Colorful escrita por Isabelle


Capítulo 3
Capítulo 2 - Noah


Notas iniciais do capítulo

A vida continua
Fica tão pesada
A roda corrompe a borboleta
Cada lágrima, uma cachoeira
Na noite
Na noite de tempestade
Ela fechou os olhos
Na noite
Na noite de tempestade
Ela voou para longe
— Coldplay



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O sorriso dela iluminava a noite, enquanto as covinhas profundas se ressaltavam nas suas bochechas. Seus cabelos haviam sido domados em um coque que continha duas mechas super finas em frente ao rosto, dando um olhar mais formal. Ela usava um batom meio rosa bem sutil nos lábios, e uma sombra meio preta, mas nada forçado. Um vestido vermelho tomara que caia curto caia sobre seu corpo bem desenhado, e ela simplesmente estava linda.

O restaurante em que eu a tinha levado, não era nada muito luxuoso, alias, meu salário mal me cobria, nunca conseguiria pagar algo tão caro, mas era simples e ótimo para um jantar como aquele. Era um salão com as paredes douradas, com alguns detalhes em arabescos pretos. Várias mesas com um pano dourado por cima, com algumas velas, e flores. Uma decoração até bem romântica, para um jantar que seria somente amigável.

Não queria forçar a barra com Sally, seriamos só amigos, aquilo já estava estabelecido, e eu estava de boa com aquilo. Não me sentia nenhum pouco apaixonado, ou essas coisas do tipo, só apenas uma atração carnal, pelo que semanas atrás eu havia visto.

Quando eu havia ligado depois de duas semanas, ela estava em pleno a algum tipo de aula de zumba, tinha rido os primeiros sete minutos de ligação ao descobrir o nome daquilo, mas depois fiquei sério. Mantivemos uma conversa normal, e no fim da ligação a chamei para dar uma volta no centro.

Duas noites depois fomos dar essa volta, e ela deixou bem estabelecido que não queria uma relação, estava focada na faculdade principalmente agora que o ano já estava acabando, e ela entraria no seu último ano de faculdade. Fora estranho no princípio, mas eu também não estava em procura de nada sério. Eu estava preocupado com muitas outras coisas, e preferi deixar somente na amizade, afinal nunca havia tido uma amiga mulher.

Então, ali estávamos, depois de um mês jantando em um restaurante chique no centro, enquanto tomávamos algum tipo de vinho.

― Noah, tenho certeza que o vinho do mundo não vai acabar, você pode tomar ele mais lentamente. ― Ela sorriu e tomou um gole do dela.

― Me desculpe, não sou refinado como a vossa pessoa. ― Eu peguei um guardanapo e tentei imitá-la.

― Não comemos ainda, por favor, não faça essas coisas.― Ela fez um gesto eufórico, e eu tive que sufocar uma risada para não cuspir todo o vinho.

― Então me diga, o que uma faculdade de design faz? ― Eu perguntei e foquei no cardápio.

O olhar dela ficou me focalizando como se eu fosse algum tipo de demente e a tivesse insultado.

― É um centro de aprendizado de mandinga. ― Ela disse como se eu fosse tapado. ― Nós nos reunimos toda noite na faculdade, e estudamos a fase da lua mais apropriada para realizar macumbas, os horários, as poções, o tipos de mandinga.

Eu olhei sério para ela e pensei e entrar na ironia.

― E vocês fazem isso todas nuas? Ou com pinturas no corpo? ― Eu sorri de lado. ― Porque eu adoraria ir ver uma aula destas. E agora eu sei que você não é mais uma antena a cabo, mas sim, uma mãe de santo, que estava conversando com o céu. Me sinto mais tranquilo.

― Eu queria poder te matar, mas você é policial, e daria muito ibope. ― Ela revirou os olhos e pegou o cardápio.

― Mas sério, não sei o que você estuda nisso.

― Nisso? ― Ela fez uma cara de indignada. ― Isso, ― ela fez aspas com o dedo, ― pode não ser um direito da vida, ou uma medicina, mas é dali que tirarei o meu sustento.

