Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 3
Encantada




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Ás vinte e duas horas da noite partimos da nossa casa indo em direção a Califórnia. Estou feliz porque eles estão felizes, e eu vou tentar me controlar o máximo. Eu preciso tentar.

O céu escuro está tão cheio de estrelas que meu coração de mágoas e desejos inalcançáveis está mais leve e aliviado. Quero que a viagem de carro demore muito tempo, assim terei algumas horas para pensar e me concentrar para curtir a viagem. Todos parecem tão excitados, ainda mais meu pai naquela camiseta florida bem ridícula que ele fez questão de comprar só para irmos para a Califórnia. Sorrio pensando em como tenho a melhor família do mundo.

Como moramos no estado de Nevada, a viagem não vai ser tão longa, afinal, os dois estados são vizinhos, um do lado do outro, mas mesmo assim ainda dá para curtir um som no carro enquanto mais e mais estrelas aparecem no céu da estrada.

Logan não deu muito trabalho, e não pediu muita coisa. Paramos em dois postos para comer e usar o banheiro, e paramos também em uma loja no meio da estrada com um ar de caipira. Só quando eu entrei fui entender o que aquela recepção significava. Lá dento vendia-se todos os tipos de objetos e coisas de costume do Texas, e o melhor eram os funcionários vestidos de xerifes e mocinhos daqueles filmes antigos, estilo Bang Bang. Eu adorei aquela loja, saí com várias coisas, inclusive uma miniatura daquela típica bota que todos usavam antigamente.

A viagem é tranquila, sem muito trânsito pesado, e eu amo isso. Amo também o cheiro de plantas terrestres que ficam nas bordas das estradas. Toda aquela vegetação rasteira e as árvores altas como prédios de Nova York, e bonitas como os parques da mesma região. Eu sorri a viagem toda, foi bom por um momento refrescar a cabeça e apreciar a paisagem, como se eu não tivesse nenhum problema e tudo fosse tão fácil.

Quando o dia estava amanhecendo, percebi que cochilei com a cabeça no banco. Meu pescoço doía e meu irmão Logan estava dormindo bem desajeitado ao meu lado. Era engraçado, mas não pude rir, porque acho que estava tão desajeitada quanto ele alguns segundos atrás. Meu pai e minha mãe estavam conversando baixinho para não nos acordarem, mas eu já estava ligada, prestando atenção em tudo.

– Já chegamos, papai? – Sempre chamei-o de papai, mesmo agora eu estando para fazer 17 anos daqui a menos de uma semana, mas ele não ligava. Acho que até gostava.

– Estamos chegando querida – Ele disse, prestando mais atenção na paisagem do que em mim e no trânsito. – Olha que lindo. Estamos em Los Angeles. Dá para acreditar? – Ele disse isso com tanto entusiasmo que eu fiquei mais ansiosa ainda para conhecer a cidade. Eu não precisava entrar na água. Só estar ali já era um presente.

Centenas de lojas e restaurantes refletiam no sol forte que fazia já no comecinho da manhã. Havia alguns pássaros voando para lá e para cá sobre as cabeças dos comerciantes, turistas e moradores. Era tudo tão lindo. Tão distribuído.

As árvores daqui eram bem menores do que as da estrada. Tudo era bem mais limpo aqui, as pessoas pareciam ser mais elegantes mesmo quase não andando de roupa nessa parte da cidade. O litoral de Los Angeles era frequentado só por turistas – ou quase. E eu estava achando tudo tão perfeito.

Logan acordou depois que várias buzinas de carros o acordaram. Os carros daqui eram bem chiques, a maioria pelo menos, mas isso não impedia qualquer outro de passar a vontade.

Logan me olhou com uma cara de sono, e logo sorriu, ele se pendurou na janela do carro e foi observando e comentando em voz alta para todos tudo o que ele achava de magnífico ali.

Passamos em frente à praia Santa Monica, e vimos muitas pessoas só de biquíni e sunga passando e correndo na areia. A água cristalina refletia no sol e no vidro do carro. Peguei meus óculos pretos escuros e coloquei e abri o vidro. Era tudo tão refinado que eu com certeza estava me sentindo bem.

