Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 7
Descendo das nuvens




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– Espera.... – Eu digo, preciso falar alguma coisa, não posso deixa-lo continuar a falar aquelas baboseiras. – Você bebeu o que?

– Por enquanto nada, Leona – Ele ainda está com os braços cruzados e com a feição inexpressiva. Vejo pássaros voando acima do local onde o sol entra. Sinto-me mal por um instante. Tudo aquilo não é verdade. – Mas o que mais importa agora é a sua compreensão...

– Você está doido – Eu digo – Eu não tenho asa pra ser um... sereiano aéreo, e tenho medo de água para ser um aquático. Acho que agora você entendeu.

Ele não diz nada, apenas sorri e dobra a cabeça, passando a mão no projeto de barba. Ele está com uma cara de que não acredita. Pelo menos não está mais inexpressivo.

– O fato é que tem muito mais depois disso que eu acabei de te falar. Você tem que me escutar e confiar inteiramente em mim. Como se sua vida dependesse disso.

– Eu não conheço você, e quero ir embora... – Antes de terminar a frase, viro de costas e caminho novamente para a escuridão, mas mesmo antes de sair do círculo com luz, a mão de Riba me segura pelo pulso, de algum modo bem forte e delicado. Ele sabe ser cavalheiro quando é necessário.

Seu toque me faz esquecer absolutamente tudo, sinto o Orgulho e Preconceito, deslizar dos meus dedos indo em direção ao chão, mas agarro-o antes. Meu coração está gritando e derretendo, sinto uma brasa quente se expandir pelo meu corpo, como sangue.

Riba me olha tão fundo nos olhos, que sinto-me na escuridão novamente, mesmo estando debaixo daquele círculo com a luz do sol iluminando-nos. Ele consegue de um jeito me pesar mais do que chumbo.

– Continue essa garota insana, que eu posso não ser delicado das próximas vezes. – Ele fala tão secamente, que toda minha água do corpo é sugada por seus dedos. Solto-me dele.

Toda a quentura e os batimentos cardíacos estão normais agora. Ele consegue criar um clima bom tão rápido, quanto consegue desfaze-lo. Qual a nota para esse idiota?

– O que você tem para me falar? – Pergunto.

– O que você tem para me perguntar? – Ele pergunta de volta.

– Foi você quem disse que tinha muito mais informações e explicações. Estou inteiramente observando e prestando atenção em como sua boca vai se mexer.

– Você gostou da minha boca?

– Não... – Acho que respondi rápido demais – Eu só quero saber o que você tem para me falar... e isso foi um trocadilho.

– Não costumo ver muitas garotas com esse seu senso de humor.

Olho-o nos fundos dos olhos, tentando faze-lo pesar como ele fez comigo. Ele está sorrindo, ou seja, a missão falhou.

– Ta, ok... – Ele começa, e a feição inexpressiva volta-lhe ao rosto – No aniversário de dezessete anos, cada sereiano vai receber uma indicação de quem é seu pai e qual é a sua “habilidade” na vida. A maioria dos sereianos aéreos, aos dezessete anos, já tem asas, então o Ritual do Pôr-do-Sol é mais ou menos como uma confirmação final. Mas já tivemos vários aéreos que foram proclamados filhos de Éolo aos dezessete anos, que nem sequer tinham asas. E fica tranquila, o ritual é bem interessante.

– Eu ainda não consigo entender... como eu posso ser um desses...?

– Um sereiano, você quer dizer. – Ele responde, novamente com seu tom seco – Para ser um sereiano, você deve ser filha de Éolo, ou Poseidon. É, sim, é um choque de cara, mas não é tão estranho isso acontecer, acho que você já leu várias coisas sobre filhos semideuses, e esse tipo de coisa, mas o fato é que todos os filhos dos deuses têm habilidades que não foram retratadas nas maiorias daqueles livros. Eles sempre têm algo do pai. No meu caso eu herdei asas – como todos os meus outros meio irmãos -, o dom de escutar a uma longa distância, e a habilidade de enxergar no escuro. São as três coisas que mais me orgulho de ter herdado.

“Os sereianos aquáticos sempre são sereias ou tritões, dependendo do sexo da pessoa. Existem exceções é claro, como a Alga, que é parte mulher e parte água-viva, e a Billien, que é parte mulher, parte polvo... com o tempo você conhece todo mundo e vai ver como é legal no Oceano.

Eu estava tão... inexpressiva quanto Riba. Seus olhos balançavam como um cata-vento e eu só queria sair voando por aí. Queria poder não ter entrado no bosque com esse demente, e preferia ter vivido minha vida amedrontada, do que falar com esse cara mais um segundo.

