Crônicas de Um Espadachim da Era Edo escrita por Dark_Angel


Capítulo 3
Liberdade


Notas iniciais do capítulo

Editado em 28/02/2009



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“O Bushido, literalmente ‘o caminho do guerreiro’, é o código de conduta dos samurais. Um emaranhado de noções imprecisas e não escritas sobre como deve agir um guerreiro samurai.” Tais ensinamentos são passados de mestre para discípulo verbalmente. O que já vinha fazendo há algum tempo o nobre mestre Hiko.

- Bom dia mestre!

- Dia Kenshin. Faça o desjejum e depois me encontre na cachoeira!

- Sim, mestre!

Hiko mostrava-se apreensivo, sua personalidade calma esvaía-se em meio ao clima frio e nublado daquela manhã. Kenshin demonstrava-se indiferente. O sangue frio era seu dom, o mesmo que o permitiria matar com tamanha beleza. Seus longos cabelos ruivos balançavam harmoniosamente enquanto caminhava em direção ao local designado por Seijuroou. Diante do vendaval gelado e da ausência do sol, não seria nada bom ter que se molhar na cachoeira logo pela manhã. Chegando ao local marcado, viu Seijuroou em pé sobre uma pedra de olhos fechados e braços cruzados.

- Mestre, eu tomei minha decisão.

Na noite anterior, Kenshin havia explicitado à seu mestre, que era partidário da causa que acometia o Japão. A causa revolucionária que deveria por um fim no xogunato. Acreditava que esta guerra livraria o povo da opressão, de uma vez por todas. Hiko sabendo de seu desejo deu-lhe a liberdade de meditar sobre sua decisão.

- E qual foi esta, Kenshin?

- Eu quero lutar! Quero participar da revolução. Quero ajudar os fracos, que não podem matar como eu serei capaz de fazer...

O vento gélido soprou mais forte enquanto o silêncio se propagou harmoniosamente justamente com o cessar do canto dos pássaros. Ambos se avaliavam, encarando-se por alguns instantes. Até que Hiko interrompeu.

- Não posso impedi-lo de ir. Só posso dizer que não há mais nada para aprender comigo. A partir de agora, não serei mais teu mestre!

Uma mistura de medo e surpresa se estampou na face do discípulo. Petrificado, por um breve momento não conseguiu emitir som algum. O silêncio fora quebrado pelo voar daqueles pássaros que repousavam sobre as árvores próximas.

- Não entendo mestre. Porque não quer mais me treinar?

- Não diz respeito a você rapaz. Teus ideais não fazem sentido para mim. A espada só pode trazer à morte, jamais trará justiça ou liberdade. Esta guerra não é minha. Como não sou mais teu mestre, você fará suas próprias escolhas de agora em diante! Acredito que já esteja bastante preparado para tomar qualquer decisão!

- Mas senhor...

- Não sou mais teu senhor... Já tens conhecimento suficiente para decidir-se sobre o que fazer daqui para frente. Lembre-se de meus ensinamentos. Saiba que foi um prazer treiná-lo!

- Você é fraco! Fala como se a guerra fosse algo de nossa escolha. O senhor mais do que eu deves saber que ela é importante. Mais importante do que nossas vidas!

- Infelizmente tu verás que estás errado. Adeus.

Sua repentina vontade de fazê-lo mudar de idéia se apagara quando escutou aquele frio "Adeus". Naquele momento percebeu que tudo acabara. O que seria dele sem teu mestre para orientá-lo? Não se sentia preparado para agir sozinho. Mas, inesperadamente, uma força brotou de dentro dele, agiria sozinho sim, e ganharia a guerra sozinho se preciso fosse. Não precisava de mais ninguém, sua companhia agora, seria sua espada!

Não entendia o que fizera Seijuroou pensar daquela maneira, algo em sua mente o dizia que um dia ele entenderia. No momento sentia raiva do mestre, não conseguia pensar no que mudara seus princípios, mas decidiu-se não se questionar a respeito destes. Contrariando sua curiosidade, Kenshin apenas observou seu mestre partir, mergulhado no mais completo silêncio. O tempo então passaria da forma mais sombria que se poderia imaginar, tanto para ele, mas principalmente, para seus inimigos...

***

De olhos fechados, Kenshin meditava sob o perfume do incenso. O por do sol era magnífico. A concentração de um assassino, impetuoso, que vagava a matar pela escuridão... Até a presente data nunca participara de uma batalha no sentindo mais amplo de seu significado. Já matara mais de vinte, porém todos de combate singular. Sua fama já se espalhava como um vírus mortal que consumia o sono de teus inimigos. Os cegava. A missão era intrincada para qualquer ser humano normal, exceto para ele, cuja ansiedade o consumia em pensamentos.

O Shinsengumi era uma tropa especial da polícia de Kyoto, criada visando à detenção dos rebeldes que lutavam ao lado dos líderes da Meiji Ishin. Em contra partida estes líderes recrutaram espadachins e criaram a Ishin-shishi. Hoje Kenshin mataria por estes.

- Estás pronto Kenshin? - questionava seu criado.

- Sim, prepare minha espada. Esta noite choverá sangue.

"A invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória, no ataque. Quem se defende mostra que sua força é inadequada; quem ataca, mostra que ela é abundante!" Costumava dizer seu mestre Hiko. Fazia alguns meses que ele o deixou, mas seus ensinamentos ainda se propagavam na mente de Himura. Durante esse tempo foi procurado por um recrutador de um clã da Meiji Ishin, desde então executava serviços para eles obedecendo às ordens através de cartas enviadas por um mensageiro à casa do samurai.

