie Only


Capítulo 7
Pescando com Kenai




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E era assim que os dias se passavam. Eu achei que minha vida mudaria se eu ajudasse aquele lobo, mas foi tudo ao contrário, eu alimentei ele e fiz tudo o que podia, pra depois o mesmo se virar de costas e nem ao menos me deixar acariciar sua cabeça.

Eu achei que faria a diferença. Poderia parecer algo idiota, mas eu estava tão feliz em estar cuidando daquele lobo. Achei que eu serviria para alguma coisa pelo menos uma vez na vida, além de ser uma criança chata que se sente uma intrusa acompanhando papai em suas viagens. Achei que eu deixaria alguma marca aqui .

Se passaram duas semanas. Foi o tempo suficiente para meu pai e seus amigos matarem uma bela quantidade de raposas brancas, as quais achei magníficas, mas estavam mortas. Aquela viagem para a floresta congelada da America do Norte, com muita certeza valeu muito a pena para meu pai. Eles conseguiram o que queriam. E eu não, no momento, sou apenas uma criança, decepcionada por ter cuidado de um lobo e não ter passado mais tempo com ele.

Papai saía da cabana acompanhado de suas armas e seus amigos.

— Melody, filha, eu já vou indo. — Papai gritou, assim que já ultrapassou a porta.

Não o respondi, continuei sentada no chão da cabana, brincando com minhas próprias mãos. Por minha sorte, sairíamos mais cedo dali, a caçada foi mais promissória do que pensávamos.

Papai saiu para caçar mais uma vez, me deixando sozinha. Entediada, decido que vou sair para brincar na neve. A nevasca havia diminuído, assim eu poderia tentar me divertir um pouco.

Com minhas botas pesadas, feitas especialmente para andar na neve, saio da cabana, pisando na maravilhosa e macia neve, que estava esparramada pelo chão.

Me aproximo de alguns gravetos caídos e os agarro. Me abaixo na neve, começo a desenhar no chão. Eu estava em frente da minha cabana, enquanto desenhava uma porção de figuras. Tento desenhar um lobo na neve, mas não ficou muito bom.

Mas logo me assusto. Um uivo. Olho para cima, lá em cima, na montanha de pedra, acima de mim, estava um lobo branco, uivando triunfalmente.

Ainda olhando para cima, abro um imenso sorriso. Era ele! Com certeza era ele! Papai havia matado a metade da alcatéia dele e a maioria deles fugiram! Com certeza era ele, o lobo que eu ajudei!

Animada, me levanto, pisando em cima do desenho que acabei de fazer na neve caída no chão. Corro rápido, até chegar aonde o lobo estava, em cima do penhasco.

Quando chego até lá, ele estava ali. Assim como no filme rei leão, onde Simba fica olhando o horizonte, em cima da grande pedra.

Com passos curtos, vou me aproximando dele, que estava de costas para mim. Estendo minhas mãos, ameaçando tocá-lo, por minha sorte ele ainda não havia percebido a minha presença.

Quando minhas mãos e seu maravilhoso pelo estavam com um palmo de distância, ele olha para trás. Com o susto, eu cambaleio um passo para trás. Ele logo me surpreende mostrando seus dentes, me ameaçando.

— Oi! — Eu digo, rouca, tentando não passar o medo que eu estava sentindo, enquanto dou leves passos para trás. — Eu cuidei de você... Se lembra de mim? Já passaram duas semanas... — Eu sorri.

Era ele mesmo. Havia um pouco de sangue já seco na lateral de seu peito.

Ele começou a se aproximar de mim, ainda mostrando seus dentes e rosnando. Ele iria avançar?

Ainda andando de costas, acabo caindo. Ele então dá uma pequena corridinha até mim. Deitada no chão, com os olhos super estufados, começo a respirar ofegante. O lobo-branco me encarava, de perto. Ele parecia cerrar seus olhos para mim. Era um sentimento tão profundo que eu estava sentindo, ele não era como os cães de rua que eu já havia acariciado, ele era diferente. Seria tão perigoso se eu tentasse tocar em sua cabeça, sentir seu pelo macio. Talvez seja por isso que eu quero tanto tocá-lo.

Deitada, ergo minhas mãos para acariciá-lo, mas ele rapidamente sacode sua cabeça e dá uma leve espirrada.

Eu dou uma risadinha.

Logo fico sentada no chão.

— Meu nome é Melody. — Eu sorrio para ele, que estava virado de costas para mim, acho que me ignorando.

Ele continua sentado, virado de costas para mim.

— Você tem um nome? — Pergunto de novo.

Ele continua me ignorando. Perdi todo meu medo, era tão legal estar perto de um lobo e perceber que ele não quer te atacar. Ele parecia um ser humano, me ignorando daquele jeito.

— Eu posso te dar um nome? Você gosta de... Buster? — Olho para ele. — Eu sei, é nome para cachorro. — Eu ri. Ele continuou sentado de costas para mim. — Que tal Tobby? — Falei, ainda sentada na neve e no mesmo local no qual caí.

