Colorful escrita por Isabelle


Capítulo 4
Capítulo 3 - Sally


Notas iniciais do capítulo

E se você ainda estiver sangrando, você é sortudo
Porque a maioria dos nossos sentimentos, estão mortos e acabados
Nós estamos incendiando nossas entranhas por diversão
Coletando imagens da enchente que destruiu nossa casa
Foi uma inundação que destruiu isto.
— Daughter



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A moto já estava estacionada em frente a sua casa quando ela abriu o portão. O sorriso dele estava estampado e ele tinha aqueles cabelos ruivos despojados, acompanhado com aqueles belos pares de olhos. Ele estava usando o uniforme da polícia, o que significava que ele tinha acabado de sair do seu turno. Sally já tinha se acostumado tanto com sua presença, que estava começando a querer construir aquela barreira envolta de si. Não queria se apegar. Sempre que se apegava se dava mal. Muito mal.

Aquela noite se arrependera de ter sido flagrada por ele, não estava planejando nenhuma loucura, não conscientemente, mas queria ter ficado em paz. Agora tinha um melhor amigo, e estava se apegando muito a ele. Não no sentido amoroso, claro. Tinha uma promessa a cumprir consigo mesma, e não deixaria um menino daquele. Um menino que mal ligava para as mulheres, desandá-la de seu caminho.

― Você está viciado em mim. ― Ela disse apertando sua bolsa no ombro e se aproximando dele.

― Sim, e você sabe, a única coisa que tira esse vicio, seria você se entregar aos prazeres carnais que eu posso te fornecer.

― Não vou dar pra você, Noah. ― Sally disse com sua força atual.

Tinha seu mundo e seus problemas. Não estava precisando de um menino para bagunçar sua rotina.

― Dar é tão inconveniente, talvez você queira tentar ser uma dama e dizer fazer amor.

― Você é o que? Uma menininha? ― Ela perguntou

― Sou um menino que gosta de sair com várias meninas, nada demais. ― O sorriso dele iluminou a manhã.

― Você é um cafajeste.

― Basicamente, mas não usamos por esse nome, porque senão seriamos todos virgens.

― Ou não, tem muita menina hoje em dia dispostas a abrir a perna por nada. ― Ela continuava em pé olhando para ele.

― Vou te explicar o livro de regras, com as sete primeiras regras para você reconhecer um, e não abrir as pernas para ele.

― Acabou de me dizer para não abrir as pernas para você? ― Ela olhou assustada. ― Isso é um grande passo sociedade.

― Não, seria um pecado dizer isso. ― Ele deu aquele olhar, o olhar de lado com os olhos cinzas brilhantes. ― E um desperdício também, porque imagina se tivermos filhos, eles seriam lindos. Mas a pergunta foi por que você está interessada? ― O jogo de sobrancelhas tipico.

― Você é tão convencido. ― Ela revirou os olhos e bufou.

― Convencido não, eu só sei da verdade. ― Ele sorriu e pegou o capacete que estava no guidão. ― Agora sobe aqui, neném.

― Neném? ― Ela deu uma risada. ― Agora que eu não subo aí, nem se você me pagar.

― Tudo bem, agora sobe aqui, antena a cabo. ― Ele disse relembrando aquela primeira noite, e tirando um sorriso dela.

― Não, vou subir, não tenho conforto e não me sinto segura.

― Sou policial, estou num uniforme super sexy, e está recusando uma carona? ― Ele perguntou olhando sério para ela, mas ela sabia que ele estava zoando.

― Afaste-se, e eu não vou pôr a mão envolta da sua cintura. ― Ela disse sentando-se atrás dele.

― Tudo bem, mas se você cair, e quebrar a coluna, eu não me responsabilizo.

― Não vou cair. ― Ela disse enquanto ele dava ignição na moto. ― Alias, o que é esse angry bird no seu rosto?

― Se chama barba. ― Ele disse como se estivesse ofendido, pondo o capacete. ― E é sexy.

― Se chama barbeador. ― Ela completou. ― E não é caro.

― Engraçadinha. ― Ele disse antes de disparar pela rua a fora.

Sally tentou segurar em todas as partes da moto, mas no final teve que envolver suas mãos na cintura de Noah. Ela tinha certeza que ele tinha dado um de seus sorrisos convencidos, quando sentira a mão dela deslizar por aquela cintura.

Ele a levou para um cafeteria no centro, onde havia uma série de leituras de poemas. Seria como uma competição, mas nada tão acirrado.