Seu mestre tinha razão. Uma tropa criada para defesa não teria muitas chances contra rebeldes motivados por uma causa. Himura que estava de joelhos se põe de pé. Veste seu kimono azul marinho e leva sua daisho* à cintura. Estás pronto mais uma vez para matar.

O único a atacar naquela noite seria ele. Seis membros do Shinsengumi se encontrariam com dois líderes do governo, eles discutiriam uma possível estratégia para interceptar um ataque cujo alvo seria um Shogun de posição política essencial para o estado. Eram exímios espadachins, treinados para ferir e, matar quando necessário.

Ao cair da noite Kenshin parte rumo a Kyoto, são cerca de vinte minutos de caminhada. Furtivamente ele progride, matem-se em prontidão para qualquer ataque surpresa que possa vir a acontecer.

A casa é rodeada por um pequeno bosque de árvores altas. O assassino se mantém a cerca de 20 metros da residência. Percebe que há dois homens fazendo guarda à entrada, serão os primeiros alvos. Ele para, respira fundo. Por um instante hesita em atacar, mas lembra de um ensinamento de seu mestre que dizia: "Não adies o momento do combate, nem esperes que tuas armas se enferrujem e o fio de tuas espadas se embote. A vitória é o principal objetivo da guerra". Ele parte em disparada, não produz som, é preciso e determinado. Os guardas observam o bosque em completa escuridão, apenas o som incessante dos insetos, no momento em que surge a figura de um homem, cujo rosto revela seu desejo de matar. Eles sentem o mais profundo e verdadeiro medo e são tomados por calafrios. Quando ambos tentam desembainhar suas katanas, o assassino é mais rápido e por um golpe preciso, mutila a cabeça do guarda de sua direita. Simultaneamente o outro oficial golpeia, direcionando sua espada ao dorso do inimigo. A arma faz uníssono com o pânico de um soldado que errara seu alvo, mas seu inimigo não perdoara e agora, duas cabeças acabam por rolar à pequena escadaria de madeira de frente a porta.

Aparentemente os demais inimigos não perceberam o acontecido, melhor para Kenshin que poderá planejar sabiamente o movimento a seguir. As portas manchadas de sangue dão cor à atmosfera cinza que antes compunha o cenário. A adrenalina correndo nas veias do assassino é a confirmação de que ainda está vivo. Ele repõe sua espada à bainha. Calmamente faz com que a porta corra na horizontal. Silencioso, entra onde agora parece ser o maior cômodo da construção. Está vazio. Ele avança como uma tropa de guerreiros enviados do inferno cujo objetivo é espalhar o terror e proliferar a matança. Avista duas portas, uma a leste e outra a oeste.

Vozes se propagam vindo da porta a esquerda, ele então sabe onde deves se dirigir. Pacientemente e com precisão cirúrgica ele se põe tangente a porta. Aguarda o momento exato do ataque tal como a serpente arma seu bote. O piso do cômodo em que se encontrava era o tradicional tatame, mas o cômodo interior era composto por longas tábuas de madeira impecavelmente enceradas. Assim como uma onda eletromagnética muda sua trajetória ao atravessar dois meios distintos, Kenshin podia sentir as vibrações dos passos dentro do cômodo que estava disposto a adentrar, há uma mudança no ângulo quando estas vibrações atravessam a porta, um sábio samurai sabe aproveitar tudo em sua volta. Ele aguarda o sinal... Rapidamente desembainha sua Wakizashi, o primeiro corpo surge a dois metros, de costas e desprotegido. Himura avança e usa sua arma pra cortar-lhe o pescoço. O sangue jorra por entre os móveis luxuosos que compõem o local. Ao centro há uma grande mesa retangular esculpida em madeira trabalhada e oito cadeiras em sua volta. Ele matara um oficial da polícia, sobraram então, os dois políticos e mais três espadachins.

Subitamente os três policiais restantes se levantam e sacam suas espadas, avançam. Kenshin apenas aguarda, esperando para dar a sentença, uma morte rápida e digna de um guerreiro honrado. O primeiro chega e golpeia mirando o peito do Battousai, que recua um passo para trás, e facilmente desfere o golpe mortal que parte a face do inimigo. O sangue mancha seu rosto, a marca fiel da batalha. Os outros dois oficiais chegam em seguida, um deles golpeia na esperança de acertar o rosto do assassino, que apenas agacha e surpreendentemente ataca o outro homem, terminando por dar uma meia volta e finalizar seu primeiro embate. Ele se aproxima dos burocratas, a lâmina de sua espada escorrendo sangue. O Battousai tomado pela mais perfeita calma executa o Tiburi*² e continua a caminhar...

- Tenha piedade, poupe-nos! - um deles implora ao assassino.

- Nós podemos lhe dar dinheiro e poder. Será um homem rico, lhe arranjaremos uma bela esposa... – disse o outro à beira do desespero.

- A morte é inevitável e natural. Deverão morrer agora, mas saibam que morrerão por uma causa nobre! - Kenshin termina seu raciocínio com o silêncio e o cessar dos gemidos...

Sua missão foi cumprida...

_____________________________________________________________________________Vocabulário:

* Daisho: Conjunto de duas armas (Katana e Wakizashi), literalmente, "grande e pequeno".

*² Tiburi: um movimento visando limpar o sangue da espada. Dependendo do estilo e da seqüência, existem vários movimentos diferentes para realizar o Tiburi.

 

 


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