Ele continuou na mesma posição.

— Tudo bem, vamos lá. Você gosta de Bobby? — Continuei tentando chamar a atenção dele. — Tem razão, tenho que parar de escolher nomes de cãezinhos para você. — Eu ri sozinha, enquanto ele faltava fechar os olhos me ignorando, enquanto um leve vento batia dali de cima, onde estávamos.

— Tudo bem, que tal Kenai? — Eu disse.

Ele virou sua cabeça para mim. Por alguns segundos ficou me olhando, aquilo era um sim? Eu sorri para ele, ele logo virou a cara de novo.

— Tudo bem, seu nome será Kenai. — Lentamente vou me arrastando até ele, sem ele perceber.

Era tão bonita a forma que ele me ignorava, que seguia seus instintos e, mesmo assim não me atacava.

— Olha, por que você e seus amigos me seqüestraram, aquele dia? — Falei, sabendo que ele não me responderia. — Eu achei estranho, porque nenhum de vocês me atacaram e, quando seus amigos saíram para me caçar, você ficou comigo, me vigiando. Será que você... Consegue entender o que eu digo? Está me ouvindo? — Perguntei calmamente para ele e, quando dei por mim, estava ao seu lado.

Lá estava eu, ao lado do lobo-branco, ou devo dizer, Kenai. Juntos estávamos em cima de um tipo de montanha pequena, que se olhássemos para baixo, veríamos a minha cabana, bem escondida de qualquer vista.

Olho para o lobo, que está ao meu lado, sentado. Sua cabeça está abaixada, ele parecia triste. Fiquei pensando, qual o motivo que um lobo teria para ficar triste?

Havia um. Papai havia matado seus amigos, ou seja, os outros fugiram, deixando Kenai sozinho. Ele estava só, perder uma alcatéia deve ser um tanto difícil.

— Me desculpe. Eu não tenho culpa. — Falei, ele continuou com sua cabeça baixa.

O lobo rapidamente se levanta. Me deixando sozinha, sentada na neve.

Ele começa a correr um pouco rápido pela neve.

— Ei, volta aqui! — Gritei, fazendo força para me levantar, logo em seguida caindo de novo. — Aonde você vai? — Gritei, observando ele se distanciar.

Quando me levanto, começo a correr atrás dele. Será que era a minha chance de conhecer sua toca, ou algo assim?

Corro sem parar atrás dele, me desviando de algumas rochas com gelo de meu caminho, ou de algumas árvores que começaram a aparecer como intrusas. Árvores cobertas por gelo.

— Ei! — Comecei a gritar, me desesperando. Para onde ele estava indo? Comecei a me arrepender por estar correndo atrás dele, estávamos ficando muito longe da cabana.

Já ofegante, dei uma parada, encostando-me em uma árvore gelada. Mas logo continuo a correr atrás dele, que inesperadamente, para. Atrás dele, começo a me aproximar e dou de cara com um riacho. Era bastante raso, as águas corriam normalmente, fiquei me perguntando “ Qual o motivo de a água não ter congelado?”.

Atrás da árvore, observo o lobo, caminhando com suas maravilhosas patas até o riacho, o qual não cobria suas patas, por ser bastante raso.

Inesperadamente um salmão pula. Isso foi engraçado! Um peixe pula do riacho, assustando Kenai. Eu dou uma risadinha. Logo, mais um salmão pula, batendo com o rabo no focinho de Kenai. Ele rapidamente tenta abocanhar o salmão, mas não consegue. Rindo, eu saio de trás da árvore e fico ao lado de Kenai.

— Você é engraçado — eu digo.

Ele parece me ignorar, logo entra mais além do riacho.

Fico ali, fora do riacho, observando Kenai e sua busca por um peixe para se alimentar.

— Ali tem um! — Eu aponto com meu dedo, coberto por uma luva um tanto grossa.

Ele olha exatamente para onde eu apontei, então corre atrás do salmão, batendo suas patas na água e fazendo um “ploft” bem notável, conforme sua pata batia na água.

Ele rapidamente enfia sua boca e nariz debaixo da água, nas esperanças de pegar o peixe, mas quando retira a boca dali, não sai nada. Eu rapidamente caio na gargalhada.

Ele olha para mim, cerra seus olhos, bravo, talvez.

Então, sem ele perceber, entro também no riacho. Observo minhas botas molhando, mas não ligo, ela era um tanto grossa. Sabendo que seu eu tirasse minha luva e enfiasse minha mão no riacho, eu congelaria, resolvi tentar pisar em cima de algum peixe.

Observando fixamente a água, consigo ver um salmão passando por meus pés. Enquanto Kenai lutava para pegar um peixe, eu lutava para pegar outro. Eu pulava para tentar cair em cima do peixe, mas ele sempre era mais rápido. Já Kenai tentava pegar os peixes com suas belas patas e seus dentes caninos.

Conforme eu pulava, a água espirrava para todo canto, molhando um pouco da minha blusa e calça, já que meu par de botas já estava todo molhado.

— Veja Kenai! Pisei no rabo dele! — Eu grito, após sentir algo preso debaixo dos meus pés. Enfio minhas mãos com luvas e tudo embaixo da água. Sinto um frio tremendo invadir minhas mãos. Mas consigo pegar o peixe, que era um tanto grande e se debatia em minhas mãos, me fazendo assustar.

Kenai olhou para mim, logo joguei o peixe na neve, fazendo Kenai correr atrás dele e, com uma grande abocanhada, pegou o mesmo na boca e começou a estraçalhá-lo.

[...]

Após Kenai comer todo o peixe, resolvi voltar para a cabana, o céu ainda estava claro, porém flocos de neve começaram a cair. Observei Kenai deixando o local, enquanto sumia com toda sua beleza entre as árvores, me deixando sozinha no local, ao lado do riacho gelado.

Usando minha memória, comecei a correr dali. Comecei a ouvir alguns uivos, isso estava me dando medo. Corri até ficar livre de algumas árvores congeladas, até ter a visão ampla de minha cabana. Quando consegui chegar até lá, a porta estava aberta.

[...]

— Eu não acredito que teve a ousadia de sair dessa cabana mais uma vez! — Meu pai gritava comigo, enquanto ficava pra lá e pra cá, eu apenas fiquei parada, olhando pra baixo, enquanto ele dava uma bronca em mim. — Esse lugar é muito perigoso! Aqui não há só lobos devoradores! Há outros bichos que matariam você facilmente! Principalmente nesse horário! — Ele olhou para mim e avistou a minha cara, olhando para o chão. — Você está me ouvindo? — Ele chamou a minha atenção.

Eu assenti levemente com minha cabeça.

— Olhe para suas luvas, Melody! — Ele pegou minhas mãos e sentiu o pano úmido que estava minhas mãos. — Você sabe que se ficarmos muito tempo, com roupa molhada na neve, é capaz de acontecer alguma deformação em nosso corpo? Será que vou ter que começar a trancar a porta dessa cabana? — Ele gritava.

Eu saí da frente dele, enquanto os amigos caçadores, riam de mim.

Caminhai até nossa gigantesca trouxa de roupas, rapidamente tirei minhas luvas molhadas, as substituindo por luvas novas e secas.

— Troque essa roupa toda, Melody! — Meu pai gritou de novo. — E mais uma vez, você é muito pequena para sair sozinha por aí. Pode dar de cara com algum lobo, se ficar frente à frente com um outra vez, pode dar adeus à sua vida. — Ele gritou.

Olhei para ele, brava, mas sem ele perceber. Retirei minha blusa um pouco molhada, colocando uma mais quente e seca. Logo em seguida tirando minha bota molhada e também a substituindo.

— Papai, eu estava conversando com um lobo. — Falei, após o silêncio se apoderar dali.

Ele virou sua cabeça para mim, com suas sobrancelhas franzidas.

— Melody, não estou com cabeça para isso. — Ele bufou.

— Mas é verdade. — Falei de novo.

Os amigos do meu pai, observavam a cena discretamente, enquanto comiam seus sanduíches amassados.

— Filha, eu sei que você ficou presa com aqueles lobos aquele dia. Mas isso não significa que eles são bons. — Meu pai trocava as balas de sua arma para matar animais. — Eu te admiro por ter sobrevivido naquele dia. Já li sobre alguns lobos, normalmente eles não se sentem ameaçados quando se trata de uma criança. Mas isso não significa que você pode confiar neles. Eu diria que aquele dia você teve sorte por eles estarem de barriga cheia. Se não...

— E se eu dissesse que eles não estavam de barriga cheia? Você acreditaria em mim? — Pergunto.

— Não. Eles provavelmente estavam.

— Tem toda razão chefe! — um dos caçadores se intrometeu de boca cheia. — Uma vez já fiquei bem perto de um lobo, ainda desarmado. A criatura rosnou pra mim feito um demônio! Deu até medo! Por minha sorte, meu tio atirou nele, se não... Não sei o que teria acontecido comigo. Só um sortudo para sobreviver ao lado de um lobo, claro, se você estiver armado já é outra coisa.

— Isso mesmo, Félix. Todos eles merecem morrer com um tiro no peito, esses animais não prestam, qualquer coisa já pensam em morder ou em nos matar, por que não podemos fazer o mesmo com eles? A sociedade deveria aceitar os caçadores ao invés de ficar nos proibindo. — Papai disse, rindo.

Por que era tão difícil acreditar que passei um dia ao lado de um lobo? Papai viu como eu fui protegida por eles aquele dia! Mas cisma em dizer que foi pura sorte minha e, que eles estavam de barriga cheia. Por que ele odeia tanto assim os animais? Só por que um lobo matou o vovô no habitat natural dele?

Indignada com a conversa cruel, decido tentar dormir.


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