― Achei que iria gostar disso. ― Ele sorriu de lado.

― De poesia? ― Ela perguntou e fez uma cara de nojo.

Se contasse para ele, e tentasse explicar, mesmo assim nunca conseguiria mostrar o quanto era apaixonada por poesia. E agora ele o trouxera bem ali, num recital. Realmente deveria agradecer aos céus por aquele menino respeitar as linhas da amizade entre os dois.

Um menino dos olhos verdes, com um cabelo loiro despojado subiu ao palco. Ele tinha um óculos boca de garrafa, o que deixava seus olhos bem maiores, e estava sorrindo para uma morena que estava sentada numa mesa do canto conversando com outras duas meninas. Uma loira, e uma outra ruiva. Elas não pareciam muito focadas nele, mas ele estava totalmente e incondicionalmente focado nela.

― Meu nome é Emílio. ― Ele parecia um pouco nervoso, e isso só piorou quando a atenção da morena se voltou a ele. ― E esse poema se chama Seus cabelos.

Ele tentou se focar na garota, que sorria e olhava interessada.

Talvez um dia,

Não sei quando,

Talvez daqui um ano,

Dois anos,

Num esbarrar na rua

Você me reconheça.

Talvez um dia,

Não seja somente as mechas escuras

Do seu cabelo que caiam na minha mesa,

Talvez daqui um ano,

Dois anos,

Seu olhar caia por cima do meu

E você me reconheça.

Talvez um dia,

Você saiba meu nome,

Até meu sobrenome

E talvez assim assim

você reconheça

Que eu sou muito mais do que

Só o nerd retardado

Que você pega tarefa.

Talvez, só talvez

Você pare de se prender nesse mundinho

Cor de rosa

E perceba que faz quatro anos

Quatro longos anos

Que sou quem sempre está ali

Mesmo em silêncio.

Então espero que você

use esse talvez hoje,

ou até mesmo semana que vem,

porque esse menino não vai continuar

vivendo de talvez.

A menina morena continuou com um olhar impassivo, como se estivesse lembrando quem ele era. Mas continuou sentada na mesa sem nenhuma reação. O garoto olhava para ela, esperando que ela fizesse algo ou dissesse alguma coisa, mas estava se tornando uma situação constrangedora, então Sally começara a bater palmas, tentando aliviar a tensão. Todas as outras pessoas seguiram a onda.

― Ele foi muito bem, mas isso é meio diferente.

― Sim, mas é uma forma que as pessoas expõe seus sentimentos uma para as outras. ― Noah estava bem próximo dela. Conseguia sentir seu bafo quente em seu pescoço.

― É uma forma ótima. ― Ela disse e continuou olhando para os dois.

A menina se levantou e caminhou lentamente até ele. Seu sorriso desapareceu quando ela cochichou alguma coisa em seu ouvido, e eu já poderia imaginar. Ela tinha o tipo clássico de uma dessas meninas que tem namorado, mas eu podia ver nela o quanto se sentia mal por fazer aquilo com ele.

― Bem, funciona algumas vezes. ― Ele deu de ombros ao dizer. ― Também funciona como fora.

― Cafajeste. ― Ela disse fazendo com que ele relembrasse.

― Ah sim, obrigada, são várias as regras básicas de todo cafajeste. Principalmente os verdadeiros.

― Por favor, fale somente as mais importantes.― Ela falou e revirou os olhos. ― Primeiramente, pegar só o nome e sobrenome, se essa for a primeira eu já sei. ― Ela disse, mas ele fez um barulho com a garganta como se fosse para la deixar o mestre explicar.

― Número 1: Nunca vamos pegar mais que o seu nome e idade, a gente mal se lembra do nome, imagina se tiver esse rolo de sobrenome. ― Ele revirou os olhos como se isto fosse óbvio.

― Mas é claro, não é Egnéia?

― Número 2: Nós nunca vamos ligar no outro dia, por mais que falemos que vamos, nós não vamos, nunca. ― Ele tomou um gole do café. ― Número 3: Nunca nos arrependemos das mulheres com quem ficamos, vocês ficam de mimimi, nós não temos isso.

― Claro, porque não são vocês que engravidam, nem nada. ― Ela bufou com a idiotisse dele.

― Número 4, e obrigada por me lembrar, sempre usar proteção, não vai querer perder tudo colocando um ser ao mundo. ― Ele disse e continuou dizendo várias outras.

