Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 8
A verdade nua e crua




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– Tritão mandou você traze-la aqui só amanhã, Riba – Uma voz parecia ecoar na minha mente tendo como plano de fundo o barulho das águas chacoalhando no mar. – Se ela fugir e contar onde estamos, eu mato você e ela.

Parecia que eu estava dentro de um cubo de gele, ouvindo vozes que vinham de fora dele. Ou talvez pareciam vozes vindas de fora d’água, enquanto eu me afogo no imenso oceano...

Acordo subitamente com esse pensamento. Não posso estar me afogando, não posso estar dentro do mar.

Meus olhos piscam muitas vezes, e meu peito sobe e desce de tanto pânico que senti segundos atrás. Meus dedos fecham ao redor de um punhado de areia, e percebo que estou toda cheia de areia, porque afinal, estou deitada nela.

Olho para os lados, tirando Riba com suas asas brancas cinzentas, todo mundo parece perfeitamente humano. Eu poderia achar que tudo tinha sido um sonho, e aquele psicopata com asas me olhando era encenação.

– Diga o seu nome, antes de ser levado para Tritão – Uma moça de uns 19 ou 20 anos, alta e com o cabelo bem mais preto como o meu, disse isso. Tenho certeza que a mesma que queria me matar.

– Meu nome não importa – Eu digo desconfiada e me levantando – Eu preciso ir embora. Não conheço vocês.

– Qual. O. Seu. Nome. – A mesma mulher diz, e eu percebo como é diferente de uma humana normal. Com certeza Riba é um anjo, ou aquele sereiano que ele disse. Ela também é diferente, mas não consigo ver asas ao redor dela. Seus olhos são negros como a escuridão do bosque em que caminhei com Riba, mas diferente do bosque, ela parecia muito mais mortífera.

– Meu nome é Leona Parker – Falo rapidamente depois que percebo o quanto ela parece raivosa. Olho para os lados e nenhuma das pessoas – e anjos – ali parecem ser tão mortíferos e mal quanto ela.

Sua boca parece se contorcer, como se ela estivesse com nojo, ou quisesse falar algo que não pode. Ela usava um batom roxo que deixava seus dentes mais brancos que sua pele. Ela realmente não era uma humana normal, com aquela pele tão pálida.

Ela se virou para ficar de costas para mim por um instante, e depois virou novamente para mim com o sorriso mais falso que eu já vi na vida. Mas sua voz mudara, e suas feições também. Ela parecia ser mais humana agora, parecia sentir coisas boas.

– Bom – Ela pigarreou e continuou: Bem-vinda ao Oceano. Bom... não à nossa sede – Deu um risinho irônico – Mas a uma pequena parte dos membros dela.

Ela então lançou os braços para cima, indicando todas as pessoas ali, em volta de mim. Devem ter umas quinze, contando com os anjos, e todas têm a mesma expressão de curiosidade, ou ironia. Olhando melhor para todos ali, eles parecem ter algo de sobrenatural. Um cabelo tingido de uma cor que ninguém usaria, o rosto e o corpo maquiado de uma forma bizarra, ou muitos sarados, ou muito magros, mas todos ali não usavam uma roupa como um humano normal, tirando os anjos de calça – mas sem camisas também.

A menina de cabelos pretos me olhava com o mesmo sorriso afetuoso falso, eu olhei-a e encarei-a por um segundo antes de olhar na direção de Riba. Estava suplicando para ele se aproximar. Eu olhei bem fundo para ele, mas ele desviou o olhar. Por que?

– Bom, agora venha comigo, irei leva-la a Tritão. – Disse a mulher de cabelos pretos. – Aliás, meu nome é Coral, e estamos indo até Tritão, exatamente por isso.

– Estamos indo fazer exatamente o que? – Pergunto, sem mover nada. Só a boca. Meus olhos não piscam, e meu coração de alguma forma parece ter tirado férias.

– Escolher seu nome – Diz ela – Agora, caso você queira ir embora...

– Eu quero ir embora – Digo subitamente.

– Então... tudo bem... – Ela diz, sorrindo.

– Você não explicou nada para ela, Coral – Disse Riba, olho em sua direção, mas ele olha fixo para Coral, ela também devolve o olhar fixo – Você disse que tomaria conta dela.

