— Mamãe, vem logo – Gritava a menina enquanto o pai a colocava na cadeirinha no banco de trás do carro.

— Já tô indo, filha. Os leões não vão fugir.

— E se fugirem?

A mãe sorriu entrando no carro.

— Não antes de minha garotinha vê-los. Vamos?

O pai ligou o carro e a menina gritou de felicidade:

— Eba! Zoológico!

A viagem seguiu tranquila. O pai colocou um CD de músicas infantis no rádio do carro. Todos cantavam. O carro parou num sinal vermelho. Viu pelo retrovisor a filha cantando feliz no banco de trás olhou sua esposa que acompanhava a filha sorrindo. Sentiu orgulho de sua família. Segurou a mão de sua esposa que o olhou. Seus lábios formaram um “eu te amo” e a esposa respondeu da mesma forma. O sinal abriu e ele acelerou o carro.

Um impacto, foi o que todos sentiram.

Uma caminhonete havia atravessado o sinal vermelho em alta velocidade, batendo no carro do lado do passageiro. O carro capotou várias vezes e parou de ponta cabeça. Alguém chamou o resgate que chegou no local 10 minutos depois. A menina, que havia desmaiado, abriu os olhos enquanto era tirada das ferragens, apenas para ver a cena que se tornaria o motivo de seus pesadelos: seus pais de cabeça para baixo, presos pelo cinto de segurança, e sangue por todo lado. Havia terror no rosto da mãe, mas pensou ter visto um sorriso nos lábios do pai.

A menina entrou em desespero. Pedia ao homem que a tirara do carro que salvasse seus pais. Curiosos viam a cena em silêncio, com olhares de piedade.

— Não posso mais salvá-los. Sinto muito. – Foi a resposta que recebeu.

Sentiu suas vistas escurecerem e seu corpo ficar sem forças. Desmaiou novamente.

***

— Eu preferia que ela tivesse morrido. – A menina ouvia uma voz desconhecida, que fez seu estômago revirar – Agora vou ter que cuidar dessa praga!

— Ela acordou! – Outra voz desconhecida disse.

— Que pena! Achei que dormiria para sempre. – A primeira voz falou.

Uma mulher de uns 30 anos, pele clara e cabelos castanhos entrou em seu campo de visão.

— Parece que eu não tenho escolha – a mulher soou irritada – Você nem deve se lembrar de mim, né, pirralha? Mesmo não querendo sou o que se pode chamar de sua tia. Sou esposa do irmão do seu pai, então você não tem meu sangue, ainda bem. Mas parece que somos os únicos parentes que podem cuidar de você. Então você vai morar conosco, entendeu? – A menina fez que sim – Parece que você não fala. Bom, eu vou chamar o médico.

A mulher saiu do quarto e um garoto se aproximou da cama.

— Oi! – Ele disse sorrindo – Meu nome é Rafael. Qual é o seu?

— Kali¹...

— Você não fala muito, né? Eu sou seu primo. Tenho oito anos. Mas sou adotado igual você.

— Eu? Adotada?

— Sim. Papai vai te adotar e você vai virar minha irmã. Quantos anos você tem?

— Seis... Onde estão meus pais?

— Papai disse que estão descansando e que não vão poder vir ver você. Por isso você vai morar com a gente.

O médico entrou no quarto e examinou a menina. Falou que lhe daria alta dali a três dias.

Quando a menina saiu do hospital, um medo tomou conta de seu corpo. Ela ficou parada na calçada até que sua “nova mãe”, impaciente, a puxou para o carro. Esse medo se tornou ainda maior quando ela entrou em sua nova casa. Rafael se aproximou e disse sorrindo:

— Não se preocupe. Eu cuidarei de você.