― Você poderia vender seu corpo se nada desse certo, alias eu compraria, mesmo sabendo que é uma coisa muito errada, mas não podemos deixar de lado isso tudo. ― Eu continuei centrado no cardápio.

― Você é um idiota, Noah. ― Ela gritou e me jogou o guardanapo.

Um casal de idosos que estava sentado na mesa ao lado olhou para nós com horror, e eu olhei insultado para Sally.

― Sally, olhe seus modos, estamos em um restaurante da alta gastronomia de Uberlândia, e você faz isso? ―Eu olhei com cara de sermão, e ela pois as mãos nos lábios para não soltar uma de suas risadas clássicas.

Sally era o tipo de pessoa que tinha um tipo de risada própria. Sua risada começava como algo, e no final era algo totalmente diferente, e escandaloso. Nada melodioso de se ouvir.

― Sua mãe não te deu modos?

― Cretino. ― Ela disse depois de se focar e conseguir recuperar o folego.

Nós dois rimos.

― Mas sério, o que? ― Eu disse.

― Criação de gráficos para publicações, anúncios, essas coisas.

― Então, você sabe desenhar? ― Eu perguntei.

― Sim, eu sei desenhar, não muito bem, mas tento. ― Ela disse.

― Pode em usar como modelo nu se quiser, não vou me incomodar.

― Com um corpo destes ninguém se importaria de desenhar. ― Ela disse e abaixou a cabeça, mas não por timidez.

Eu soltei uma risada.

― Sabe o que eu realmente acho? ― Eu perguntei.

― O que você realmente acha? ― Ela disse fechando o cardápio e colocando os cotovelos em cima da mesa, fazendo com que a idosa da outra mesa olhasse para ela indignada. Acho que aquele restaurante era mais caro do que eu realmente pensei.

― Que estou pagando um jantar caro aqui essa noite, estamos tomando vinho, e você realmente não acha que isso é um encontro? ― Ergui as sobrancelhas e dei um sorriso de lado.

― Sim, combinamos em ser só amigos, não combinamos? ― Ela me olhou de lado, e eu assenti lentamente.

― Não, você combinou, eu não combinei nada.

― Noah.. ― Ela disse apreensiva.

― Somos amigos, mas quem disse que amigos não podem dar uns pegas? ― Eu tomei um pouco do vinho.

Ela fez um sinal com o dedo para que eu me aproximasse, e eu o fiz.

― A Lei da friendzone. ― Ela se afastou. ― Infelizmente meu caro amigo, você entrou nela.

― Não, não, me recuso, você não pode ter me tacado lá.

― Sim, e você sabe que uma vez lá, você nunca sai.

― Você é uma mulher muito malvada.

Ela me soltou um sorriso com aqueles lábios vermelhos, e eu tentei voltar minha atenção para o cardápio, para não precisar ficar a encarando. Estar na presença dela, mexia comigo de alguma forma, e eu precisaria muito rápido encontrar outra pessoa que me fizesse parar de vê-la na minha cama.

A noite se distendeu, e Sally parecia totalmente envolta no jantar. Ela estava bem mais focada do que a última vez, mesmo com minhas brincadeiras sobre uma possível relação entre nós dois. Seu sorriso era o que iluminava todo aquele salão, mas eu sabia, e já tinha colocado na minha cabeça que aquilo era algo impossível, e que não deixaria que acontecesse.

― A loira a nove horas, no bar, não para nenhum segundo de te encarar. ― Ela sorriu e bebeu um pouco do vinho. ― Seja discreto. ― Ela disse quando eu estava prestes a virar a cabeça como a menina do exorcista.

Ela soltou um sorriso e levantou as sobrancelhas.

― O que você acha? ― Ela perguntou.

― Corpo bonito, feições também, quer apostar que consigo o celular dela em menos de três minutos?

― Quero só ver. ― Ela encostou na cadeira e ficou me observando.

Me levantei da mesa e coloquei o terno, não especificamente estava usando um terno, mas abri um botão do blazer. A mulher era uma loira com cabelos cacheados, curtos, e com os olhos mais escuros que a noite a fora. Seu sorriso olhava para mim com uma cara de pervertida, e ela não parecia estar incomodada de eu estar aquela noite ali com Sally.

― Quero uma vodka pura. ― Disse e me sentei ao lado da mulher. Sabia que tinha apenas três minutos, mas não liguei.

― Gosta de bebidas fortes? ― Ela virou as pernas longas e bem desenhadas na minha direção. Estava usando um vestido azul colado ao corpo.

― Não muito. ― Eu peguei e virei a vodka que o homem acabara de pôr a minha frente. ― Qual seu nome?

― Estella, e o seu? ― Ela disse e pegou a bebida rosada tomando um gole.

― Noah. ― Eu sorri e percorri as suas curvas bem delineadas pelo vestido. ― Qual o seu telefone, Estella? Quem sabe podemos marcar algo algum dia.

― Seria fantástico, mas aquela, ― ela apontou para a mesa onde Sally estava nos observando de um modo nada discreto, ― não seria sua namorada?

― Minha namorada? ― Soltei um riso fraco. ― Ela é minha irmã. ― Menti sutilmente.

― Entendo. ― Ela me soltou um sorriso de canto de lábio, e anotou o número de telefone na minha mão. ― Vamos fazer alguma coisa sim. ― Ela deu uma piscadinha e saiu andando.

Voltei para a mesa e sorri convencido para ela.

― Sorte de veterano. ― Ela sorriu e pegou minha mão vendo o número. ― Que oferecida.

― Ciúmes? ― Eu olhei para ela, e ela apenas deu um sorriso.

― Claro, estou morrendo de ciúmes, se tem uma coisa que está me corroendo, e me matando por dentro, Noah, é os ciúmes, tudo doí, tudo está despedaçando. ― Ela fingiu limpar as lágrimas.

― Cala boca. ― Eu empurrei-a fraco, e ela soltou uma risada que foi acompanhado pelo toque do meu celular.

Sally parou de rir, e se focou no celular que vibrava e tocava em cima da mesa. Ela ficou me encarando esperando que eu atendesse, e eu sabia que teria que quebrar aquele momento para atender a ligação.

― Me desculpe. ― Eu peguei o celular e escutei a voz rouca do outro lado da linha.

― Precisamos que ronde o turno B, na zona leste, temos informações do caso da família. ― Ele disse e meu coração pulsou.

Estávamos naquele caso há 6 meses, algum maluco assassino, resolveu matar famílias, e roubar pertences valiosos. Ele nem ao menos pegava somente os itens, ele matava toda a família. Não fazia sentido, não entendiamos o que estava acontecendo.

― Tudo bem, estou indo imediatamente. ― E desliguei o telefone.

O olhar de Sally era todo entusiasmado como se ela estivesse esperando que eu a contasse a melhor novidade.

― Lembra-se dos casos das famílias? ― Eu disse. Havia contado para ela semanas atrás.

― Sim, me lembro.

― Tenho que cobrir uma área suspeita, então acho que a nossa noite, termina aqui, senhorita.

― O que? ― Ela disse insultada. ― Está me dispensando?

― Não, estou te oferecendo uma carona até casa, após isso irei trabalhar. ― Eu disse e levantei me pondo a ir pagar.

― Vou com você, e vou te ajudar. ― Ela disse convencida de que poderia ir comigo.

― Motivo um: É muito arriscado, motivo dois: você não uma policial, motivo três: não arriscaria sua visa assim. ― Eu disse e entreguei o dinheiro a moça do caixa.

― Não sou uma boneca de porcelana, Noah, posso me virar muito bem com você.

― Está usando um vestido. ― Eu apontei para seu corpo. ― Um lindo e delineado vestido, que define muito bem

― Um vestido que se você continuar elogiando dessa forma pervertida, vai pro lixo.

― Só estou dizendo que é perigoso. ― Eu disse saindo e me encaminhando para meu carro.

― Foda-se, quero ajudar. ― Ela disse determinada.