Sally não estava mais prestando atenção nele, estava olhando para o homem que estava anunciando os nomes, e dizendo que as apresentações daquela noite haviam se acabado, e se haveria alguém disposto para subir ali.

― Número 8: Nunca se apaixonar, obviamente. ― Ele ainda estava falando. ― Número 9: Nunca demonstrar sentimentos, vocês não gostam disso.

― Você já se apresentou? ― Ela perguntou sutilmente. Não conseguia ver ele subindo ali, e sendo um poeta.

― Não, não faço muito o tipo poeta, mas gosto. ― Ele sorriu.

― Deveria tentar, vai que você goste.

― Não, não sei escrever poema. ― Ele deu de ombros. ― Por que você não tenta?

― O que? ― Ela disse em surpresa.

― Por que não tenta subir ali e se apresentar? Você parece ser do tipo que faz poemas.― Ela sorriu de lado.

― Não, não sou muito esse tipo.

― Ah, qual é Sally? ― Ele olhou para ela com aquele olhar. Os olhos cinzas cruzando sua pele e invadindo sua alma. Ela sempre retorcia o olhar quando ele fazia aquilo.

― Não, e vamos embora. ― Ela disse se levantando. ― Vamos nos atrasar para o cinema se não formos agora.

― Sally, está com medinho?

― Não estou com medinho, quero ir embora. ― Ela riu e deu de ombros, mas não conseguia evitar aquele olhar vasculhador. ― Vamos?

― Se você subir naquele palco, faço o que você quiser. ― Ele lançou um olhar intimidador.

― Qualquer coisa?

― Qualquer coisa.

― Não tenho nada pronto, e você não tem nada que eu quero. ― Ela arqueou a sobrancelhas para ele e deitou a cabeça.

― Vai saber, e improvise. ― Seus olhos estavam focados nela, e sua pele toda estremeceu. Queria poder congelar o tempo e desenhar o exato desenho das suas sobrancelhas congelada com aqueles olhos.

― Não, agora podemos ir? ― Ela disse implorando mais uma vez.

Ele levantou a mão para a garçonete, que usava um uniforme verde agua simples, com um coque meio frouxo.

― Você pode por favor me trazer outra xícara de café? ― Ele sorriu simpaticamente e lhe deu uma piscadinha. Ela pareceu se derreter por ele. ― Sem tanto açúcar dessa vez, já tem muito doce por aqui. ― Ele a cantou e ela saiu corada da mesa.

― Que péssima cantada. ― Ela disse normal.

― Então já decidiu qual poema você vai recitar? ― Ele abriu um sorriso.

― Já disse que não vou, você é surdo?

Ele revirou os olhos.

A garçonete voltou trazendo uma caneca juntamente com um papel e Sally quis rir da situação. Ela ficava abismada como algumas meninas podiam ser tão oferecidas e tão fáceis. Ela sabia o quanto um relacionamento dava trabalho. Sabia mais do que ninguém, mas também sabia o quanto era bom. E não conseguia entender a que ponto chegavam essas meninas que se ofereciam por tão pouco.

― Ciúmes? ― Ele abriu aquele sorriso radiante.

― Sim, morrendo. ― Ela disse e olhou para o palco onde tinha uma mulher com um cabelo vermelho.

― Ainda estamos esperando, Sally. ― Ele disse simplesmente. Parecia realmente interessado em escutá-la.

Ela tinha poemas decorados em sua mente como ecos no vazio. Mas nunca havia se sentido segura para aquilo e não iria de maneira alguma começar agora. Não por causa dele. Seria muito injusto.

― Não, Noah, desencana. ― Ela voltou a se sentar na mesa agora focando nas outras pessoas.

― Então fazemos um trato. ― Ele passou a mão nos cabelo ruivos indomados. ― Se você recitar o poema, poderá me ajudar com o novo caso que eu estou trabalhando. É em outra cidade, e começamos daqui duas semanas.

― Tenho a faculdade. ― Ela disse como se fosse óbvio.

― Mas terá o passe policial, e depois já entrara de férias.

― Passe policial, isso existe? ― Ela perguntou duvidosa.

― Claro que existe. ― Ele disse e sorriu. ― Seria como uma excursão.

― Não sei não.. ― Ela olhou de lado.

