Efeito Dominó escrita por Snowflake


Capítulo 16
Capítulo XVI




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POV Dominique

Se eu havia falado sem nem mesmo pensar no assunto? Com certeza. Mas você há de entender o meu ponto: as coisas entre nós tinham se modificado em um ritmo arriscado. Olhe só, eu até já estava considerando um "nós". Voltando ao ponto, o problema é que esse não era o comum, o banal para a nossa convivência originalmente conturbada. E, mesmo que passar meus dias discutindo com Jude não seja o meu hobby predileto, era com isso que estava acostumada. Para ser sincera, não lido muito bem com mudanças, e uma tão radical quanto essa não seria nada saudável para mim. Além disso, habituar-me ao constante toque de Van der Bilt era um erro terrível. Confesso, eu tenho medo. Medo de gostar. Medo de sentir falta quando voltarmos para a América e cada um seguir seu próprio caminho, jogando a maldita aliança direto no lixo, mas é claro que nunca direi isso em voz alta. Sei que a probabilidade disso acontecer é, de fato, demasiadamente remota, mas prefiro prevenir do que remediar. Quero dizer, é do Van der Bilt que estamos falando, correto? Daquela peste bubônica em forma de gente que faz o meritíssimo favor de me atormentar desde, vejamos... sempre! Olhando para o nosso passado, não há nem um único dia em que o dito cujo não me tirou do sério. Desculpe, conjugação errada. Desde ontem de noite, nossa relação tem sido estranhamente pacífica, até mesmo agradável. Ainda assim, o que mais me preocupava, na verdade, era eu estar chamando toda essa confusão de relacionamento. Precisava urgente lembrar-me de que não passa de um teatro, apenas uma mentira que tomou proporções exorbitantes, épicas.

Entendem agora o meu desespero? Aqui estou eu, ferrada até os ossos pelas minhas ficções débeis. Há um nó enorme no meu cérebro que me impede de raciocinar, dividir o que é real da ficção. Daqui a pouco estarei jurando pela minha vida que vampiros, lobisomens e todas essas baboseiras, na verdade, existem mesmo.

— E não é que a pequena Dominique desencalhou mesmo? – Levei um susto, saindo do modo piloto automático. Não tinha percebido que já estava em casa, e muito menos que estava mais cheia do que quando saímos. Virei-me para certificar de que Jude continuava atrás de mim, uma vez que caminhamos em um silêncio quase fúnebre desde que deixamos o Sucré. Depois de encarar seu rosto sereno, lembrei-me de que devia responder o comentário, e foi só aí que caiu a ficha de quem era o humorista que tirava uma com a minha cara.

— Cale a boca, Crispian – Permiti-me uma leve risadinha, apesar da aflição, quando abracei meu primo que há tanto tempo não via.

Crispian havia herdado os mesmos traços fortes de seu pai, meu tio Clive. Era apenas alguns anos mais velho do que Tony, e com certeza compartilhava do mesmo humor negro de meu irmão. A grande diferença entre os dois era que Crispian já estava casado há alguns anos, além de ter uma filha, Emma. Sua esposa era, para ser breve, desprezível. Não passava de uma megera sem escrúpulos, mas é claro que era da minha vida amorosa que ele zombava.

Aproximou-se de Jude com um sorriso cativante, apertando a mão de meu nem tão querido namorado. Como Crispian não mostrou-lhe nenhuma arma e também não fez ameaças de qualquer natureza, percebei que Van der Bilt relaxou os ombros, anteriormente tensionados.

— Muito prazer, cara. Tony já deve ter te intimidado o suficiente, presumo – Comentou, divertido, enquanto Emma corria para que eu a segurasse no colo. – Agora me diz, como consegue suportar a Dominique?

— Apenas lembrando que eu ainda estou aqui e consigo ouvir perfeitamente os dois! – Adverti, indignada com a pergunta e relativamente ansiosa pela resposta.

— Pergunto-me isso todos os dias – Ignorando minha sentença, Jude saciou a dúvida de meu primo, arrancando risadas do mais velho. Mesmo sabendo que ele respondera com sinceridade, observei-o, variando entre a censura e a diversão. – De verdade, é difícil, mas não impossível – Van der Bilt piscou de lado para mim, e não posso afirmar se foi apenas um complemento de sua atuação como Namorado Brincalhão ou se foi para valer, mas apostaria na primeira opção.

Antes que pudesse me juntar à conversa animada que se desenrolou no ambiente, senti meu telefone vibrar e, assim que o alcancei, o visor mostrou-me uma foto de Megan e a escolha de aceitar ou rejeitar a ligação. Não sendo louca o suficiente para negar, pedi licença e atendi com prontidão.

POV Jude

Preciso dizer o alívio que senti quando Crispian não demonstrou vontade alguma de me torturar até ter certeza de que a luz deixou os meus olhos? Não? Excelente. Pois bem, estava tão envolvido na conversa que só fui perceber que Dominique tinha se retirado quando Emma chamou minha atenção, mostrando-me todos os seus brinquedos. Crispian observava a filha com carinho, enquanto a mesma tagarelava sem parar, chamando-me de "tio Jude". Sem tirar os olhos da criança, tornou a me dirigir a palavra:

— Sem querer ofender, – começou – mas é muito estranho ver a Domi apresentando um namorado para nós. Quero dizer, desde que éramos pequenos, quando Dominique falava de algum garoto era sempre para reclamar de um em particular, que vivia para transformar a vida dela em um inferno – Reprimi, com muita dificuldade, uma risada, disfarçando-a com uma tosse forçada. Minha vontade, no entanto, era gargalhar, mas é claro que não seria muito educado da minha parte, então apenas respirei fundo e fiz proveito de todo o autocontrole que disponho. Mas convenhamos, acabei de ser informado de que Dominique DiNozzo, a Orgulhosa-Mor, de fato falava sobre mim, mesmo negando até a morte. É impossível evitar, eu estava transbordando de contentamento, de realização. – Lembro-me de que, só para irrita-la ainda mais, eu afirmava que tudo isso não passava de tensão sexual, paixão reprimida. Francamente, tenho certeza de que eu estava certo – Crispian gargalhou e me obriguei a acompanha-lo, tentando ignorar, sem sucesso, o pavor que ocupou o lugar da alegria de segundos atrás.

Antes que eu entrasse em um colapso nervoso e pudesse explicar o verdadeiro motivo da minha implicância homérica com DiNozzo, senti o espaço ao meu lado no sofá afundar um pouco, além de uma cabeleira loira alcançar o meu ângulo de visão. Por puro impulso, passei meu braço por cima de seus ombros, sem considerar as possíveis consequências de tamanha imprudência. Estava demasiadamente indignado com o comentário ridículo de Crispian para ponderar sobre seja lá o que for. Apesar disso, percebi os ombros de Dominique ficarem tensos. Perguntou qual era o motivo da risada, tendo as bochechas extremamente avermelhadas e as íris tempestuosas, desesperadas fitavam as minhas, no momento inevitavelmente zombeteiras e desafiadoras. Acredito que meu sorriso de deboche piorava a situação da loira, uma vez que desviou os olhos de mim, concentrando-os no primo. Nesse meio tempo, a maneira como me encarou trouxe de volta para superfície uma antiga memória:

” — Pare com isso, Van der Bilt – Praguejou Dominique, enquanto retirava uma das minhas bolinhas de papel da longa extensão de seus cabelos. Apesar do furor claro no seu tom de voz, não me senti impedido de continuar a atirar os pedacinhos da minha folha de caderno nela, única atividade que evitava que eu caísse no sono enquanto a professora de Gramática, sra. Adams, explicava alguma coisa sobre Análise Sintática. Bastou provar que tenho uma pontaria excepcional mais duas vezes, acertando um par de bolinhas em seus fios para que DiNozzo perdesse o controle de vez. — Mas que inferno! Já te disse para parar com isso, imbecil! – Exclamou Dominique, ou melhor, praticamente berrou, chamando a atenção da turma toda, principalmente dos nossos amigos. A professora, já com a paciência esgotada, caminhou até a carteira da garota, o barulho do salto em atrito com o chão ecoando na sala:

— Mas que confusão é essa? Pode me explicar, senhorita DiNozzo? – Ordenou, arrumando os óculos no nariz.

