Oceano escrita por Mateu Jordan


Capítulo 16
Pensativos




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Depois do dia do meu aniversário, os outros 5 dias restantes aqui na Califórnia passaram tão rápido quanto a luz. Minha mente parecia não parar de trabalhar um segundo, pensando em qual seria a minha escolha no final. Meu coração parecia encolher a cada minuto, transbordando de tristeza, mas eu sabia que nem sempre temos tudo o que queremos.

No dia depois do segundo sonho, acordei assustada e confusa. Meus pensamentos não tinham nenhum nexo e eu não sabia se aquele sonho era real ou fictício, e eu rezava para ser fictício.

Levantei da cama e fui em direção ao parque antes mesmo de meus pais saírem para ir à praia. Beijei minha mãe e fui andando no sol quente da manhã de Los Angeles.

Cada passo que eu dava, sentia uma vontade extrema de chegar a Oceano logo e me jogar contra o mar selvagem. Queria nadar para limpar as dúvidas da minha mente e clareá-las, mas acho que nem o fato de me sentir tranquila iria ajudar a resolver meus problemas.

Quando cheguei no parque e fui em direção ao bosque, não parei na árvore em que eu sempre parava para ler, dessa vez não. Dessa vez fui sozinha pelas árvores negras.

A escuridão me cercava por todos os lados, meu peito batia conforme meus pés pisavam no chão bolorento de folhas, mas meu coração aliviou-se quando vi o círculo de luz e depois quando viu o final do bosque. Eu estava perto de Oceano, em sua praia particular.

Quando entrei na areia a luz do sol entrou nos meus olhos eu tive que fecha-los, mas algo me fez abri-los depois. Alguém me fez abri-los. Riba.

Ele estava sentado na areia olhando em direção ao mar, e tirando ele a praia estava como sempre – deserta. Caminhei então até ele, e quando pensei que ele ainda não tinha me visto, sua voz alcançou meus ouvidos:

– Bom dia, Glenn Parker – Ele pareceu sorrir – Dormiu bem?

– Quem disse isso à você? – Como ele poderia saber o nome que Tritão havia me sugerido?

– Lylha – Disse ele – Ela veio até mim ontem à noite, pois estava esperando-me chegar com notícias. Disse que esse era o seu novo nome, mas que não queria ser chamada assim. Ela também disse que gosta do seu jeito marrenta e de não querer aceitar as coisas fácil. Ela também a admira, assim como eu.

Não estava em frente a ele ainda, e ele também não virou o rosto, agradeci-o por isso, pois se ele virasse e visse meu rosto corado, iria sorrir com deboche e orgulho. Ele me deixava nervosa, mas também fazia-me sentir no topo do céu.

– Ela é realmente muito gentil – Consegui dizer, agora já estava com o coração menos acelerado, mas Riba ainda não olhou para mim quando fiquei na sua frente, ele parecia pensativo. – O que você tem?

– Estou pensando em como vai ser agora – Ele disse – Agora que você sabe que é um sereiano, mas ainda não quer abandonar sua família humana.

– Eu não disse nada disso à você – Falei, nervosa – Como você pode ter certeza disso?

– Seus olhos te entregam – Meu coração se desmanchou como areia molhada. Ele era a maré, e eu uma folha em meio a ela – Ontem você pareceu tão nervosa quando chegou no hotel... eu senti que você não queria decepciona-los.

– Eles me ajudaram tanto, Riba – Disse a ele – Quando achava que eu tinha um trauma, minha vida era bem difícil. Eles me levavam a médicos que cobravam caríssimo para uma consulta só, e agora eu sei que não era exatamente um trauma, mas sim uma necessidade. Dá para acreditar como os fiz gastar uma fortuna para nada?

– Não quero se intrometer na sua vida – Riba pareceu triste – Mas seria mentira se eu dissesse que se você fosse embora eu não sentira saudades. Iria sentir sim, Leona. Muitas saudades. E mesmo que a gente nem tenha se tocado, me sinto completo com você.

Todos os oceanos juntos não conseguiam dar conta de me manter longe dele agora. Eu sei o que eu queria nesse momento, e eu sei que meus olhos me entregaram a ele agora. Mas eu não ligo, não me importo.

Ele se levantou e eu segui seus olhos até ficarem um pouco mais acima de mim. Eu queria ter pelo menos uma chance para fazer meu dia valer a pena. E eu tinha. Tinha que usa-la.

Seus olhos eram céus nublados cheio de tempestade, e eu era a única nuvem branca no céu dele. A que ele queria por perto. Senti seus braços por trás e sorri para ele, confirmando e gostando do seu ato, mas não prosseguimos mais que isso, pois ao longe, ouvi uma risada bem alta vindo do mar. De cara pensei em Coral, mas o cabelo roxo me deu um alívio, mesmo querendo matar Alma agora, eu fiquei feliz em vê-la.

