Tempestuoso escrita por babsi


Capítulo 26
Capítulo 26: À puta irônica


Notas iniciais do capítulo

Gente, cadê vocês?
Eu estava pensando aqui com meus bodes e: cadê as meninas comentadeiras que comentavam desde os primórdios de Tempestuoso, quando a fanfic era só uma ideia meio nebulosa na minha cabeçona incrível? Cadê as meninas dos primeiros comentários, que me motivaram a continuar postando e escrevendo Tempestuoso? Cadê você, Julia Martins, que sempre conversava bíblias comigo sobre a fanfic?
E as meninas do Spirit, cadê? Lolla e Jeny, vocês me enganaram! (coração partido)
(LIBERA EMOTICON PELO AMOR DE DEUS)
Minas, atrás dessa tela cheia de palavrinhas legais também bate um coração, sabiam? (drama básico para dar efeito). Vocês não podem me usar e jogar fora desse jeito!
Se não querem comentar ou recomendar, eu não ligo - apesar de amar quando vocês o fazem -, mas não me abandonem assim, gente! Mandem uma MD, gritem no WhatsApp, sei lá! Mas não me joguem aqui como se eu fosse uma maquininha de fazer palavras, suas insensíveis! Parece que vocês juntaram o bonde e me deram um pé na bunda!
EU NÃO GOXTO DE LEVAR PÉ NA BUNDA!
Me liguem, gatinhas! PLS!

Espero que gostem do capítulo (coração) (partido) (estou magoada)



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Capítulo anterior: "- O que você quer de mim, Daryl? - repito mais uma vez, me virando de costas e voltando para o barracão."

POV THEA:

Entro na cabana com pressa, o cheiro de álcool e tabaco me atingindo com tanta força que é quase um nocaute. Sinto minha cabeça revirar, e tateio a poltrona com minhas mãos trêmulas.

Meus olhos cheios de lágrimas me impedem de ver alguma coisa, e o vento frio adentrando a porta aberta ainda parece me congelar de dentro para fora. Ignoro a dor nos ossos, imaginando que isso tiraria minha concentração de toda aquela raiva quente ainda em minha cabeça.

Daryl havia dito que eu não era útil, que eu era um peso morto na porcaria do grupo que eu ajudei a salvar. E isso tinha me atingido mais do que toda a situação, do que todo o silêncio.

– Se fosse para falar merda, que ficasse com a porra da boca fechada. – sibilo, sentindo as lágrimas quentes entrarem em minha boca, se misturando com as palavras envenenadas.

Eu tinha voltado a falar sozinha, então. Voltado a sentir falta de contato humano e de palavras que não fossem carregadas de repreensão disfarçada.

Não era da conta de ninguém tudo que eu havia passado, e eu também não devia nada a quem quer que fosse. Daryl não precisava saber, assim como Gareth e Red. Os motivos deveriam continuar em segredo, enterrados no fundo da pele, mesmo que se expusessem para fora na forma de feridas cicatrizadas.

O mundo se resumia a um aglomerado de corpos podres e decrépitos, e talvez fosse assim com o que havia restado da humanidade também. Não éramos mais tão humanos, talvez nunca havíamos sido. Talvez a vida não fosse mais do que um amontoado de corpos e um vir-a-ser destes. Qual era o potencial da humanidade, afinal? Continuar em frente como se nada tivesse acontecido, ignorando os gemidos e toda aquela morte e sangue? Não tinha como ignorar. Não tinha como sair ileso. Tínhamos que lutar, todos que haviam sobrevivido tiveram que fazê-lo. E por isso que eu me recusava a aceitar a vida como um brinde do acaso, só como sorte. Eu havia feito por merecer, havia me mantido viva por meu próprio mérito. Sempre seguindo em frente, mesmo que minha luta fosse diferente. Mesmo que eu tivesse evitado facas e errantes, mesmo que eu tivesse corrido e me escondido.

Eu não aceitaria ser rebaixada à categoria de um mordedor, seguindo em frente dentro da horda, sendo carregada pelos mais fortes. Eu era forte, tão forte quanto Mich ou Maggie. E eu não precisava ficar jogando isso na cara dos outros apenas para expelir meu ódio.