Mas então uma onda de náusea tomou conta de mim, e toda aquela água vinda em ondas na minha direção sufocou-me tanto que eu precisei arfar profundamente. Não posso me descontrolar, não posso me descontrolar. Desviei o olhar para os passantes na orla da praia. Coreanos, japoneses, brasileiros, europeus, todos passam por lá, cada um com seu jeito de costume. Era fácil identificar quem era quem. Ninguém é igual, afinal.

Saímos de Santa Monica indo em direção à praia em que íamos ficar os 10 dias aqui na Califórnia. Andamos mais um pouco com o carro até depararmos com outra praia, essa cheia de quiosques brancos com escadinhas nas laterais, como naqueles games da vida real, e eu sorri muito, muito mesmo. Mesmo com a água no fundo, tudo parecia estar no lugar certo, na hora certa.

Andamos mais de carro e minha mãe foi passando as coordenadas para o meu pai no banco da frente. Ela tinha um mapa nas mãos e não desgrudava os olhos dele, a não ser para olhar o nome da rua. Andamos mais uns vinte minutos até finalmente acharmos o nosso hotel.

Começava em uma entrada eletrônica, com dois guardas vestindo ternos pretos nas duas pontas de entrada e saída. Falamos com uma moça com um batom tão vermelho que seus dentes pareciam ser transparentes na luz escura dos meus óculos. Ela nos deu as chaves e nos desejou boas férias. Logan dava pulinhos de excitação, mesmo sentado.

Esse condomínio tinha saída dos quatro lados do quarteirão. Não era enorme como outros da cidade, e nem tão bonito quanto. Algumas paredes pareciam descascadas e sujas, e as placas e avisos no chão precisavam de uma segunda mão. Tirando isso, parecia tão legal quanto os outros. E também tudo fora de graça, uma promoção, eu não iria reclamar de nada.

Saímos do carro e nos direcionamos a nosso apartamento de número 234. Quando as portas do apartamento foram abertas, vimos que tinham apenas dois quartos então, ficaram meus pais com um e eu e Logan com outro. Não achei nenhum problema, nem Logan. Éramos uma boa dupla afinal.

Arrumamos todas nossas coisas, enchemos o jacaré verde-musgo de Logan e parecia que tudo estava se saindo como planejado. Todos já estavam com seus trajes de banho, todos já estavam prontos.

Menos eu.

Eu não coloquei nenhum biquíni, nem qualquer outra coisa de praia. Na verdade não trouxe absolutamente nenhuma roupa de banho, porque afinal tudo estava fora de cogitação.

Meus pais me olharam, mas não disseram nada. Percebi que falaram com Logan longe de mim, acho que era para pedir para ele não perguntar-me porque eu não estava vestida para ir à uma praia. E que eu só iria ficar na areia.

Pegamos o carro, e fomos em direção à Venice Beach, aquela praia cheia de quiosques brancos. Logan parecia desmaiar de excitação. Eu também parecia desmaiar. Mas não de excitação.

Fomos em direção à praia. Andamos na orla, e minha mãe segurou minha mão o tempo todo. Fomos comentando sobre as lojas e ela perguntou o que eu iria querer de aniversário, já que passaríamos ele aqui.

Eu pediria para não irmos para a praia, mas isso também estava fora de cogitação.

Eu não iria entrar na água, nem atrapalharia eles a entrarem. Pronto.

Meu pai me olhava de esgueira as vezes. Parecia preocupado. Mas não dei muita bola, sorri o caminho todo até chegarmos a areia fofinha, que graças a Deus não estava tão quente. Achamos dois guarda-sóis bem grandes e nos ajeitamos ali. Levei comigo o Orgulho e Preconceito, mas eu estava com tanta vontade ler, quanto estava para ver de novo os olhos de tubarões. Preferi sentar numa cadeira de praia e relaxar.

Meu pai foi levar Logan para a água, e fui seguindo eles com o olhar até entrarem no mar. De longe eu conseguia ver o sorriso de Logan e do meu pai. A água subindo até os cabelos deles, e a areia grudenta e molhada espirrando quando levantavam o pé. Era tudo tão normal, porque eu não podia...

– Querida – Minha mãe me chamou, tirando-me do torpor e da depressãozinha. – Quer algo? Estão vendendo refrigerante ali. – Ela apontou para uma barraca com um moço de cabelos castanhos escuros que parecia emburrado de tanto tédio – ele deve morar aqui, para achar essa paisagem um tédio.

– Vamos até o papai? – Eu perguntei. Surpreendi minha mãe e a mim mesmo. Eu não queria fazer aquilo. Mas eu lembrei da palavra “enfrentar”.

–Como assim... Leona? – Minha mãe parecia tão surpresa que eu não pude deixar de não rir. – Você está brincando?

Levantei e mais uma vez surpreendi-me.

– Vamos lá! – Chamei-a com as mãos. Ela se levantou tão subitamente agarrando meu pulso que não iria voltar atrás agora.

Enquanto mais caminhávamos em direção a água, mais eu sentia arrependimento. Depois de 4 anos desde o ocorrido, eu nunca tinha voltado a praia. Eu estava tremendo tanto que parecia estar debaixo de gelo, mesmo estando embaixo do sol.

As ondas vinham em minha direção e eu não conseguia mais ouvir os gritos comuns em praia das crianças brincando, nem dos vendedores de guloseimas. Eu só ouvia as ondas sendo arrancadas aqui na beirada. Eu estava a uns 3 metros da onde a areia molhada começava.

E então.

Meus dedos começaram a formigar, meu estômago ficou ainda pior, doía mais. Os pelos de todo o corpo ficaram em pé, como se eu tivesse tomado um choque de bilhões de volts. Meu corpo estava mole, eu estava sem fala. E então minha mãe me olhou tão profundamente que eu queria me agarrar a ela e não solta-la mais. Eu estava descontrolada. Meu coração palpitava tão forte, tão forte. Eu estava quebrada.

– Seus olhos estão... dilatados Leona... o que é... isso?

Meu pai veio em nossa direção e eu estava caindo. Caindo no medo mais profundo. Queria ficar centenas de metros longe da água, então virei e caminhei uns 2 metros, e isso fez com que tudo sumisse de mim. Os meus olhos não estavam mais dilatados – eu percebi isso quando minha mãe me olhou normalmente – e meus pelos não estavam mais em pé. Eu era a Leona normal para eles de novo.

– Não estava me sentindo bem... – Eu disse – é a primeira vez que eu vim... bem... vi muita água de uma vez só, mamãe.

– Vamos voltar para o guarda-sol, Leo – Minha mãe disse, e foi nesse momento que meu pai chegou, me olhando curiosamente. Logan corria atrás dele. – Peça para ela voltar comigo para o guarda-sol, Hugo.

– Calma, Amelia – Disse meu pai se ajoelhando perto de mim – Ela precisa de ar puro.

– Eu estou bem pai – Eu disse, era um pouco verdade. E um pouco mentira. – Posso dar uma volta? Quero conhecer o local.

– Eu vou com você... – Minha mãe começou, mas eu que continuei.

– Não mamãe, você nem experimentou a água ainda – Eu tentei sorrir – Não perca isso por mim, Srª Amelia Maria Parker – Tentei sorrir mais uma vez – Deixe eu conhecer mais o local, quem sabe vou querer fazer minha faculdade aqui?

Mamãe parecia mais aliviada agora. Eu sabia faze-la ficar preocupada, mas também sabia faze-la se despreocupar. Meu pai também pareceu ficar mais aliviado, e a curiosidade sumiu dos seus olhos.

– Nos encontramos no nosso guarda-sol em meia-hora, ok Leo? – Meu pai disse, olhando para mim. – Ok, querida? – Agora olhando para minha mãe.

Eu e ela concordamos em uníssono.

Eu poderia falar: “aproveitem a praia por mim”, mas acho que isso pegaria bem mal para eles.

Dei um tchau rapidinho para eles e segui, andando desajeitadamente pela areia, tentando arrumar um local seco e agradável e que me faça ficar com os olhos do tamanho normal.


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