– Desculpem pessoal – Ela diz levantando as mãos – Mas são ordens. Vim buscar a Leo para um passeio demonstrativo do local onde a sede do Oceano fica.

– Ordem de quem? – Riba parece nervoso, não tanto quanto sua voz imponente parecia, mas ele não gostou de ser atrapalhado.

– De mim mesma – Alma estava perto de nós agora, e me agarrou pelo pulso como Coral havia feito na mansão onde Tritão morava, mas diferente do toque gelado de Coral, Alma tinha um toque delicado e único, e eu gostava dela. – Até mais Riba...

Antes que eu pudesse processar o que havia acontecido, a água fria do mar já estava nos meus pés, e eu só tive um instante para olhar para Riba e pedir desculpas com a boca. Ele sorriu para mim, de alguma forma ele não parecia decepcionado comigo como antes. E quando estava prestes a mergulhar no mar, toquei o pingente de asas que ele havia me dado, assim, me senti mais em casa ainda.

****

Pela primeira vez eu havia visto como Alma seria. Nunca havia pensado que seria tão sexy para ela, ainda mais quando sua pele era meio roxeada.

Uma enorme água-viva era ligada desde sua cintura até embaixo, ela não tinha pernas aparentemente, pois a água-viva era quase tão transparente quanto a água do mar, mas um roxo claro era predominantemente, e assim eu conseguia ver por trás de sua pele.

Ela sorriu para mim e eu tentei sorrir de volta. Será que todos ficavam encantados quando viam ela aqui embaixo? Ela era linda.

Alma então me conduziu pelo mar, e eu fui olhando para os sereianos aqui e ali. Ninguém nos olhou, o que é bem estranho quando você tem uma mulher-água-viva do lado, mas acho que estão acostumados com Alma.

Chegamos perto da mansão grande e branca feita de pedra, mas diferente do que eu pensei, nós não entramos por ela. Seguimos reto e eu não fazia ideia de onde estávamos indo.

– Onde estamos indo? – Fiz aquela pergunta óbvia.

– Vamos passar em frente as construções de cada sereiano, e eu vou mostrar onde vivo. – Ela respondeu.

Depois de mais alguns minutos nadando entre os sereianos, avistei ainda mais embaixo da onde estávamos, milhares de casas com telhados e paredes verde-escuro. Quando estávamos no que parecia ser uma rua principal, percebi que eram algas ressecadas, o que achei estranho, mas Alma me explicou:

– Quando arrancamos as algas do chão, elas ressecam facilmente, e ficam duras como pedras. Já ouvi dizer que teve brigas com algas ressecadas, e o final não foi muito bom – Ela fez uma cara de nojo. – Mas casas aqui são muito pouco usadas. Alguns sereianos moram juntos mesmo que não sejam da mesma família. Isso acontece porque eles mal usam-nas, então só entram e ficam para dormir.

Tudo parecia lindo, as casas não tinham portas, mas o interior delas era bem escuro, e eu tenho certeza que não existia luz elétrica aqui em Oceano, então deduzi que as portas existiam para poder clarear as construções. Fomos seguindo, e vi vários sereianos nadando de lá para cá. Não existiam crianças, até porque sereianos só eram formados depois dos 17 anos, e a reprodução era algo inalcançável aqui.

Não me senti mal ao ver mais sereianos, e cada vez que andava mais, uma sensação de felicidade tomava conta de mim. Eu estava ótima, e meu dia também.

– O que sereianos comem? – Perguntei do nada. Eu estava tão bem que perguntas normais e sinceras surgiam na minha boca como saliva.

– Algas – Alma sorriu para mim – Aqui precisamos tanto de algas para viver, como os humanos precisam de energia elétrica para respirar.

A pergunta me fez dar um risinho, cada vez mais Alma conseguia-me fazer sentir afeição por ela.

Viramos em uma rua e mais casas iguais apareceram. De nenhum modo era repetitivo para mim, cada uma tinha o seu tom diferente, mesmo quase imperceptível a olho nu.

Chegamos então a última casa da rua e Alma entrou pela porta da frente sem nem hesitar. Eu segui-a confiante. Se Alma foi, eu também vou.

Depois saímos no fundo da casa, numa espécie de quintal, cheia de algas verde-oliva e com três sereianos nadando perto do solo.

– Essa é Leo, pessoal – Lylha também deve ter falado para Alma que eu gostaria de ser chamada de Leo, ou ela simplesmente também achasse que mudar minha identidade era perda de tempo – E Leo, esses são meus amigos.

Dois homens e uma mulher me observaram e sorriram para mim, assim que sorri de volta para eles. Um deles era como Alma, um homem-água-viva. Tentei o máximo não demonstrar surpresa, mas assim como Alma, ele era tão atraente quanto.

– Olá, sou Bob – Disse o homem-água-viva – E esse é meu irmão gêmeo, Stut, e essa é sua namorada, Ivy. – Ele apontou para um menino exatamente como ele, e eu não pude deixar de sorrir, eram iguais, a não ser pela parte aquática de cada um, Bob era parte água-viva e Stut era tritão.

Meu coração parou como quando eu vi a cauda de Coral. A cauda dele era tão negra quanto a dela, mas ele não tinha uma feição raivosa e enojada como a dela, mas mesmo assim me assustei.

– Tudo bem, Leo – Disse Alma – Ele não é mal como Coral. Foi por isso que trouxe você aqui. Quero que saiba que existem outros Caudas Pretas por aí além de Coral, e que nem todos eles são frios como ela.

– Alma está certa, Leo – Ivy tinha o cabelo loiro claro, e uma feição de esperta, porém divertida – Stut é um bom garoto, pois se não fosse, muitos amigos meus sereianos diriam para ficar longe dele.

– Mas muito dizem isso mesmo – Stut disse. – Brincadeira, Leo. Bom, prazer, e por favor, desculpe pelo susto, você é nova...

– Eu que peço desculpas – Falei. Estava com a cara no chão de vergonha, mas acho que eles entendem. – Prazer.

– Stut – Disse Alma – Que tal contar para Leo como conseguiu essa proeza?

– É claro, Alminha – Disse Stut, rindo. – Bom, vou começar pela parte em que eu era novo aqui, acho que eu e Bob havíamos chegado fazia um mês, então ainda estávamos nos adaptando. Fomos dar uma volta perto da fonte de Poseidon e de Tritão, e chegando lá, vi aquele monte de ouro jogado lá e fiquei maluco. Ainda estava com a cabeça na vida humana, então não sabia ainda que dinheiro aqui não importava.

“Peguei e coloquei entre minhas vestes o tanto que conseguia, e quando Bob viu, ele mandou eu devolver tudo, mas nunca fui fácil também, e não dei ouvidos para ele quando ele falou: “Hudgen disse que roubar qualquer coisa é crime, e que tem uma penalidade séria, e roubar ainda mais da fonte do nosso pai, é pior ainda”. Eu ri da cara dele e respondi: “Você acha que Poseidon vai fazer alguma coisa por isso? São só algumas moedas de ouro, e o que ele poderá comprar? Uma lancha para sair com as sereias gatinhas?”. E depois dessas palavras, Tritão apareceu na minha frente, e me mandou devolver todo o ouro, pensei que fosse só isso, mas depois fui levado até a sala dele, e quando cheguei lá, vi Poseidon na minha frente, e depois disso apenas lembro de ouvir o que ele disse: “Eu amo cada filho meu, mas como um pai direito, devo puni-lo como todos os outros. Sou seu pai e Deus dos Mares, oferendas são dadas a mim, e não é a primeira vez que você rouba aqui no Oceano, mas não vou deixar que traga a criminalização para cá.”

“Depois que acordei na nossa casa, minha cauda estava preta, e eu sabia que fora punido pelo meu pai, mas diferente do que pensei, eu não estava com raiva dele, apenas sabia agora o que era certo. Se essa é minha casa, porque roubar do próprio bolso? Então depois daí eu só comecei a roubar Ivy, cada dia mais eu me apaixonava por ela e ela me trazia para o eixo novamente. Ela adorava quando eu roubava seu coração.”

Tudo aquilo havia me arrepiado, e eu sabia que Poseidon era digno para fazer isso. Ele agiu como um pai deveria agir, e Stut estava certo em não ficar raivoso.

Ivy e ele se beijaram e Alma sorriu e me olhou.

– Qual o problema, Leo?

Eu devia estar com uma cara de pensativa, pois comecei a querer encaixar cada peça no seu lugar. Tentei pensar em Coral com toda aquela determinação maldosa nos olhos. Ela com certeza não deveria ter aprendido a lição como Stut, e eu sabia que ela não achava que aquilo era o fim.

– E tem como reverter essa... maldição? – Perguntei, apontando para a cauda, e pedindo aos mares para não ter parecido grosseiro.

– Claro que tem – Stut sorriu – Mas só pode ser revertido se você matar quem te amaldiçoou, ou matar quem fez você ser amaldiçoado. No meu caso não existia essa pessoa, e o único jeito de voltar ao normal era matando Poseidon, ou seja, eu adoro minha cauda preta.

Parei para pensar quem havia feito aquilo com Coral. Quem amaldiçoou-a foi Poseidon, mas quem foi o responsável por ela cometer seu delito?

Estremeci ao pensar quem poderia ser, não desejo que essa pessoa seja alguém que eu conheça, pois Coral é uma pessoa com sangue nos olhos.


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