Balanço a cabeça, tentando ignorar o cheiro de morte. Era uma morte diferente, não era nada parecida com aquele podre que a morte de hoje anunciava. Era pior que isso. Era o cheiro daqueles mortos que não se importavam com a própria vida, que viviam para algum motivo menor que a própria vontade de viver.

Era o cheiro daqueles que não queriam seguir em frente, mas não tinham coragem para fazer a vida parar, então apenas desistiam. Não era cheiro de morte podre, que se arrasta; era cheiro de desistência, de falta de dignidade. Cheiro de vida que se arrasta. Se arrasta sem viver, sem ver sentido e sem vontade.

Aquele cheiro me perseguiria pelo resto da vida, assim como havia perseguido Daryl. E não consigo ignorar essa constatação.

Aquele lugar estava mexendo com nossas cabeças, nos obrigando a trazer à tona memórias que queríamos deixar guardadas, mesmo que isso significasse um ácido nos queimando de dentro para fora.

Um pressionava o outro, enquanto aquele ambiente pressionava ambos. A urgência do mundo morto, o medo das coisas novas. Ainda éramos humanos, afinal de contas. Tudo que acontecia ainda nos afetava e, por mais fortes que fossemos, nunca conseguiríamos deixar de lado o que era inerente ao ser humano, o que nos diferenciava dos mortos: a empatia.

Sentíamos demais, mesmo quando não queríamos sentir, e isso nos fazia ter atitudes que não queríamos ter. Éramos pressionados dia após dia, vivíamos numa linha bamba entre a vida e a morte, o certo e o errado. Explodíamos sem querer, nos acalmávamos sem saber. Queríamos sair da violência, ao mesmo tempo que queríamos nos violentar a qualquer momento. Era físico, era sobre contato, mas também era sobre sentir. Queríamos encontrar no outro o controle que não tínhamos, a segurança que nós mesmos não podíamos proporcionar. Queríamos palavras de conforto vindas de pessoas que não se sentiam confortadas.

O que eu esperava de Daryl, afinal de contas? Que ele ignorasse o que sentia? Que toda aquela agonia que parecia exalar quando eu era o ponto se dissipasse como uma chama em contato com a água?

Como pedir algo que nem eu mesma podia dar?

Eu também havia me exasperado com seu motivo, também havia ficado em agonia com suas cicatrizes, mas eu não era Daryl. Eu botava para fora, não conseguia guardar as coisas para mim. Talvez por isso eu fosse tão estável emocionalmente, talvez por isso minha raiva se dissipasse tão rápido e eu não conseguisse guardar rancor. Eu sentia demais, toda hora, sobre tudo. Não dava para ignorar a verdade quando ela me dava uma bofetada na cara.

Olho para baixo, ainda pensativa, encarando minhas pernas desnudas e meu corpo coberto somente pelo colete de asas.

Levanto da poltrona rapidamente, mesmo com os músculos rijos por causa do frio cortante que adentrava pela porta. Minhas roupas jogadas pelo cômodo saltam em meus olhos, e as visto rapidamente, tentando aplacar os arrepios que pareciam atingir os ossos.

A jaqueta jeans forrada com lã, roubada do baú há hora atrás parece a peça mais convidativa, aquecendo meu corpo quase que instantaneamente, num conforto mudo, ao mesmo tempo que o colete de asas pesava em minhas mãos.

Me jogo na poltrona novamente, as pernas ainda rijas, enquanto flexiono os dedos das mãos, tentando aquecê-los. O colete de Daryl pende em meus braços e sinto meu peito se apertar ao imaginá-lo no vento gelado sem nenhuma proteção. Dou de ombros, sentindo o cheiro de tabaco rançoso se desprender da poltrona, invadindo meu olfato. Enterro o nariz no colete, tentando sufocar o cheiro quase obsceno daquele lugar, olhando de rabo de olho para o engradado cheio de potes de vidro contendo gim. Franzo a testa, a ideia de ficar bêbada não me agradando tanto quanto o suposto calor que o álcool podia fazer correr por minhas veias. Eu não era uma bêbada feliz e não tinha graça nenhuma beber para ficar triste, ou com mais raiva.