– Ok... tudo bem – Ela disse, levantando os braços em rendimento.

Visto que era a melhor hora para fazer perguntas, disparei a primeira que veio em minha mente.

– Por que quando vi vocês, todos os sintomas do meu trauma vieram à tona? Eu estava longe do mar para me apavorar tanto daquele jeito.

– Então você é realmente problemática – Disse Coral.

– Ignore o senso de humor dela – Disse uma menina com o cabelo chanel ruivo. Ela parece cem vezes mais amigável que Coral, só não parecia mais bonita que ela. Mas beleza não se põe a mesa. Gostei de cara dela. – Ela as vezes ainda acha que é a líder...

– Quem chamou você na conversa Lylha? – Dispara Coral – Pelo que eu saiba eu ainda sou responsável pela explicação dos fatos a... Leona.

Lylha, a garota ruiva vira na direção de Coral e olha-a bem nos olhos. Parecem dois cães de briga, e parecem que vão se atacar o quanto antes. Mas Lylha me surpreende e vira na minha direção sorrindo. Diferente de Coral, sei que aquele sorriso é carregado de bons sentimentos.

– Vou estar ali perto das pedras, Leona. Caso você queira que eu explique algo a você que Coral não quiser contar-lhe. Bem-vinda.

Ela não espera minha resposta, sei que não foi por falta de educação, mas sim porque ela estava com o sangue fervendo de raiva por Coral. Ela então toca no ombro de um menino do tamanho dela, magro e que tem vários piercings, um especificamente no meio dos olhos, sobre o nariz.

– Vamos, Mar – Ela continua andando, e todos viram para verem os dois indo em direção a pedra. Coral é a única que não faz. Ela ainda me olha sorrindo, e começa a falar.

– Bom, depois dessa entrada grandiosa de Lylha – Ela sorri, debochando – Acho que podemos nos concentrar nos fatos mais importantes, NÃO É? – Ela fala a última coisa quase gritando, para chamar a atenção de quem ainda olha para Lylha e Mar se afastando.

– Então querida – Meu sangue também ferve. Ela é pavorosa. – Não sou MAIS a líder, mas eu quis ajudar você a entender os fatos. Me diga uma coisa, é amanhã seu aniversário de dezessete anos, não é?

– Por que eu falaria uma coisa dessas à vocês? – Pergunto.

– Porque quero que entenda os fatos. – Ela respondeu com a melhor voz por trás da raiva que estava por mim.

– Que fatos?

– O fato de que você é uma sereiana. Não sabemos ainda quem é seu pai. Mas amanhã no Ritual do Pôr-do-Sol tudo vai se esclarecer para você.

“Se for para ser filha de Poseidon, você irá ganhar alguma parte do corpo igual a um animal marinho. A maioria dos filhos de Poseidon são sereias e tritões – que são sereias do sexo masculino -, mas temos algumas pessoas... diferentes na nossa sociedade. Quando alguém se destaca uma da outra, achamos que pode ter sido um agrado do próprio Poseidon, mas enfim... vamos esperar.”

“Agora se você for filha de Éolo, você irá ganhar asas, porque percebi que você ainda não tem, não é? – Ela sorri achando que foi a melhor piada do mundo, e continua enxugando os olhos por rir tanto. Sua voz é tão falsa que penetra nos meus ouvidos como veneno – E vai ganhar alguns dons que variam muito entre os filhos de Éolo. Com o tempo você conhece cada um.”

“Acho que é só isso.”

– E como vocês tem essa certeza de que sou uma sereiana?

– Ora, Leona – Ela olha tentando ver se os outros também a acham boba por não saber a resposta. Acho que todos estão muito curiosos com o discurso para achar alguém idiota – Está na cara não está?

“Pelo meu ver, Poseidon mandou aqueles tubarões que te atormentam até hoje nos seus pesadelos, para de alguma forma avisa-la que você tinha o dom. Mas infelizmente você estava tão distraída que levou um susto quando se viu entre eles. Você nunca se perguntou porque eles não te seguiram até a praia? Você acha que realmente eles desistiram de matá-la? Eles nunca quiseram isso, Leona, nunca. Esse foi uma das coisas que estudamos a seu respeito depois que ficamos sabendo sobre você – Ela olha para Riba de esgueira – Mas aqui está você. Sã e salva.”