— Esta criança aqui — apontou para mim, e apenas levantei os braços em sinal de inocência – está me atormentando. – Encurtou a história, logo em seguida mostrando minhas exímias bolinhas de papel. Senhora Adams, inteiramente indignada com a minha atitude infantil e insensata, segundo suas próprias palavras, decretou que eu me retirasse da sala de aula, e me antecipei para fazê-lo antes que ela começasse com mais um de seus sermões centenários. – Muito obrigada, sra. Adams – Agradeceu Dominique, mal-humorada. Nossa querida professora, no entanto, entendeu o comentário de uma maneira errônea e exigiu que DiNozzo me fizesse companhia na longa jornada até a direção. Já com a mão na maçaneta, aguardei minha estimada colega com um sorriso perverso no rosto, abrindo a porta para que ela saísse em um ato de puro cavalheirismo e escárnio, recebendo um xingamento como agradecimento à minha refinada educação.

Com os braços cruzados e a testa franzida, a loira caminhava pelo corredor a passos firmes na minha frente.

— Sempre fazendo tempestade em um copo d'água – Comentei alto o suficiente para que ela ouvisse, me divertindo com a sua fúria. Observei-a atentamente enquanto se aproximava de mim, pisando forte. Encarou meus olhos com suas íris geladas, como se me desafiasse. Evitando ficar para trás, puxei seu braço na minha direção com brutalidade, obrigando-a a chegar mais perto. O silêncio dava a ideia de que um planejava a maneira mais viável de tirar a vida do outro sem deixar rastros, o que não deixava de ser verdade. Contudo, as estratégias foram interrompidas por um alto pigarrear. Diretor Vance, já com os cabelos grisalhos transparecendo, nos aguardava na porta de sua sala, nada surpreso com a nossa situação. DiNozzo puxou o próprio braço brutalmente e, antes de se afastar, dirigiu-me mais um olhar fulminante.

— Dominique, Jude – saudou, conferindo seu relógio de pulso – três dias e meio sem me fazer uma visita, é um recorde. Já estava começando a sentir saudades – Seguimos o diretor até o interior do escritório. Acomodei-me na cadeira estofada enquanto Dominique explicava, possessa, o ocorrido. Vance escutou com atenção, suspirando pesadamente no final da sentença da garota, guardando a caneta e massageando as pálpebras. – Plenos dezesseis anos e eu ainda tenho que escutar isso dos dois – Permitiu-se suspirar mais uma vez. – Vocês vão acabar casados algum dia, não é possível – Acrescentou, abrindo assim uma brecha para uma nova discussão, ainda mais frenética".

POV Dominique

Finalmente!— Saudou Megan assim que atendi o telefonema. – Pensei que seria convidada para o seu velório!— Ri com o exagero de minha amiga, sentindo o peito apertar de saudade. – E aí, precisa de um convite formal para nos contar o que está acontecendo em solo inglês?— Antes de responde-la, escutei Miranda concordando com a mesma no fundo, ansiosa.

— Não está acontecendo nada, oras – ouvi um "Mentirosa" no fundo, fazendo com que eu revirasse os olhos, mesmo sabendo que elas não poderiam me ver. – Sério, suas pervertidas. Só estamos fazendo o necessário para sustentar nossa ment... digo, nosso relacionamento.

E o necessário alertou o Casal 20 sobre camisinhas e preservativos no geral? Se você sozinha já dá um trabalhão, imagina com uma criança! Nós não pretendemos ajudar a criar uma mini-Dominique — Acrescentou Miranda, fingindo seriedade, mas também claramente revoltada. Já podia me imaginar enforcando-as.

Muito menos um mini-Jude— Completou Meg, antes de soltar uma risadinha que foi acompanhada por Mi.

— Só se a criança nascer por osmose – Rebati, mal-humorada. – Aquilo não vai se repetir, meus amores – Suspirei, balançando a cabeça para afastar as lembranças.

Continuamos a conversar por mais uns dez minutos, e a cada instante desejava estar junto com elas, matando tempo e somente jogando conversa fora. Não que eu deteste visitar a minha avó, muito pelo contrário, porém a situação era extremamente desagradável, assim como a companhia. Em contrapartida, otimismo nunca foi o meu ponto forte, mas só pensar que a partir de amanhã toda essa bobagem de falso namorado teria um ponto final (dessa vez para valer) já tirava um enorme peso da minha consciência. A sensação de que me encontrava no Purgatório era inevitável: parafraseando Dante, um lugar onde se sofre temporariamente, pagando pelos seus pecados até alcançar, de fato, o Paraíso. Apesar do breve momento de alívio, tive que retornar ao papel de Namorada Apaixonada, já não muito bem executado, assim que desliguei o telefone, despedindo-me de minhas amigas.

Contudo, retornar para a sala foi mais embaraçoso do que o meu psicológico estava previamente preparado. As risadas descontroladas de Crispian e a terrivelmente forçada de Jude despertaram a minha curiosidade, e nunca me arrependi tanto de fazer uma pergunta. Revelar para Van der Bilt que eu, lamentavelmente, falava sobre ele, mesmo que inconsciente e indiretamente, foi o pior que meu já nem tão querido pôde ter feito em seus trinta e tantos anos de vida. Tinha consciência que devia estar com o rosto inteiramente vermelho, e a maneira que Jude passou a me encarar apenas piorou a situação. Sem contar que tal erro fatídico me custaria um bom tempo aturando o ego potencialmente inflado de Van der Bilt. Planejava como esconder os cadáveres dos dois quando fomos interrompidos pelo anúncio de que o almoço já estava servido.

#####

O tique-taque do relógio na parede, que marcava dez da noite, era o único ruído no quarto. Terminando de fazer uma trança lateral no cabelo, eu fitava a mala já fechada. Estava tão esgotada dessa palhaçada de "relacionamento falso" que acabara me tornando uma espécie de guru New Age e atingido um estado perfeito de "já deu para mim" e, se o mundo queria algo a mais, poderia vir e pegar. Despertando-me da reflexão sobre a minha condição de pura inércia, o som de uma batida na aporta abafou o ruído dos ponteiros. Sem esperar resposta, o aposento foi invadido pelo meu ex-porém-atual-mas-quase-novamente-ex-falso-namorado.

— Como é nossa última noite como oficialmente namorados, – começou assim que perguntei o que queria – imaginei que poderíamos fazer uma despedida. Parecida com aquela no parquinho, só um pouco mais caliente— enquanto falava, encarava descaradamente minhas pernas expostas pelo short do pijama. Constrangida, apressei-me para puxar a coberta e cobri-las, sem me preocupar em disfarçar a careta que fiz ao escutar sua proposta. – Estou brincando, idiota— completou. – Bom, a não ser que você queira. Aí não tem como negar. Diga-me, já está excitada? – Gargalhei antes de responder, nem um pouco convencida de que realmente se tratava de uma brincadeira.

— O que me excita, Van der Bilt, sempre será um mistério para você – Pisquei para ele, me ajeitando na cama para que pudesse observa-lo sem sentir uma aterrorizante dor no pescoço.

— Será mesmo, Dominique? Tem certeza? – Nem me dei o trabalho de responder, apenas devolvi-lhe um olhar repleto de escárnio. Jude ficou mais alguns minutos em meu quarto e conversamos sobre coisas banais relembramos o início de nosso nefasto e trágico acordo. – Acho que, no final, começamos a pensar no princípio.

— Então este deve ser o nosso final feliz: um bem longe do outro – adicionei, sincera, com um leve sorriso brincando com meus lábios.

— Apenas histórias inacabadas possuem um final feliz, love— concluiu Jude, levantando da cama. No entanto, antes de deixar o quarto para trás, aproximou-se de mim e roubou um selinho. – O último – piscou, sorrindo de canto. – Boa noite, meu amor— Dizendo isso, caminhou silenciosamente até a porta, fechando-a atrás de si e deixando uma versão atônita de mim mesma no quarto. E foi assim, senhoras e senhores, que despedi-me das minhas raras e escassas conversas civilizadas com Jude Van der Bilt.


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