O Tempo que Leva escrita por Bruna Guissi


Capítulo 22
Estou de Volta


Notas iniciais do capítulo

Gentee!! Dessa vez nem tradução da letra tem, quero que vocês acompanhem com a música, fazendo as pausas que acharem necessárias ou ouvindo várias e várias vezes.
Mil beijos!
Na reta final!
Back in Black – AC/DC



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A madrugada foi... agitada, se é que me entende. Sim, sim. E foi a melhor de todas.

Nunca senti tanto controle da minha vida como naquele momento; e na manhã seguinte não acordei sem essa sensação. Na verdade ela parece ter se enfiado dentro de mim, como se eu estivesse há muito tempo só assistindo a minha vida, e agora chegara a hora de protagoniza-la.

Vou fazer a minha vida. Vou vive-la, e quer saber? Vou vive-la bem.

E eu sei que essa sensação de mulher-maravilha é resultado de uma série de acontecimentos. Sabe aquela música que diz: “Ainda tô aqui viva; um pouco mais triste, mas muito mais forte.”? É, essa mesmo. Agora que eu assumi o controle da minha vida, quero ver me aguentar. Como se depois de muito tempo, depois de uma série de pedras, bolotas de merda e muito azar, eu finalmente me sentisse acordada, viva, e “afim” de viver.

Back in black, I hit the sack

I've been too long

I'm glad to be back

Yes I'm let loose from the noose

That's kept me hangin' about

I been livin like a star 'cause it's gettin' me high

Forget the hearse, 'cause I never die

I got nine lives, cat's eyes

Abusing every one of them and running wild

Levantei dos lençóis, caminhando para o banheiro, fazendo uma breve pausa para observar a cama. Na verdade, observar Ian; jogado, os braços e pernas esticados, dormindo de bruços, a boca entreaberta em um “O” relaxado. Senti um sorriso no rosto. Entrei no banheiro.

Liguei o chuveiro e comecei a ensaboar o corpo, sem pressa nenhuma. O dia anterior fora tão cheio de coisas. Tão cheio. E de algum modo eu não me sentia cansada; na verdade tinha um apequena ansiedade dentro de mim alimentando uma curiosidade que não conhecia antes. Querer saber o que pode acontecer no dia seguinte. E depois, e depois, e depois...

Então a porta do banheiro abriu para minhas costas. Reprimi um sorriso.

–Sério, se toda vez que eu for tomar banh- mas não consegui terminar. Ele entrou no boxe ignorando-me completamente mesmo.

Como se eu fosse reclamar disso. Dei meia volta para ficar de frente para ele. Ele tinha um sorriso naquela cara de sono adoravelmente charmosa dele. Dei um sorriso pequeno para ele, achando graça.

Peguei uma mecha espetada do cabelo dele, ignorando completamente os olhos dele em mim. Na verdade não ignorando, mas apreciando era mais verdade.

–Vamos lavar esse cabelo. – falei, pondo as mãos nos braços dele e puxando-o para baixo da água. O rosto dele relaxou, mas ainda sem perder um sorriso tranquilo.

Fechou os olhos como se apreciasse a água morna caindo no corpo. Estiquei o braço por cima do ombro dele para pegar o vidro de xampu, sem me incomodar ao encostar-me nele. Ele respirava lentamente. O cheiro de melancia invadiu o ar quando derramei um pouco na minha mão, puxando-o mais alguns centímetros pra fora da água. Eu já estava com as costas no registro do chuveiro.

O cabelo dele, não importa como, quando e nem porque, era sempre macio. E isso me dava uma certa inveja às vezes, porque ele nem sabia o que fazia para deixa-lo assim. Observei-o atentamente enquanto massageava a cabeleira dele, o sorriso no seu rosto como o de uma criança feliz.

Percebi que Ian não tinha absolutamente nenhum sinal de pelos faciais; provavelmente era isso o que o fazia parecer tão mais novo. Mas quando não estava com o sorriso brincalhão no rosto, quando me olhava com aqueles olhos famintos, eu não conseguia ver sinais de infantilidade nele. Empurrei-o gentilmente para debaixo da água, ficando um pouco nas pontas dos pés para repassar a cabeleira dele.