Me afundo mais na poltrona, sentindo o vento frio entrar pela porta ainda aberta da cabana e gelar todo o cômodo. A imagem de Daryl lá fora invade minha mente de novo, e me sinto culpada pela raiva ter se dissipado quase totalmente.

Aquele não era o melhor lugar para se confrontar a realidade, e era óbvio que daria merda em algum momento. Ainda mais quando todos os nossos pensamentos pareciam perdidos demais num monte de sentimentos estranhos que nenhum de nós dois conseguia, de fato, entender.

Assim como Daryl, eu não sabia muito bem lidar com o que eu sentia. A única diferença entre nós, era que ele guardava para si tudo que sentia, enquanto eu achava tudo aquilo pesado demais para deixar lá dentro. Eu não sabia viver de bico fechado, fingindo não sentir o que, na verdade, eu sentia muito. Então eu só soltava, muitas vezes sem analisar as consequências.

Eu amava Daryl, aquela sensação quente dentro de mim toda vez que ele estava perto, e o nó na garganta sempre que ele se afastava eram a confirmação disso. Eu o queria por perto, por inteiro, mas talvez aquilo não fosse tão recíproco assim.

Talvez eu tivesse soltado tudo rápido demais, e talvez Daryl não estivesse preparado para lidar com aquilo. Mas, o fato era que eu não conseguia mais guardar para mim o que sentia, mesmo sem saber o que era. E, quando a resposta que eu procurava apareceu de forma tão natural como respirar, eu só quis botar para fora, tirar aquele peso de mim de uma vez por todas. Eu não tinha culpa nenhuma naquilo, eu não iria sufocar as palavras só para poupar o ímpeto que Daryl tinha de fugir de tudo que ele não entendia. Se ele quisesse ignorar, ficar em silêncio e fingir que não sentia, o problema era dele. Eu não era assim. Eu conhecia meus limites, sabia até onde poderia ir e não aceitaria menos do que o merecido. E eu merecia sentir por inteiro, sem meios termos. Não mais dois pesos e duas medidas. Era o que eu queria.

– E você, Daryl Dixon, o que diabos quer de mim? – sussurro, enfiando o nariz no colete, como se ele pudesse me dar alguma resposta que nem o próprio dono poderia ter.

– Por inteiro, Thea. Sem meios termos. É o que eu quero de você. – a voz de Daryl se sobressai no silêncio da cabana, me fazendo sobressaltar. Levanto os olhos, vendo-o parado em frente a porta aberta.

Ele passa a mão pelos cabelos, daquele jeito desconcertado de sempre e sinto minha garganta fechar, aquele monte de chamas aquecer meu peito novamente, sem nenhuma permissão.

Enfio mais a cara no colete, tentando impedir a vontade de mandá-lo à merda. Ele não tinha o direito de chegar todo bonitinho, falando um monte de coisas que eu queria ouvir, depois de ter feito com que eu chorasse.

– Há quanto tempo você está aí? – pergunto, sem saber se isso era algo realmente relevante.

Ele dá de ombros, em silêncio, ainda em frente a porta e ao vento frio.

– Eu cansei dessa sua boca fechada, Daryl. – falo, entredentes.

– Eu não consigo ficar longe por muito tempo. – diz, os olhos azuis presos aos meus, e sinto meu corpo aquecer como se tivesse em chamas.

– Cala a boca, Daryl Dixon. Eu estou bem brava com você. – digo, jogando uma almofada velha em sua direção, soando como a mimada que ele sempre me acusava de ser.

Daryl não diz nada, só volta para dentro da cabana, fechando a porta atrás de si, me fazendo respirar aliviada pelo fim do vento gélido.

Ele procura sua roupa com os olhos, encarando o colete em meus braços, dando de ombros logo em seguida. Penso em devolver, mas seguro o impulso. Ele que fosse à merda e que ficasse andando pelado por aí, só com aquela regata idiota que ele usava por sob as asas. Não era como se eu me importasse.

Ele fuça algo em sua mochila, tirando de dentro sua jaqueta de couro velha e uma camisa surrada sem mangas, que eu odiava intimamente. Reviro os olhos, mordendo a língua para não abrir a boca, o que não ajuda muito, no final das contas.

– A camisa que eu te dei ontem não foi só de enfeite não, seu babaca. - provoco, vendo ele se virar em minha direção com uma carranca desacreditada.

