Povoando Suas Páginas escrita por Daniela Mota


Capítulo 17
Capítulo 16 - Fator surpresa


Notas iniciais do capítulo

Minhas aulas voltaram há 2 semanas e estou bem desestimulada com o começo de outro semestre, principalmente porque estou atolada de artigo para ler todos os dias, e isso me faz um zumbi no dia seguinte. Felizmente, mesmo em estado meio-morta e meio-viva, consegui escrever algo no prazo.
Boa leitura.



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Melanie PDV

Enquanto Cece o arrastava do meu carro, eu só conseguia pensar que se ele ainda não estivesse morto, agora certamente morreria. Uma parte de mim queria interferir, a outra parte achava parte de mim burra, e a outra parte estava confusa de que parte seguia, e acabou optando por não seguir nenhuma. Sim, geralmente as pessoas tinham 2 partes, mas acredito que eu tenha a consciente, a inconsciente, e a tão inconsciente, que é como se estivesse sempre cheia de maconha. Era a que me movia no passado, e me deram de presente as metafóricas orelhas de asno. Observei que o Dobrev já estava perto de ser tirado por inteiro, e por reflexo peguei em um dos seus braços, impedindo que batesse a cabeça no chão. Cece me olhou com cara de tédio, como se dissesse, mesmo sem mexer a boca: “Um traumatismo craniano não caíria nada mal”, e então pegou o outro braço. Acho que para ela era como carregar um homem morto. É estranho porque quando ele se comporta como vivo, aparentemente falando, parece estar quase morto por dentro. Mas quando está um tanto inconsciente, apresenta traços de uma pessoa realmente viva. Mas na transição entre essas duas etapas tinha uma coisa muito forte chamada ressaca, que talvez fosse o seu estado de espírito morto-vivo, mas por enquanto apenas morto. E o que me intrigava nesse momento era a facilidade da Cece em lidar com um suposto presunto. Talvez ela tenha traços psicopatas. Talvez tenha linhas inteiras. Afinal, segundo o que eu li, psicopatas estão ao nosso redor e nem sequer notamos. Como ele era pesado para duas moças relativamente magras, Cece teve a brilhante ideia de ir o arrastando pelo chão. Do jeito que ela estava arrastando-o, ele chegaria com a bunda de fora se não estivéssemos numa grama um tanto baixa, mas não a questionei porque não tinha uma ideia melhor. Afinal cada uma carregar metade dele poderia acabar em um acidente de esquartejamento.

–São 1 da manhã... Se qualquer vizinho se assustar com o barulho e olhar pela janela, estamos ferradas. Principalmente o policial que mora aqui perto... Ele é meio gordo, sabe... Mas não come rosquinhas, e sim frango frito. Por essas e outras sou a favor do regime militar, porque não são capazes de lutar nem contra o cream. – ri da péssima piada, e balancei a cabeça. – Mas de qualquer forma isso é bom, porque provavelmente nós conseguiremos chegar em Hollywood antes dele conseguir chegar no quintal da minha casa. O problema é que ele tem uma arma... Apesar que desconfio que ela carrega M&M’s ao invés de balas. – ela disse, rindo. Uma palhaça. Logo vi que ela não estava irritada, então a sua forma de tratar o Dobrev não tinha relação com o seu humor. Realmente ela só estava fazendo aquilo por mim, porque ela sabia que ele havia me machucado e queria descontar aquilo fisicamente.

Para passarmos pela porta de entrada de vidro tivemos que bolar uma estratégia que se resumia em atirar o Dobrev contra ela para ver se quebrava. Brincadeira. Peguei os seus dois braços e o arrastei para dentro. Cece fechou a porta em seguida, e colocou a mão na cintura, enquanto encarava o Dobrev.

–Temos que arrumar um jeito de colocá-lo no sofá. – eu disse, também o encarando. Ele provavelmente estaria todo sujo na parte de baixo. O seu semblante era o de alguém num sono profundo, e me assustava um pouco o fato de não ter acordado nessa aventura.

–Mas ele não vai dormir nesse sofá. Sabe o quanto minha mãe ama esse sofá. Está tudo sujo, e além disso não me espanta que no meio da noite ele acorde e vomite todos os órgãos, menos o coração, mas só porque ele não tem mesmo. – ela disse, e eu dei de ombros, quase concordando.

–É só pelo resto da noite... provavelmente amanhã ele vai embora sem que vejamos. – eu disse. Parece que já previa o que aconteceria na manhã seguinte. Ele acordaria, estranharia o fato de não ter uma mulher ao seu lado, e por estar numa casa desconhecida, mas talvez esteja acostumado com esse tipo de coisa. Não se preocuparia em procurar a mulher, afinal ela não estar ali era um trabalho a menos de bajulação. Conferiria a carteira à procura da camisinha que vi que guarda porque por algum motivo a paternidade o assusta. Talvez lembrasse que na noite anterior tinha um jantar marcado comigo, e que compareceu a ele. Essa é a parte que tudo se apaga na memória dele, ele vai ficar absolutamente confuso sobre como foi parar ali, porque nunca acreditaria no fato dele mesmo ter me pedido uma carona. Numa mistura de dor de cabeça com confusão, vai pegar o telefone para ligar para o seu empresário, isso se souber o número dele, para ordenar uma passagem.

–É disso que tenho medo. – ela admitiu, e por um momento achei que lesse meu pensamento, mas depois supus que ela não sabia o que prever de um homem do tipo e tinha medo de que sua casa, especialmente a sua sala, fosse usada nesse “experimento” – Eu tenho uma ideia!

–Quarto? – supus, imaginando o quarto de hospedes. Ela me encarou como se eu tivesse dado a ideia mais idiota do mundo. – Banheiro? – Sei, parece que fui guiada por aquela parte minha burra, e fui. Mas devemos admitir que tem lógica. Afinal, se ele ficar perto da privada, pode viver sua ressaca quando acordar com satisfação, e nenhum móvel será comprometido.

–Parece que não foi só o verminose que bateu a cabeça. – ela disse, e eu levantei a sobrancelha em resposta ao apelido – Vamos levá-lo para o porão.

–Tá brincando comigo? Isso não é um sequestro para colocá-lo em cativeiro, Cece... – a lembrei.

–Eu lembro, e por isso me questiono qual o seu real motivo de hospedar um cara que não vai ter a menor gratidão, e ainda com conforto. – ela revirou os olhos.

–Porque fui eu quem o fez bater a cabeça. – eu disse. Essa era a verdade, apesar dela não parecer acreditar. Eu me sentia culpada, ao contrário o deixaria em algum lugar por aí. Ou talvez não. Acho que não consigo agir como ele.

–Como se ele não fosse capotar do mesmo jeito considerando o quanto bebeu. Vamos... meu porão é super legal! Não é sujo, também não é enorme, ou cheio de moveis antigos que lembram cenário de terror. Tem colchonetes de quando eu e o Lauro fazíamos cabana no porão, porque no quintal ele tinha medo de estupro, desde que vimos Jack o estripador, ele ficou um tanto perturbado. Não sei se ele entendeu o título errado, ou se isso é o bicho papão especial das bichas. Enfim, lá também tem uma lâmpada que acende e apaga do nada, mas nunca queima. Mas nada a ver com fantasmas, sei disso porque eles têm mais o que fazer do que ficar fazendo discoteca artificial. Sabe a Lara? Aquela Pitbull do inferno com nome adorável do meu pai? A que o Lauro tentava tratar como uma Poodle, mas desistiu depois que ela quase engoliu sua mão enquanto ele tentava por um laço em sua cabeça... – assenti, concluindo que alguém levava o termo persuasão muito a sério – Ela latia horrores de felicidade quando ficava presa lá embaixo... Podemos fazer a cama dele, colocamos ele nela, fechamos a porta por precaução. Amanhã nós abrimos.

–Não sei se é uma boa ideia... Além do mais, como o faremos descer as escadas se tivemos dificuldade até em arrastá-lo para dentro? – ela abriu um sorriso nos lábios – Não, não vamos jogar ele rolando daqui de cima. Já posso ser presa.

E não é que ela arrumou um jeito? Bem, ele deve ter se machucado um pouco, até agora não consegui achar onde foi parar o seu olho esquerdo... Brincadeira, o que perdi foi o olho direito. Ok, serei realista... Nós colocamos seus braços em nossos ombros e descemos pouco a pouco. Porém, quando estávamos no fim da escada, ele começou a balbuciar algumas coisas incompreensíveis, mas julgando como foram pronunciadas, parecia um exorcismo. Aquilo nos assustou, mas estávamos muito focadas em não sermos lerdas e não caímos, apesar de Cece vacilar um pouco tentando fazer o sinal da cruz. Mas agora já estávamos aqui embaixo, e eu observava a Cece colocando um lençol no colchonete. Era um porão até organizado, de fato. Não muito extenso. Tinha um sofá que provavelmente foi abocanhado em parte pela cadela, uma estante de madeira escura, destruída nas laterais por cupins, e uma poltrona floral. Na parede, a corrente grossa que costumava segurar a Lara. Umas prateleiras com tintas, e tudo mais. No teto, além da lâmpada que ainda não havia falhado, tinha um ventilador. Tinha também um banheiro mal-acabado. Era o tipo de lugar simples que o Dobrev abominará, então talvez isso seja divertido. Não havia problema eu me aproveitar daquilo para lhe dar mais uma lição, e ela era: Existem mais realidades. O que está ao redor não importa quando o que está dentro é bonito. Ele ia aprender isso? Óbvio que não. Sou otimista, mas não sou sequelada. Mas digamos que seria um bom choque pra ele.

Colocamos ele na cama, e depois subimos e fechamos a porta. A Cece foi dormir, mas eu não tive a mesma sorte. Fiquei rolando na cama, não conseguindo parar de pensar que tinha o homem mais mesquinho que conhecia completamente vulnerável, e tudo o que nos separava era o meu próprio chão. Isso era uma metáfora e tanto. Notei também que não havia ainda lido o seu livro mais novo por inteiro, e que talvez o meu maior desafio fosse desassociar – conforme ele disse – o autor do ator. Depois de muito tentar adormecer, acabei decidindo me obrigar a fazer um exercício, esperando que aquilo me fizesse definitivamente crer que ele não seria o mesmo amanhã. Então abri o seu e-book no notebook, e desci as escadas.

Arthur PDV

Eu me sentia como se tivesse sido atropelado por um trator de titânio. Era como se minha cabeça concentrasse 90% da massa do meu corpo. Não conseguia abrir os meus próprios olhos. Diferencialmente das minhas outras ressacas, eu sentia dor no corpo todo, inclusive nas costas. Nem ousei levantar dali, a simples ideia de fazê-lo me dava vontade de vomitar tudo. Maldita pirralha que me fez beber tanto para que conseguisse suportá-la. Essa, sem dúvida, era a pior ressaca que já tive. Comecei a tatear com a mão a fim de ver se alguém estava deitada ao meu lado, tentando me confortar com a ideia de que talvez só tivesse arrumado uma mulher com gostos peculiares, mas não achei ninguém. Porém sentia que o lugar que deitava era bastante desconfortável, e aquilo era no mínimo questionável. Coloquei a mão nos olhos, os friccionando de leve.

Algumas lembranças da noite anterior invadiram a minha mente. Eu lembrava do que a pirralha havia aprontado para mim dentro do banheiro feminino, do quanto aquela cabine era ao mesmo tempo apertada e excitante, apenas pelo contexto. Era interessante variar nas aventuras, mas parece que não havia escolhido a ocasião correta, julgando pelo aparecimento da pirralha no banheiro. Talvez ela, ao contrário do que eu pensava, conhecesse algo sobre mim o bastante para saber onde eu estaria. A sua abordagem de me acusar de tarado, chamou a atenção das mulheres, mas ainda mais o fato de me chamar de mendigo. Porque todos sabem que o quadro muda quando o abuso é praticado por alguém inferior. Aquelas mulheres me estupraram com os olhos, invejando a morena que teve a sorte de me acompanhar. E agora, outras que provavelmente não me viram, ironicamente tinham medo de serem estupradas. Lembro que o barulho não me incomodou, servindo de estímulo para mim que deslizava as minhas mãos naquelas pernas de veludo como se eu fosse um demônio prestes a possui-la por inteiro. Nem me dei ao trabalho de tirar todo o seu vestido, apenas o abaixando encima, e o levantando na parte de baixo, e então virei-a de costas para mim. Foi nessa parte que uma voz masculina seguida de batidas na porta atrapalharam tudo, e, assustada, ela começou a se vestir, sendo que eu já havia aberto a droga do meu zíper. Absolutamente contrariado, fui convencido a sair dali, e o fator surpresa de um gordo corno me dando um tapa foi humilhante. O suficiente para querer sumir dali. Mas pensei bem... Isso lhe renderia duas vitórias. Por isso, voltei, indiferente a tudo que havia acontecido, e bebi mais e mais. As lembranças se tornaram mais escassas a partir daí. Mas me recordo de algo que eu tenha dito que a deixou irritada, e aquela lembrança por algum momento me divertiu, porque era difícil dizer algo que ela se importaria. Lembro também que não fui eu o primeiro a me retirar do restaurante, e que por algum motivo a segui. Lembro do seu rosto, dentro de algum carro que não parecia nada com o meu. Nele, eu repousava as minhas mãos, não no carro, mas em seu rosto. O QUE? Sentia que tinha me aproximado a centímetros da pirralha, e julgando pela confusão dos seus olhos, teria dito alguma coisa que a fez vulnerável. CERTO, PAREMOS POR AQUI. Eu estou delirando. Definitivamente não fiz isso. Eu ainda estava bêbado, e com certeza o garçom havia me dado o que havia de mais forte não só naquele restaurante, mas no planeta. Eu precisava de um café.

Forcei para abrir os olhos, e o ambiente embaçado parecia mais real agora. Porém esse real me deixou assustado. Eu não conhecia aquele lugar. Em que merda de lugar eu estava? Eu nunca me submeteria a estar num ambiente como aquele, e com certeza alguém me colocou ali quando eu estava inconsciente. Era um fator surpresa mais humilhante que um gordo me batendo. Senti uma vontade mais urgente de vomitar, e, sentado, comecei a me esquivar para trás, tentando ter um maior campo de visão. Foi quando percebi que algo segurava o meu pé. Era algo forte, e mesmo banhado em confusão, notei que era uma corrente. Balancei a minha perna, notando que foi colocada rente ao meu pé e que não tinha como soltá-la. Voltei a fechar os meus olhos, e me belisquei, me forçando a acordar, quando os abri, nada havia mudado. Eu estava no mesmo chiqueiro, preso como se fosse um animal. Diante disso, berrei em alto e bom som: “MAS QUE PORRA É ESSA?”, e gritei, tentando me levantar. Eu não entendia nada do que estava acontecendo. O limite da corrente me impediu de seguir adiante, e eu caí no chão. Uma mistura de pânico e nojo me invadia, e não foi preciso pensar muito para concluir que se tratava de um porão. Os moveis cafonas por si só já transmitiam isso. Eu tinha sido sequestrado. Mas isso não me assustava muito, afinal eu tenho dinheiro, e posso sair dessa fácil. Eu só tenho que manter a calma, não estou em condições em lutar com ninguém.

Tomei um susto com o barulho de porta se abrindo, e virei-me, para uma escada surrada de madeira. Foi quando avistei no topo da escada uma mulher que nunca tinha visto na vida, segurando em sua mão uma faca. Caralho... Ela parecia um pônei portando arma branca. Andei para trás, não sabendo o que esperar, o pânico fez meu estômago embrulhar em seu ápice, e, antes que ela descesse as escadas, não consegui me conter e expulsei toda aquela ressaca de mim de uma vez.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Quem será que prendeu a fera?



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