– Acho que já passou dos limites, chega de falar essas coisas para mim, cara! – Eu digo, estou prestes a chorar. Não de medo. Não de excitação. Mas de indignação. Como se minha vida já não fosse louca demais. – Você quer me matar? Fui uma menina ruim todo esse tempo?

– Leona, a maioria das pessoas reagem dessa forma – Ele diz – Eu só quero ajuda-la...

– Cala a boca, seu idiota! – Eu estou gritando. Os pássaros não cantam e meu coração não bate. Meu corpo não reage, eu sou uma ameba que fala. – Você não tem o direito de colocar essas demências na minha cabeça e achar que tudo é assim...

– Deixe eu te mostrar então. Deixe que seus olhos vejam por eles próprios – Ele fala, parecendo um pouco decepcionado, um pouco endoidado. – Você vai perceber que somos menos loucos que qualquer um desse mundo.

– Me mostrar o quê? – Eu pergunto, meus olhos estão suplicantes. Quero uma resposta AGORA. – E por quê?

– Porque essa é sua vida. Sua verdadeira vida. E essa é minha missão. Minha humilde missão.

– Se tudo isso for verdade... o que vai acontecer?

– Você vai conhecer muita gente nova – Ele diz – Vai se sentir em casa.

Um alívio toma conta de mim. Desde o trauma eu não me sinto mais em casa em lugar nenhum, mesmo na casa dos meus pais. Eu penso em todas as vezes que estava em um lugar diferente e disse: “quero ir para casa”, mas sei que ainda não cheguei nela.

– Tudo bem. – Eu digo – Ande na frente e eu te sigo para sei lá onde você vai.

Ele não fala mais nada. Me olha nos olhos e vira o corpo para a direita e caminha, como se aquele fosse o caminho para o sucesso e a fama.

Andamos lado a lado com a escuridão e as sombras imaginárias, e andamos bastante, e percebi as vezes os olhares pesados que ele me lançava. Eu sentia-o. Sua vibração conseguia chegar até mim.

Por um momento achei que tudo aquilo fosse outra encenação e que ele me levaria para alguma espécie de cativeiro, e que ele fosse realmente um psicopata vestindo asas. Mas antes de pensar em mais alguma coisa, eu vi um filete de luz amarela forte saindo da nossa frente. As asas de Riba eram tão grandes que eu mal conseguia ver o filete.

Andamos por alguns longos minutos e finalmente eu pude ver a luz do sol novamente. Quando se está no escuro e depois vai para o sol, seus olhos querem se fechar a qualquer custo, assim ele irá se proteger da luz, enquanto se acostuma com a claridade novamente.

Pisco algumas centenas de vezes, e antes de abrir os olhos eu ouço alguns pássaros cantando as habituais músicas que sempre cantam, e ao longe também ouço o som do mar.

– É só ver com seus próprios olhos, Leona – Riba diz, e eu abro meus olhos suplicantes por escuridão.

Pisco muito ainda, antes do sol se tornar tão calmo quanto uma música dos pássaros, e olho em frente. O mesmo mar da Venice Beach está na minha reta. Aqui deve ser alguma praia deserta de Los Angeles, e a água é tão cristalina ao sol quanto em qualquer outra. Dessa vez está habitado apenas por algumas pessoas... ou seres.

Vejo ao longe três meninas mergulhando e surgindo na superfície tão rápido, que a luz ganhou algumas novas concorrentes. Cada uma tem o cabelo com uma cor diferente.

Vullfff.

Viro a cabeça para o lado, assim como Riba. Algo grande – bem grande – voou até nós, e agora desapareceu.

– Fica de boa – Riba me diz, inexpressivo. Sem medo. Sem curiosidade. – É só algum dos filhos de Éolo reconhecendo a nova sereiana.

Olho-o para ver se está tirando uma comigo, mas ele parece tão sério quanto antes.

Minha atenção se volta para a praia, onde ouço som de risadas vindo de lá. Vejo algumas pessoas – sim pessoas, com pernas, braços e tudo o que um ser humano tem de normal - correndo em direção a água. Antes de perceber que estavam nus, as quatro pessoas mergulham na água, e menos de um segundo depois, as quatro surgem novamente na superfície, só que dessa vez bem afastados da areia.

Meu coração dispara.

Meu coração está batendo forte demais, meu estômago está nauseado, meus dedos formigam e meus pelos se eriçam. Percebo meus olhos se dilatando assim que vejo a expressão de Riba preocupado.

– Está tudo bem, Leona? – Mas minha atenção está naquela garota que está com a ponta de uma cauda verde-oliva para fora da água. Uma sereia.

E antes de desmaiar, vejo descendo das nuvens, grandes anjos com asas brancas, assim como Riba. Talvez sejam seus irmãos, ou talvez também sejam psicopatas.


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