Escorei-me no seu corpo, e ele automaticamente me envolveu com os braços. Senti uma pequena moleza nas pernas, mas continuei cuidando do que fazia. Passei as mãos gentilmente sobre as sobrancelhas dele para tirar o último resquício de sabão dali, ele abrindo os olhos em seguida.

De um sorriso meio nostálgico, enfiando o rosto no meu cabelo molhado, fazendo-me entrar embaixo da água também. Apoiei-me em seus ombros.

–Então esse é o seu xampu? – perguntou no meu pescoço, sem deixar que eu me soltasse. Não é como se eu quisesse, de qualquer maneira – Não vou conseguir trabalhar hoje, é distrativo demais. – por algum motivo o último comentário fez um arrepio correr minha espinha.

E a pele toda do meu corpo. Ele obviamente percebeu.

Soltou um dos braços para que pudesse passar a palma da mão no meu ombro e percorrer minhas costas molhadas. Sapulinho começou a saltar freneticamente no meu estômago, causando calafrios agradáveis. Na verdade Ian causava calafrios agradáveis e Sapulinho sofria em resposta, inquieto.

Ai, deixa pra lá. Esqueci do resto, de qualquer forma.

Ele levantou o rosto para me olhar nos olhos.

Eu não tenho muito certeza de quanto tempo ficamos ali; ele decidiu lavar-me o cabelo e quando terminou não conseguíamos sair do chuveiro. Era sempre assim; esquecendo-nos do tempo, do mundo, de qualquer coisa.

Viver tornara-se extremamente interessante, enriquecedor. Quase como um vício, ainda mais ao lado dele.

'Cause I'm back! Yes, I'm back!

Well, I'm back! Yes, I'm back!

Well, I'm back, back

Well, I'm back in black

Yes, I'm back in black!

Por isso tranquei a faculdade, acertei as coisas no emprego e pedi a carta de recomendação de Marion. Porque a vida seria monótona e sem graça sem ele, porque eu reaprendera a viver, e porque eu finalmente estava gostando disso.

Naquele dia, depois do café da manhã, quando ele disse que precisava resolver umas coisas com a casa da mãe dele (ele já não chamava mais de dele) resolvi sair para correr. Nunca pensei que fosse querer, mas lá estava eu, na praça perto de casa, com um par de tênis confortável, um short igualmente bom e uma camiseta regata bem larga, suando e correndo como se não houvesse amanhã. Sendo que logo depois iria para a academia nadar.

Estava distraída, pensando em como contar para as garotas que eu estava planejando escapulir daqui. Com os fones de ouvido eu demorei a notar, mas percebi que alguém me chamava. Parei de correr e virei para trás, levantando os óculos escuros.

Alguns fios de cabelo que escapavam do rabo de cavalo grudavam na minha testa, mas eles não eram nenhum incômodo perto da visão que tive. Fiquei em dúvida se voltava a correr ou esperava ele chegar só para depositar um soco no rosto bem feitinho dele. Estava suado por causa do exercício físico, e, quando diminuiu o passo, limpou a testa.

–Mikaela! – disse com um sorriso, aproximando-se. De algum modo consegui sorrir naturalmente, esperando o que diria em seguida – Que bom te ver.

Abri o sorriso mais cínico do mundo, do qual ele não pareceu compreender o significado, porque seu rosto se iluminou com uma esperança confusa. Ok, here we go.

–Phelipe. – cumprimentei com a voz tranquila. Engraçado, ele ali na minha frente, e apesar de realmente querer soca-lo, não sentia raiva dele. Apenas sabia muito bem que ele merecia aquilo e não me sentiria nem um pouco mal em fazê-lo. Gosto de uma boa e velha vingan- justiça, quero dizer justiça. Realmente nada mais justo, não?

–Mikaela eu gostaria de conversar com você...

–Eu estou ocupada agora. – cortei com um sorriso doce no rosto. Ele franziu o cenho – Estou correndo. – então encenei um trote como se falasse com uma criança relativamente lerda.

