Fora uma noite aterrorizante, eles não puderam dormir, ao redor parecia haver uma presença demoníaca que os atormentava. Os caçadores estavam em volta de uma fogueira, todos calados, apenas a lua aparecia inibida no céu, o resto era trevas. Avelar estava distante, de pé, olhava para a escuridão da floresta, seu olhar estava perdido, no medo, no ódio, na possibilidade de vingança que teria com todo o poder que recebeu, quando Ithely aproximou-se dela, seus passou amassando as folhas secas e negras no chão podiam ser ouvidos, mas não causaram espanto na Vampira. Ela colou-se atrás de Avelar e disse baixo, porém num tom ameaçador:
“O que você é na verdade?”
A Vampira demorou um pouco para responder. “Eu sou apenas diferente de você.” Avelar respondeu de maneira seca e vazia.
Ithely tocou em seu ombro fazendo voltar-se para ela.
“Você não é uma vampira. O que fez no deserto é o que as bruxas fazem, o que fez no palácio é o que híbridos fazem. Você é uma híbrida! Mas se todos sabem disso, como meu pai permitiu que participasse do torneio?” O ódio de Ithely aumentava a cada palavra dita, Avelar por sua vez a olhava indiferente. “Vamos garota, diga. O que fez para chegar aqui?”
Avelar tocou no rosto da loira, e a fez paralisar. A vampira a olhava com profundo desprezo.
“Eu sou o que quiser. Posso ser uma vampira que se alimenta de sangue. Posso-me transformar em um lobo de pelagem alva como a neve. E posso arrancar seu coração com meus poderes de bruxa.” Ela parou de falar, seus olhos penetraram os da loira, uma visão, como uma ilusão se formou na mente de Ithely que agora via a verdade.
Zárlia era poderosa e teve um caso com Mendragon, ele era apaixonado por ela, mas a união deles resultaria no nascimento de um escravo. E a história se repetiria. Então ele a fez casar-se com um híbrido, porque assim o sangue do herdeiro seria nobre. Segundo a lenda um híbrido só pode expandir sua espécie se relacionar-se com os da sua espécie, logo o filho nascido seria uma nova raça. Mandragon queria uma nova raça, para que ele pudesse ter todo o poder. Depois que Zárlia teve seu filho, Mendragon convocou os caçadores para um torneio e deu a Ithely a ordem de matar a mãe de Avelar.
A nova raça ainda não tinha nome, nem era conhecida, por isso ele denominou a criança como Vampira. Em três meses Avelar já não era mais criança, seu corpo tomava forma rapidamente, ela era adolescente quando sua mãe morreu.
Ithely via tudo passar como um filme diante de seus olhos. Uma tempestade começou, os caçadores se levantaram. Espíritos começaram a rodear o lugar gritando assustadoramente. Ninguém sabia o que fazer. Políbio veio até as garotas, desesperado:
“Vocês precisam vir, não é uma tempestade comum, Suzan disse que é a chegada de uma legião de espíritos.” Ele parou e observou por um momento o que estava acontecendo, e percebendo o que Avelar estava fazendo com Ithely ficou com medo e se afastou para chamar Suzan. As duas estavam imóveis, pareciam estar em outra dimensão, olhos nos olhos, almas sendo ameaçadas e ao redor a fúria da tempestade. A bruxa se aproximou destemida a aparta-las, passos rápidos e fortes no chão. Lançou um poder em forma de raio na direção de Avelar, não teve sucesso, elas estavam sobre a proteção de um campo de força que fez com que o raio voltasse para Suzan fazendo ela ser lançada a certa distância. Quando Políbio vio o acontecido, não sabia o que fazer, então transformou-se em um enorme lobo branco. Transformado ele tinha o poder de causar alucinações nos outros, então ele tentou colocar pensamentos em Avelar, mas não conseguia, havia um bloqueio. A tempestade caindo, o vento aumentando, o grito de espíritos cada vez mais audível, Suzan desmaiada no meio da floresta, onde ele não conseguia ver. Uma lágrima caiu dos olhos do lobo. Por que se importava tanto com Ithely? A dor, a aflixão que ela sentia parecia estar nele.

Na mente da loira o filme continuava. Ela via seu pai na cama, fazendo amor com sua inimiga, via seu pai matando inocentes, trapaceando, mentindo. E a maior mentira que ele contou para ela foi a que ela era sua filha. Naquele momento ela saiu do transe, mas ainda não conseguia se mexer. Avelar andava ao redor dela, sarcástica, parecia estar adorando vê-la sofrer sem poder fazer nada.

“Agora você sabe a verdade, você não é uma simples peeira. Você é como Políbio. Você é uma escrava também...” Parou diante dela antes de dizer as ultimas palavras. “Você é uma híbrida.”

A tempestade estava passando, Políbio estava imóvel, apenas assistindo aquela cena. Ele também fora surpreendido. Não havia mais dúvidas, ele sabia porque sentia o que Ithely sentia. Seu pai tinha lhe contado, mas ele se recusou a acreditar e Lucian pediu para que guardasse segredo daquilo.

Avelar tocou no peito de Ithely, ia arrancar seu coração. Tudo o que acontecera era parte do torneio. A terceira pedra era a pedra de Justiça, se a verdade viesse a tona o coração do enganador tornava-se a pedra. Mas a justiça é bondosa, ela conhece o coração de cada um. Avelar estava se vingando e a vingança é um sentimento mal, um sentimento injusto.

Ithely conseguiu forças e sugou a essência de Avelar. A Vampira da nova raça estava tornando-se pedra ali. Os olhos de políbio estavam desesperadamente confusos, seja pela descoberta, seja por ver uma caçadora tão poderosa, que na noite passada tinha derrotado sozinha centenas de bruxas, ser morta assim, tão facilmente.

Avelar estava se tornando a recompensa por sua maldade. O poder fez com que ela caísse. O filme agora passava na sua cabeça, via sua mãe, via o futuro que poderia ter. Mas a pedra da justiça não falharia, Safira assegurou-se disso anos atrás. Enquanto Avelar tornava-se pó, Ithely se transformava, ganhava traços da vampira, o cabelo antes loiro, agora ganhava mexas negras. Os olhos mudaram, a pele, a roupa. Suas almas estavam unidas agora, Ithely podia sentir dentro do seu peito as batidas do coração de Avelar, podia sentir fluir da sua mente o poder das bruxas do pântano vermelho, os pensamentos da vampira, suas aspirações, sonhos, mágoas. Avelar não tinha morrido totalmente, ela estava viva, dentro de Ithely.