Estava conversando sobre isso há alguns dias. Estava cansada dos limites daquela cidade e fazia cerca de quatro anos que não saia dali. Tinha escolhido ficar privada de seus horizontes. Não sabia se estava pronta para arriscar sair dali novamente.

― Vamos, pare de covardia. ― Ele deu um soco de leve em seu ombro.

― Tudo bem. ― Ela disse por fim, sem entender o que estava fazendo.

― Sério? ― Ele sorriu. Aquele sorriso.

― Sim. ― Ela revirou os olhos.

As mãos de Noah se ergueram como se ele estivesse em meio a uma ilha perdida e estivesse pedindo socorro. Sally teve que segurar sua respiração para não começar a rir da cara do amigo. Ela contou até dez e soltou uma respiração acompanhada de uma risada fraca.

― Minha amiga vai competir. ― Ele disse todo orgulhoso, como se tivesse acabado de ganhar um prêmio.

― Pode vir aqui senhorita.

As pernas de Sally começaram a tremer, e só foi piorando quando ela estava parada perto do microfone. Sua garganta secou, e seus olhos se focaram em Noah. Estava com muita vergonha para olhar para qualquer outra pessoa. Ele tinha o sorriso com os dentes brilhando. Os olhos cinzas acompanhado das leves sardas que era escondida pela barba meio rala que crescia em seu rosto. Estava usando uma camiseta branca delineada ao seu corpo e uma calça jeans pacata. Ele era realmente o tipo de menino que qualquer menina ficaria a fim. Mas não para Sally. Ele despertava muitas lembranças.

― Meu poema se chama Limpe a bagunça.

Todos os olhos se focaram nela, e eles não entenderam muito o nome. Mas era poesia. Poesia não fazia sentido, mas sim, te trazia um sentimento. Uma coisa no fundo de si.

Limpe a bagunça que você fez,

Antes de você ir,

Minha mãe dizia isso

Sinto saudades do timbre de sua voz

Ao me mandar fazer alguma coisa

Eu não sabia o quanto tinha sorte

De ter ela ali

Noah ainda a encarava, mas não sorridente como antes, mas sim, focado.

Limpe a bagunça que você fez,

Antes de você ir,

Eu sempre pensei que isso era um conselho

Que minha mãe estava dando

Para mim

Ali dentro de casa,

Somente naquelas redondezas

O que eu realmente não percebi

É que aquela foi a maior lição

Que eu já aprendi

Limpe a bagunça que você fez,

Antes de você ir,

As pessoas não ligam,

E nem se importam

Elas não querem saber se elas bagunçaram

Só querem saber em fugir

Antes de limpar a bagunça

Todas as pessoas pareciam totalmente incluídas em seu poema. Aquele era um de seus mais antigos, e um de seus piores.

No momento em que os caquinhos se esparramarem,

Por favor, recolha todos

Antes de me deixar

Porque minha mãe sempre me dizia

Naquele timbre descompassado

Limpe a bagunça que você fez,

antes de sair.

Todas as pessoas ficaram a encarando por um minuto até que todos começassem aplaudir. Suas bochechas começaram a corar e ela saiu de cabeça baixa de perto do microfone, passando reto pela mesa de Noah, e indo até a rua, onde uma chuva leve começava a cair.

― Ei, você tá bem?

― To sim, você pode me levar para casa? ― Ela perguntou tão baixinho que o olhar no rosto de Noah era de espanto.

― Sally, você está bem mesmo? ― Ele segurou seu antebraço, mas ela se soltou lentamente. ― E o nosso cinema?

― A gente marca para outro dia, acho que eu to passando mal. ― Ela se abraçou e foi andando lentamente até a moto.

― Me desculpe por ter feito você fazer aquilo.

― Sem problemas. ― Ela disse esperando ele montar na moto.

Estava sentindo suas mãos frias, e o coração pulsando rápido. As cenas ficavam dançando em sua cabeça. Tudo rodava.

Noah subiu na moto e ela subiu atrás enroscando suas mãos na cintura dele e encostando a cabeça em suas costas. Naquele momento não ligava de ter aquela intimidade com ele. Não conseguia pensar.

Depois de alguns minutos a moto de Noah estava parando em frente a sua casa. O frio se espalhava por seu corpo e ela se sentia minúscula e perdida. Mal olhou para ele, apenas balbuciou um tchau, e o deixou ali. Parado na porta, com angustia, querendo ajudá-la. Mal sabia ele, que ela era uma ancora muito pesada, para ser tirada daquele precipício.


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