Ele achou graça. Coitado.

–Mas se tem algo para dizer, diga agora. – encorajei. Ele sorriu, tomando aquilo provavelmente da maneira errada.

“Apenas observando para ver onde vai dar.”

–Está bem, é o seguinte. – disse se aproximando mais um pouco. Dei um passo para trás, sem deixar de sorrir para ele. Ele não pareceu perceber. Dizem por aí que narcisistas não percebem o que não querem, não é mesmo? – Isobel e eu terminamos. – disse, a voz carregada de expectativas.

Apenas esperei em silêncio para que desse mais detalhes. Não é como se eu já não soubesse.

–Acabou mesmo. – insistiu, olhando nos meus olhos. Disso eu também sei.

–Então você terminou com ela? – perguntei, fingindo um interesse involuntário. Cruzei os braços, como que para fingir indiferença. Bom isso eu não precisava fingir.

–Sim! – falou, o sorriso se abrindo – Mikaela, eu quero você!

Precisei colocar a mão na boca para conter a risada. Ao invés disso usei isso como uma cara de espanto emocionado. Devo ser muito boa atriz, mesmo. Sério. Ou homem é tudo idiota. Ou é porque eu estou falando de Phelipe.

Você terminou com ela? – perguntei incrédula. Ele acenou que sim com a cabeça, os olhos apaixonados, meio que estendendo os braços para mim. Bom, esse aí também era bom ator – Porque Isobel me disse que quando você ficou com sua típica cara de bunda – a voz já não era mais aquele tom doce, mas sim irônico, satírico – depois de me ver, ela conseguiu fazer você falar, e que não foi mais possível te encarar como homem depois disso. – tá a última parte veio de mim, mas isso era bem verdade. BEM verdade.

Back in a band, I got Cadillac

Number one with a bullet, I'm a power pack

Yes I'm in a band with a gang

they gotta catch me if they want me to hang

'Cause I'm back on the track

And I'm beatin' the flack

Nobody's gonna get me on another trap

So look at me now, I'm just a makin' my pay

Don't try to push your luck

Just get outta my way

Ele parou alguns de boca aberta, sem saber o que dizer.

–Sem palavras? – perguntei, dando um tapinha leve no queixo dele – Bom eu também fico quando você vem querer enfiar merda atrás de merda para me enrolar. Sorte sua que meu dia está bom. – ele ainda não conseguia reagir, e eu apenas dei de ombros – Tem gente que não tem jeito, Phelipe. – acrescentei, dizendo o nome dele com certo nojo.

Abaixei os óculos e voltei a correr na direção em que estava antes, até sentir uma mão no meu braço me puxando.

–Mas o quê..? – então Phelipe tinha um olhar selvagem no rosto, meio descontrolado. Por apenas um segundo tive medo dele. Depois apenas raiva.

Você não pode... – começou a dizer, mas então soltei meu braço com violência, empurrando-o. Meus quase um e oitenta de altura, apesar de menores do que os um e oitenta e sete dele, me deram força no impulso. Ele cambaleou para trás.

O que você acha que está fazendo? – perguntei, dando uma risada incrédula – Por que acha que pode por a mão em mim? – perguntei, percebendo que arreganhava os dentes de raiva.

Ele inspirou pesadamente, o rosto descontrolado. Parecia meio louco, meio desesperado. Dava dó. Mas bem pouca.

–Você não entende! – disse ele, tentando segura-me o braço novamente, sem sucesso – Você não pode dizer não para o que temos, para mim. – falou, os olhos agitados. A voz era meio trêmula, como se estivesse chegando a beira de algum limite.

Não posso? – perguntei estreitando os olhos – Phelipe... Você me dá nojo. – falei, como se precisasse deixar claro para aquela mente obviamente perturbada, que ele NÃO ERA NORMAL.

Após alguns segundos me encarnado, apenas tentando controlar a respiração, ele me agarrou, tentando me beijar. O QUE ELE ESPERAVA? O UM POUCO DE SALIVA FOSSE FAZER COM QUE EU SUBTAMENTE MUDASSE DE IDEIA OU ME APAIXONASSE POR UM SACO DE MERDA, PORQUE ERA ISSO O QUE ELE ERA?