– Pensei que você estava brava. – desafia, apesar da expressão culpada no rosto.

Reviro os olhos, pegando o tecido xadrez ao lado da poltrona e jogando-o em sua direção. Faço o mesmo com o colete, um pouco a contragosto. Ele olha para a peça de couro e depois para mim, como se pensasse em algo muito sério, e joga a veste em minha direção, sem nenhuma delicadeza.

– Ficou bom em você. - provoca, me fazendo erguer uma sobrancelha. Tento não pensar muito no que aquele gesto significava, e coloco a peça no corpo.

– Por causa dos meus peitos? – brinco, vendo-o balançar a cabeça, como sempre fazia quando eu falava algum absurdo, e vestir a camisa xadrez.

– Sim, por causa dos seus peitos, sua maluca.

– Pois é, eu tenho bons peitos. - jogo o cabelo para o lado, dando aquele toque dramático que eu tanto gostava. - Você também não fica ruim não, Dixon. Xadrez combina com você.

Ele não responde, só sustenta meu olhar, como se buscasse algo para dizer. Daryl passa a mão pelos cabelos, com aquele jeito nervoso e impaciente que só ficava sexy nele.

– Eu falei sério sobre o que eu quero de você, Thea. – ele começa, com os olhos azuis profundos, me fazendo encolher na poltrona e enfiar o nariz no colete. – Por inteiro, sem meios termos.

Sinto um bolo se formar em minha garganta, enquanto todas aquelas chamas flamejavam em meu peito, me fazendo apertar os punhos em ansiedade. As mãos soando frio, o coração acelerado, além de todo o anseio sobre "algo mais" que se acumula na barriga. Eu sempre sentia isso quando Daryl era o ponto, mas eu nunca tinha desconfiado sobre amor. Talvez porque eu nunca tivesse amado alguém para me mostrar sobre.

Eu já tinha me relacionado com outras pessoas, mas nenhum desses relacionamentos tinha sido tão profundo quanto Daryl. Era mais do que somente amar, era mais profundo que isso, e não tinha todo o peso que a palavra "amor" trazia. Era como tomar fôlego após uma correria. Trazia alívio e calma.

– Eu fiz merda, Thea. – ele continua, obrigando as palavras a sair. - Me desculpe por isso. Eu pedi para você me contar o que aconteceu e depois agi igual um maníaco. – ele começa a caminhar de um lado para o outro de modo frenético, como se a qualquer minuto pudesse fazer um buraco no piso de madeira. – Como se você tivesse culpa de alguma coisa... – diz, como para si mesmo. – Mas é que a ideia de te ver machucada... de não poder ter feito nada a respeito... É demais para mim, entende? Eu não sei lidar com isso. E isso não quer dizer que seja sua culpa. Nada do que aconteceu foi sua culpa, Thea. Você entende isso, não entende? Aqueles caras foram os únicos culpados.

– Se eu tivesse me entregado antes... – começo, fechando os olhos com força, como se isso pudesse me impedir de ver todas aquelas imagens que sempre inundavam minha mente.

– Se você estivesse se entregado antes, você estaria morta! – Daryl diz, alguns tons acima do normal, me fazendo abrir os olhos assustada. Ele estava perto, perto demais para que eu pudesse pensar com clareza. Engulo em seco, vendo-o passar as mãos pelos cabelos. – Eles teriam feito aquilo com qualquer outra pessoa, Thea, com qualquer outro grupo. Não dependia só de você.

Ele suspira, como se estivesse exausto demais, e se joga no chão a minha frente, encostando as costas na poltrona. Ficamos os dois ali, sentados, só olhando para o nada, como se aquele vazio tivesse a resposta para alguma coisa.

– Eu falei muita merda hoje, Thea. – Daryl quebra o silêncio. - Coisas que eu não acredito, que sequer passaram pela minha cabeça.

– É que você é um idiota, Daryl Dixon. – brinco, chutando seus ombros levemente. Ele ri, balançando a cabeça.

– E mesmo assim você continua aqui. Isso que eu não entendo. – ele diz, como para si mesmo.

– É que eu sou meio maluca, Daryl Dixon. – dou de ombros, satisfeita com a resposta.

Eu amava Daryl, como poderia ir embora? