Tudo parecia mais calmo quando Tsurara finalmente voltou para o salão principal da casa da família Nura. Alguns dos youkais tinham já saído e as pessoas restantes pareciam num misto de preocupação e cansaço. Ao ver Tsurara voltar para o cômodo, Rikuo seguiu-a com o olhar como se perguntasse silenciosamente se estava tudo bem. Afinal, não era muito normal da parte dela sair no meio de uma reunião indiscutivelmente importante.

— Está tudo bem? - perguntou Rikuo quando ela sentou-se ao seu lado.

— S-Sim… - disse Tsurara abrindo um sorrindo um tanto falso para ele achando que não era um bom momento para contar a provável descoberta já que ele estava com muitas preocupações no momento - O que eu perdi?

— Kiyotsugu, Yura e Maki vão passar a noite aqui. Por precaução. - disse Rikuo - Caso essa situação não se ajeite até a noite.

— Não vamos então esperar a semana inteira então? - perguntou Tsurara.

— Não mesmo. Tenho medo do que pode acontecer com elas se esperarmos tanto assim. - disse Rikuo - Vamos ver o tanto de informação que conseguimos juntar até de noite. Não sabemos direito o que eles planejam.

 - Sim… - disse Tsurara.

Dada a situação com a qual estavam lidando, a provável descoberta de Tsurara lhe pareceu algo que não deveria ser mencionado ainda. Ainda mais quando a garota percebeu o quão preocupado e agitado Rikuo parecia. O caos na casa não ajudava em nada. Assim, dada a situação e também ao mero detalhe de ela não ter ainda 100% de certeza, Tsurara achou melhor guardar essa pequena informação para si por mais algum tempo por mais que tenha sido muito difícil deixar a mão longe da barriga a cada hora que se passava.

Não demorou muito para youkais iam de um lado para o outro, muitas vezes querendo falar com Rikuo, enquanto as coisas começavam lentamente a andar. Essas coisas envolviam preparar tudo para que Kiyotsugu, Yura e Maki passassem a noite lá e também as investigações e discussões envolvendo o sequestro dos outros amigos de Rikuo.

— Que droga! - reclamava Maki dando um soco no futon que havia sido estendido no chão do quarto de Rikuo para que ela dormisse assim como um havia sido estendido também para Kiyotsugu e Yura - Eu queria poder ser mais útil.

— Eu também… - disse Kiyotsugu soltando um pesado suspiro enquanto viam Rikuo passar apressado na frente da porta do próprio quarto seguido de Yura e Tsurara.

Apesar do medo de atrapalhar, os dois amigos se levantaram e foram até a porta. Não quiseram sair do quarto para não ficarem no caminho de ninguém passando mais, dali, podiam ver mais do desenrolar da situação enquanto as horas iam passando e novas informações chegavam. Afinal, uma pequena roda de conversa havia espontaneamente se formado pouco além do quarto de Rikuo. Ela incluía, além do próprio Rikuo, Tsurara, Yura, Kurotabo e Kejoro. 

— Assim que o sol começar a se por já vamos indo para a Tokyo Sky Tree. - disse Kejoro - Talvez se conseguirmos pegar os últimos minutos dela aberta para visitação a gente possa se misturar com os turistas. 

— Arriscado demais. - rebateu Yura - Vamos acabar botando alguém em perigo desse jeito.

— Concordo com a Yura. - disse Rikuo.

— Aliás, estava pensando… - disse Yura - Acho difícil eles acabarem fugindo por terra, mas pensei em colocar alguns shikigamis e coisas do tipo nos andares mais baixos para que eles não fujam por lá.

— É uma boa ideia. - concordou Tsurara - Podemos pedir para alguns dos youkais que voam ficarem de prontidão ao redor também.

— Sim. Estava pensando nisso também. - disse Rikuo.

Foi nesse momento que a filha de Karasu-Tengu, Sasami, se aproximou do grupo com passos apressados. Suas roupas chamuscadas e sujas indicavam que o caminho até ali não havia sido nada simples ou fácil.

— Rikuo-sama, - começou ela - descobrimos informações importantes. Fomos emboscados no caminho, verdade, mas conseguimos descobrir mais sobre esse Takeo.

— Seus irmãos estão bem? - perguntou Kejoro ao sentir a falta dos outros dois.

— Sim. Tosakamaru se machucou, mas conseguimos trazer ele de volta sem problemas. - disse Sasami olhando para Kejoro mas então trocando o olhar para Rikuo - Rikuo-sama, descobrimos Takeo Ootakemaru é de fato neto de Ootakemaru. Em sangue ao menos. Sua mãe foi renegada da família após ter se casado com um humano e tido um filho com ele, o próprio Takeo. O grande Ootakemaru não mantém mais laços com eles e tenta esconder essa informação debaixo dos panos por, em sua visão, ser uma desonra para o nome da família se ver misturada com sangue humano. Mas isso não impediu Takeo de usar a fama do avô para juntar aliados em seu nome na tentativa de deixar uma região sob seu poderio.

