Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 21
Com as estrelas e sozinha




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– Está tudo bem, Leo? - Tim está do meu lado. Ele me espera em frente ao reservatório, mas está fora da areia. Vejo que atrás dele o "luau" está mais para "openbar". A pequena faixa de areia que cerca o reservatório está totalmente cheio de jovens dançando e conversando. Duas fogueiras estão queimando pedaços enormes de lenha e a fumaça sobe em direção ao céu e some depois de um tempo. O chão está cheio de embalagens de bebidas alcoólicas, e eu gosto disso. Nunca fiquei bêbada em minha vida. Mas quero.

Tim está segurando um copo de uma bebida azul. Creio eu que seja vodka com alguma coisa. Tomo o copo de sua mão, e o fato da bebida estar geladíssima, faz com que meu corpo todo tome um choque e quebre a fornalha de nervoso dentro de mim. Viro-o em um só gole.

Tim me olha espantado e eu me divirto com seu olhar. Sorrio para ele e saio para pegar mais bebida.

Percebo que ele me segue com o olhar e depois vem em minha direção. Mas não me importo. Quero fazer tudo.

Reconheço alguns rostos da escola e quando estes mesmo me olham, ficam surpresos e espantados. Ninguém esperaria ver-me aqui. Mas aqui estou eu. E eu ainda não achei a banca de bebidas.

Quando chego perto de um menino de cabelos enormes e azuis, ele me oferece uma garrafa de vodka pura e eu não luto contra. Agarro-a e procuro um copo.

O som de música eletrônica de um carro com o porta-malas aberto toma conta dos meus ouvidos. Por um momento fecho os olhos. Viro a garrafa, mas não bebo todo o conteúdo dentro. Eu não consigo esperar um copo.

Minha garganta arde, mas eu estou gostando tanto disso que não abro os olhos. Tomo longos goles de vodka, pois a bebida não tem um gosto agradável, então tenho que toma-la no tempo certo.

Sinto dedos me tocando e eu abro meus olhos para ver o rosto de Tim ao meu lado. Ele tem cabelos loiros, não como Riba, mas é bem bonito também. Seus olhos escuros estão tão misteriosos quanto os de Riba eram, mas essas são as únicas semelhanças entre eles. E eu amo apenas um.

– Você com certeza não está bem. - Ele diz por fim.

*****

O som do carro ainda está ligado, mas já passa das 4 AM. Mesmo que eu ainda esteja com os ouvidos atento a batida da musica, ela não está muito alta. Tim pediu para abaixa-la para não acordar a vizinhança, e digamos que o medo da polícia é bem maior.

Estou morta por dentro. Depois de várias bebidas que não me lembro o nome, eu simplesmente peguei um copo de água e fui dançar. Estou a horas dançando com as estrelas e sozinha. Tim me olha de longe, assim como alguns outros perto do carro. Sei que não sou a única no meio do mar de latinhas e garrafas de bebidas no chão de areia do reservatório, mas tenho a atenção da maioria.

Ainda me sinto tonta, mas estou bem melhor agora. Antes eu escorava em todo mundo, mas agora a água em meu copo não cai mais no chão. Minha roupa está com cheiro de bebida, e meu cabelo enxercado com a água do reservatório que jogaram em mim e com algum tipo de melado nas pontas.

Pela primeira vez penso em meus pais e na minha casa. Sei que tudo vai continuar sendo estranho, e talvez até piore, mas eu precisava relaxar, e eu não conseguiria aproveitar isso lá em casa.

Tim caminha até mim, e com dificuldade convence-me a se sentar em cima da pequena ponte de madeira, que na verdade tem só 1 metro e está posicionada na ponta esquerda do reservatório.

Jogo meu copo de água no lago, na verdade, jogo apenas o conteúdo, e a pequena cachoeira momentânea me faz parar de piscar e se focar naquilo. É bonito ver as estrelas refletidas daqui de baixo na água. A lua também. Ela parece deformada, mas ainda continua a rainha da noite.

– Vai me contar agora? - Tim pergunta. Ele está descalço, e sua calça dobrada até o joelho. Seus pés estão dentro da água, e ele até parecia relaxado, se não fosse pela sua cara de preocupação.

– Eu não queria ficar em casa... - Respondo. Na verdade é muito mais do que isso, mas estou com medo de que minha tontura faça-me contar mais do que devo. Me imagino pulando nesse lago e submergindo em Oceano. Balanço a cabeça.

– Por que não queria?

– Porque meus pais me deixam maluca. - Isso pode ter sido verdade. Eu estava realmente maluca. Mas com certeza com outras coisas a mais.

– Talvez é você que deixa eles malucos... já pensou nisso?

– Eu já... - Paro por um instante. Penso. - Eu já pensei nisso, e eu não tenho culpa pelo jeito estranhos deles. Eles erraram.

– O que está falando, Leo? - Tim parece estar aborrecido comigo. Eu devo estar completamente mudada depois que voltei da viagem. Imaginem uma menina que tem um trauma de qualquer tipo de água, e depois que ela volta de um passeio, ela se embebeda em frente a um lago onde poderia cair a qualquer momento. É mais ou menos eu, pelo visto.

– Não é nada, Tim. - Digo, por fim. Não quero que ele saiba de nada, até porque ele não pode saber, mas quase contei. É difícil guardar uma coisa para você, e ser proibida de explodir. Quero chorar, e eu simplesmente choro.

Sinto minhas lágrimas pelo rosto no momento em que Tim coloca os braços ao redor de mim. Sinto suas mãos, mas diferente de Riba, apenas sinto-as. Não é como o toque dele, é normal. Como um amigo.

Ouço o barulho das lágrimas caindo no lago, e eu poderia enche-lo só essa noite. As estrelas e a lua não iriam me proibir, mesmo porque nada me segura mais.

Desde que o céu fez chover fogo, eu ando queimada por ai. Aos poucos pretendo melhorar, mas tudo ainda está fritando. Quando abandonei Riba em Oceano, a primeira fagulha da enorme fogueira foi ateada em mim, e até agora ela não apagou. Minha chama azul.

Chorar nos braços de Tim é bom, e ele simplesmente não pergunta mais nada. Gosto dele. Sinto seu cabelo no meu pescoço e fecho os olhos para poder enxergar melhor quando for abri-los. Ainda não.

– Se você não quer me contar, tudo bem - Tim parece realmente decepcionado. Mas não é comigo, eu sei. Mas chorar faz bem, sabia? Está melhor?

– Sim. - Digo sem entusiasmo, mas verdadeiramente.

Ele me beija na testa. Um beijo molhado, mas refrescante. E nem mesmo assim, meu céu resolve apagar.

*****

Depois que todos foram embora, eu resolvi ir também. Tim me acompanhou até em casa, e quando o sol nasceu, eu disse tchau para as estrelas e para a lua, antes de entrar em casa e ir em direção ao banheiro.

Vomitei de novo. E de novo. Eu não parei de vomitar por um minuto, durante cinco deles. É arrepiante e agonizante vomitar, mas depois o alivio e sustentador.

Fui para a cama, antes mesmo de meus pais acordarem para perguntarem onde eu havia ido. Ontem, mais cedo, quando sai de casa. Havia deixado um bilhete no celular da minha mãe, hoje, quando cheguei em casa, quase me arrependi de mandar. Quero que eles me deem mais valor.

Antes de dormir finalmente, penso em o que eu fiz. Eu mandei uma mensagem para meus pais antes de sair pro luau. De um modo ou de outro, eu ainda consigo me preocupar com eles. Eu ainda consigo chamar isso de casa.


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