Algo dentro de mim se quebrou. Não foi meu coração, nem qualquer outra coisa que eu sempre quis manter intacto, mas acho que todos meus sentimentos – bons e ruins – se quebraram do vidro e caíram do meu céu. Eu estava sem chão, como se metade da minha vida tivesse sido arrancada de mim, como uma folha é arrancada de um livro. Eu queria chorar e esmurrar Coral, dizer que era louca e demente, e que todos aqueles outros eram idiotas por acreditarem nela, mas algo não deixou-me fazer isso. Eu só ficou ouvindo, e depois disso falei:

– O que Riba tem a ver com isso?

– Riba que avisou ao Oceano sobre você. – Ela responde. Meu coração ainda está intacto. Ele está batendo forte – Mas eu fui a primeira a saber de você, e por ironia do destino tive que sair de viagem até a casa da minha mãe humana por motivos familiares, e não pude avisar o Oceano, mas graças ao nosso queridíssimo Riba... – vi a ironia disfarçada de gentileza na voz dela – Ele encontrou a mulher que me avisou sobre você também. Riba disse que ela estava atordoada, e parecia não dormir e comer a dias, mas recusou qualquer coisa que Riba ofereceu, apenas contou sobre você. Riba era bem mais jovem, não sabia o que fazer, e então deixou-a e veio correndo contar ao Oceano. Quando estava voltando da viagem, encontrei o corpo da sereia – que já havia sido da nossa sociedade – morta. Ela estava morta e eu fiz questão de enterra-la... não quero falar disso, foi bem horrível.

Coral fez uma cara de dor, e desviou o olhar, percebi que os olhos de Riba estavam para baixo, tristes, e da maioria também. Eu acho talvez que fui muito rude com Coral, não conheço ela ainda.

– Desculpa... – Comecei, mas não podia voltar atrás – Mas quem era essa mulher?

– Ela se chamava Odya – Coral respondeu de cabeça baixa – Mas ninguém aqui tinha contato muito com ela...

– Eu entendo... sinto muito.

– Mas vamos deixar as magoas do passado para trás – Coral reage – Quais suas dúvidas?

– Aquela que você não respondeu ainda. – Eu falo – Eu queria saber por quê os sintomas do meu trauma voltaram à tona quando vi vocês?

– Acho que Mar – Ela aponta para onde Lylha e Mar estão sentados na pedra, lá no horizonte – Acho que ele sabe te informar melhor, mas acreditamos que isso deva pela intensa presença de sereianos aqui e o seu corpo reagiu. Você tem o trauma por medo, por isso não entrou na água doce e salgada por anos. Por isso também sente-se mal quando se aproxima de rios, lagoas e mares. É porque seu corpo precisa disso, ela precisa se sentir... em casa, mas ele demonstra isso com coisas ruins como os sintomas que você tem.

Meu coração acelera, acho que depois que acordei não tive mais os sintomas que me deixam mal e com os olhos dilatados, porque meu coração pareceu acalmar. Coral disse que eu possa estar em casa agora, mas só amanhã para ter certeza disso.

– Talvez você possa ser uma sereiana aquática – Ela continua – Acho que tudo indica isso, mas toda essa “anormalidade – ela faz as aspas com os dedos das mãos – é tão imprevisível quanto os mares e os ventos. Deixe isso com seu verdadeiro pai. Ela sabe o que fazer.

Pensei no meu pai. O pai que me criou, que me ensinou a nadar, que me mostrou a melhor parte da vida. Ele é realmente meu pai? Não entendi tudo exatamente ainda, eu amo meu pai, o Hugo, não Poseidon, ou Éolo.

– Então o meu pai verdadeiro é um dos dois deuses do Oceano? – Pergunto, engolindo em seco. Não quero saber a resposta, não quero saber a resposta.

–Exatamente, Leona – Parece que o falso sorriso voltou aos lábios dela, mas sua feição é para mim, indescritível. Percebo que ela amou falar essas palavras para mim. – Isso quer dizer que sua mãe mentiu para você esse tempo todo, além de meter um belo par de chifres no seu “pai”.


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