― Não, Sarah. ― Eu disse bravo.

― Sarah? ― Ela parou o caminhar, cruzou os braços e levantou as sobrancelhas.

― Sally, não pode ajudar, isso é muito perigoso, não posso colocar você nesse risco.

― Nunca mais me chame de Sarah, nunca, e eu vou ficar bem, vai, para de ser superprotetor.

Encarei-a naquele vestido vermelho tomara que caia, com aqueles olhos verdes persuasivos, com os lábios vermelhos carnudos. Não tinha como, nem possibilidade de dizer não aquela mulher.

― Entra no carro, se você levar um tiro, espero que saiba que as consequências são todas suas.

― Sim, eu sei. ― Ela entrou e nós saímos.

Aquela noite nada demais aconteceu, ficamos mais ou menos até umas três da manhã rondando o mesmo lugar, mas nada aconteceu. Mas aquela noite foi a noite em que Sally e eu realmente nos conectamos, aquela foi a noite em que eu percebi que eu não poderia estragar a minha amizade com ela. De jeito nenhum.

― Acho que vou ligar para aquela bela mulher.

― Você liga se lembrar o nome dela. ― Ela desafiou. ― Sem olhar na mão.

― Estefani? ― Eu perguntei sem me recordar e ela riu. ― Emily? Egnéia... E … alguma coisa.

― Não, não e Egnéia? ― A risada dela ecoou pelo carro.

― Eu sei lá.

― Não acredito que não lembra. ― Ela me deu um tapa de leve.

A luz da lua entrava no carro certinho, e iluminava seus olhos. Os olhos verdes tão impassivos e profundos. Que me deixavam em transe.

― Estella, certo? ― Perguntei torcendo para ser aquele nome.

Ela sorriu e assentiu com a cabeça.

― Vai chamar ela pra sair?

― Sim, nas redondezas do meu apartamento.

― Você só quer fazer coisas com ela..

― Sexo? ― Eu gritei ao ver ela ficando envergonhada. ― Você é virgem? ― Eu perguntei encabulado.

― Claro que não, mas do mesmo jeito acho idiota meninos como você que fazem, o que fazem com as meninas. ― Ela disse convicta. ― Fale fazer amor.

― O que você acha que eu sou? Uma menininha de chiquinha no cabelo?― Perguntei olhando sério para ela. ― Imagine assim, Sally, somos coelhos, e precisamos nos satisfazer.

― E ai vocês precisam ser um bando de idiotas? ― Ela disse.

― Ser legal, um cara romântico, meigo, que se importa, adianta? ― Eu disse sério. ― Vocês chamam a gente de idiotas, mas se um cara é meigo e romântico com vocês, é como se quebrasse a magia e vocês simplesmente desistissem.

Ela ficou séria tentando pensar em alguma resposta. E simplesmente deu de ombros.

― É porque amor verdadeiro não existe. ― Ela deu de ombros.

― Não acredita?

― Não, acho que em um mundo egoísta, os egoístas se dão bem, amor é história de conto de fadas para te dar uma motivação que esse mundo gigantesco não é tão bosta quanto parece.

― Não acredita em nada disso?

― Acredito que tudo que te faz feliz, o mundo dá um jeito de tirar de você. ― Ela disse e ficou séria.

― Já perdeu alguém importante para você, Sally? ― Eu perguntei calmamente.

― Já fui deixada para trás, como muitos de nós fomos. ― Ela disse mostrando que não queria mais assunto.

Passamos o resto da noite conversando sobre coisas aleatórias e depois eu a deixei em casa. Demoramos um tempinho conversando dentro de seu carro, e eu falei para ela que ligava para tomarmos um café. Alguma coisa nela estava quebrada, despedaçada, resultada por um menino e eu tinha quase certeza que mesmo que fosse péssimo com todas aquelas coisas, eu precisaria dar um jeito de ajudá-la a consertá-lo. Precisava mostrar que aquela dor que ela estava sentindo que a ajudava se bloquear das pessoas, precisava ser curada.








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