— Que imagino que seja bem na região que eu e Yura queríamos fazer a zona neutra… - chutou Rikuo.

— Sim. Precisamente. - confirmou Sasami - Mas é algo bem instável de toda forma. Não dá para chamar ele de líder de coisa alguma tecnicamente. Ele pode até conseguido youkais para o seguir, alguns de outras regiões inclusive, mas ele não é reconhecido pela maioria os youkais na região que diz ser sua. Provavelmente por ser um meio-youkai.

— Quase fiquei com pena dele… - comentou Kurotabo com um suspiro.

— Se tivesse acontecido alguma chance de diálogo antes…. - disse Rikuo suspirando cansado. 

— Um desses aliados dele devem ter… - sugeriu Kejoro soltando um pesado suspiro deixando a frase no ar - .. sabe….

— Nunca que Nurarihyon-sama perderia pra um meio-youkai. Mesmo um oni do clã Ootakemaru descendente direto dele. - disse Kurotabo.

— Temos que levar em conta a idade? - perguntou Yura cabisbaixa - Ele não era mais jovem, né? Mesmo para um youkai…

— As Kage-onnas podem ter ajudado. - disse Sasami - E mais… descobrimos que alguns dos youkais do lado deles são alguns onis variados. Ele também conseguiu se aliar com uma família de Konoha-Tengu. Vimos quatro deles. Foi por causa deles que Tosakamaru voltou ferido.

— Nossa. Faz tempo que não escuto falar de Konoha-tengus. - disse Tsurara levemente surpresa.

— Konoha-tengus não são tengus de alto nível como Karasu-tengus. - disse Kuroumaru, o mais velho dos filhos de Karasu-tengu se aproximando e juntando a conversa seguido de Kubinashi - Me culpo por não ter conseguido derrotar eles completamente.

— Está tudo bem. - disse Rikuo de forma apaziguadora - Como está Tosakamaru?

— Está bem. - disse Kuroumaru - Mas provavelmente não vai conseguir ir conosco se desejar ir até a Tokyo Sky Tree hoje a noite.

— Então… pretende ir para a Tokyo Sky Tree hoje a noite? - perguntou Tsurara olhando para Rikuo.

— Com certeza. - disse Rikuo - Algum outro youkai além desses que viu, Sasami?

— Tinham outros com certeza mas conseguimos identificar esses. Contudo, posso dizer que maioria eram onis. - explicou Sasami.

— V-Vai… ficar tudo bem com elas né? E com vocês também né? - perguntou Maki se aproximando timidamente junto com Kiyotsugu da reunião que havia se formado ali.

Ao ver a preocupação que estava tanto no olhar de Maki como no de Kiyotsugu, Rikuo e Tsurara não puderam deixar de sorrir ao ficarem feliz de notarem como tinham bons amigos. Essa percepção também chegou até Kurotabo e Kejoro que com certeza ficavam orgulhosos do fato de Rikuo ter conseguido encontrar bons amigos.

— Vai ficar tudo bem. - disse Rikuo tranquilizando os amigos - Ainda temos pouco mais de duas horas até o sol começar a se pôr. Vamos ficar planejando como chegar lá do jeito mais provável de tudo dar certo.

E nas horas seguintes, foi justamente isso que eles fizeram. Os vários youkais e os humanos também ali presentes se reuniram no salão principal e discutiram longamente sobre o melhor jeito de chegar na Tokyo Sky Tree e salvar Torii e Kana. Todavia, mesmo no meio de discussões tão importantes, Tsurara não conseguia evitar deixar sua mente vagar para outros assuntos. Inconscientemente, sua mão deslizava delicadamente até sua barriga enquanto fazia silenciosa e mentalmente a grande pergunta. Estaria mesmo grávida? Tudo parecia indicar que sim pelo menos, mas não era como se já tivesse alguma confirmação mais certeira ainda e dificilmente conseguiria naquele mesmo dia dadas as complicações que os cercavam.

Com a iminente aproximação da noite, um grupo cautelosamente selecionado foi em direção à Tokyo Sky Tree. O sol começava a se esconder às costas do grupo emoldurado pelos prédios que se erguiam na margem oposta do rio Sumida enquanto à frente deles estava a Tokyo Sky Tree, o maior edifício de toda Tokyo. Parte desse grupo incluía Kurotabo e Aotabo que inventaram uma desculpa qualquer para evacuar as pessoas que estavam na Tokyo Sky Tree e no shopping que ficava aos seus pés. Afinal, ninguém ali queria fazer novas vítimas. Esse tempo de evacuação também era aproveitado por Yura para preparar alguns selos e shikigamis simples mas efetivos nos andares mais baixos da torre.

Enquanto isso, do lado de fora, com o canto do olho e um nervosismo dentro de si motivado por vários motivos, Tsurara viu quando os olhos de Rikuo começaram a mudar de cor e seu cabelo começou a crescer e ficar de um belo tom de branco-prateado. O olhar dos dois então foi para o alto da enorme torre enquanto se perguntavam em qual das duas plataformas as amigas estavam. A construção quase inteiramente branca era sem dúvida incrível e fornecia uma vista tão espetacular de Tokyo que, nos dias menos nublados, podia-se até mesmo ver o Monte Fuji. Contudo, eles não estavam ali para turistar. E talvez tenha sido exatamente devido a luta que os aguardava ali que Tsurara achou que devia ser sincera com Rikuo.

— Rikuo…. eu… ahm… - disse Tsurara começando a achar injusto ele não compartilhar ao menos de suas dúvidas - Sei que talvez não seja uma boa hora mas…

— O quê? - perguntou ele preocupado notando a excitação dela em continuar o assunto - Você tem estado meio estranha o dia inteiro. Meio distante.

— Bem… é que… - disse Tsurara suspirando longamente e olhando para o grande prédio diante de si do qual os turistas estavam já saindo motivados por uma evacuação falsa criada pelo clã Nura - Bem… ainda não é uma confirmação. É apenas uma suspeita mas…

— Mas? - perguntou Rikuo ficando preocupado sem conseguir imaginar o que Tsurara queria falar.

— Existe a possibilidade de… de eu talvez estar grávida… - disse Tsurara.

Dentre todas as coisas que Rikuo esperava ouvir de Tsurara, aquela sem dúvida não era uma delas. A surpresa foi tanta que ele não sabia bem ainda como reagir. O jovem olhou para ela com os olhos arregalados e a boca um pouco aberta como provas de sua surpresa. A bomba havia sido tanta que ele esqueceu-se completamente da situação que tinham ante de si.

Ao lado deles, Shoei, que também fazia parte do grupo, ficou surpreso ao ouvir a informação também. O grande e jovem youkai de cabelos brancos e vermelhos estava se segurando com muita dificuldade para continuar parecendo concentrado na batalha que estava por vir. Felizmente, a máscara que cobria seu rosto escondia o sorriso que queria aparecer mas que ele tentava controlar.

— É-É sério? - perguntou Rikuo incrédulo.

— B-Bem… - gaguejou levemente Tsurara - ainda não é a certeza mas-

A fala da garota foi interrompida quando Rikuo se aproximou repentinamente e a abraçou enterrando o rosto dela em seu peitoral enquanto mantinha a mão sobre a cabeça dela de forma protetora. Tsurara abriu então um doce sorriso enquanto abraçou Rikuo de volta e sentiu os olhos encherem de lágrimas.

Os dois poderiam ficar ali por toda a eternidade, mas não foi isso que aconteceu pois Rikuo afrouxou do abraço e segurou o rosto dela delicadamente até que ela estivesse olhando para ele. Foi aí então que Tsurara viu que ele estava com um belo sorriso no rosto e, ao notar isso, ela deixou escapar uma leve risada.

— Será que esse sorriso seu diz que eu não sou o único que espera que essa dúvida vire uma certeza? - perguntou Rikuo.

— Com toda certeza. - disse Tsurara rindo de leve.

Rikuo e Tsurara ficaram perdidos nos olhares um do outro por alguns segundos mais antes de trocarem um longo e doce beijo. Tão imersa na felicidade, Tsurara nem notou quando uma lágrima rolou pelo seu rosto. Bem, era uma lágrima de felicidade pelo menos. Então não havia motivo para ela se preocupar com tal detalhe naquela cena que lhe parecia perfeita.

Depois de alguns segundos, no entanto, eles se separaram mais uma vez e foi com um olhar preocupado que Rikuo olhou para ela.

— Se é assim… deveria estar em casa, não aqui. - disse ele seriamente.

— Pensei isso também… - disse ela suspirando e desviando um olhar - Queria te ajudar mas…

— Não quero parecer ter ouvido escondido a conversa de vocês mas… eu concordo com Rikuo. - disse Shoei.

— É perigoso e sabe bem disso. - ralhou Rikuo.

— Eu posso levá-la de volta. Para ter certeza que vai chegar lá bem. - ofereceu Shoei.

— Eu sei… eu sei. - insistiu Tsurara se soltando dele - É perigoso e justamente por isso que quero te ajudar mas… também não sou burra de não notar o óbvio. Se é perigoso, talvez eu devesse ter ficado em casa por causa do bebê… que não é uma certeza total ainda e… 

Um suspiro cansado e frustrado escapou dos lábios de Tsurara. Era claro que ela estava em conflito interno quanto a o que fazer. Rikuo notou a incerteza dela quanto o que fazer e, tentando tranquilizá-la, pegou sua mão gentilmente. O jovem rapaz já ia abrindo a boca para dar uma solução para aquele problema quando sua atenção foi tomada por três fortes e agudo som como de uma ave grande irritada. 

Quando os dois se viraram na direção do barulho, viram um grande pássaro, tão grande quanto ou até maior do que uma pessoa. Seus braços eram pelancudos e extremamente roxos enquanto suas penas eram levemente roxas no corpo e lilás nas asas. Um pequeno hexágono azul amarrado na testa indicavam bem à qual tipo de youkai aquele grupo pertencia, eram konoha-tengus.

— Eles viram a gente. - disse Tsurara.

— Viram. - disse Rikuo preparando a espada