Antes de encostasse aquela boca nojenta, asquerosa e narcisista em mim, espalmei a mão nela, empurrando-o para trás. Ele ficou desorientado por um segundo, o tempo que precisei para reunir o pouco da escolinha de lutas que tive quando era pequena e meter-lhe um soco bem dado na maça do rosto.

O ódio era tanto no ato que não senti nem dor. Na verdade, o alívio foi tão grande que senti um repentino desejo de fazer de novo.

Pena que o MOLE DO PHELIPE não rendia nem uma briga de tapas em salão de beleza. Caiu sentado no chão, segurando o rosto que começava a arroxear em volta dos olhos. Ele encarava o chão, perplexo. Estralei os nós dos dedos, fazendo-o acordar do transe.

–E QUE FIQUE AVISADO. SE UM DIA TENTAR ENCOSTAR A MÃO EM MIM DE NOVO, TALVEZ POSSA VIR A FICAR ESTÉRIL, ME ENTENDEU? – perguntei escandalosamente, fazendo alguns transeuntes virarem para ver o que estava acontecendo. Bati as mãos como que para tirar a sujeira delas – Uma pessoa evoluída desejaria passar bem, MAS EU ESPERO QUE VOCÊ SE CAGUE INTEIRO.

'Cause I'm back! Yes, I'm back!

Well, I'm back! Yes, I'm back!

Well, I'm back, back

Well, I'm back in black

Yes, I'm back in black!

Virei as costas e voltei a correr, sentindo-me lívida. Não sei quando foi a ultima vez que soquei alguém, mas com certeza nunca senti uma satisfação tão orgásmica com isso. Eu me lembraria. Acho que pode ter sido no meu irmão.

Mas nunca tão satisfatória. Tão merecida. Tão justa.

Well, I'm back! Yes, I'm back!

Well, I'm back! Yes, I'm back!

Well, I'm back, back

Well, I'm back in black

Yes, I'm back in black-ow!

Comecei a rir enquanto corria, sem acreditar no que acabara de acontecer. Mas tem que ser a escória do mundo, o extrato do mais grosso e poluído esterco de demônio, para chegar ao ponto em que aquele cretino tinha chegado.

De lá fui direto para a academia, precisando passar uma água no corpo para tirar o excesso de suor antes de entrar na piscina. Hoje estava vazio o lugar, o que era ótimo. Mergulhei como se não houvesse amanhã.

Nunca me senti tão renovada.

Quando saí para o chuveiro só para passar uma água no corpo antes de voltar para casa, senti um ponto dolorido na mão. Olhei para ela e percebi os nós dos dedos vermelhos, bem vermelhos. Dei um sorriso, orgulhosa.

Coloquei a mesma roupa suja, deixando para tomar um banho verdadeiro quando chegasse em casa.

Subi para o apartamento, antes cumprimentando alegremente o porteiro que percebeu meu estado de espírito elevado. “Nada como descarregar a raiva, não é?”, falei para ele. Ele deu um sorriso bondoso, concordando vigorosamente com a cabeça.

Entrei pela porta do corredor, percebendo que o capacete de Ian não estava ali. Ainda devia estar ocupado. Decidi ir para o banho direto, dessa vez sem distrações.

Tirei a roupa e joguei-a no chão do banheiro, mandando uma mensagem para todas as garotas.

“Precisamos conversar.”

E precisávamos mesmo. De agora em diante não tinha volta, e quanto antes desse a notícia, mais tempo teria para... não sei dizer. Talvez ouvir ofensas, chorar um pouco, sei lá. Só precisava falar com elas.

E depois de uma manhã dessas, com essa grande animação que tomou conta de mim, só tinha uma direção para seguir, e era para minha vida.

Aww yeah! Let's go!

Keep on goin'! Yeah yeah!

Yeah... aww yeah yeah!

Here we go!


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Notas finais do capítulo

Aee!
Comentem muuuitoo, quero saber o que estão achando!
Beijos e abraços, espero que tenham gostado!



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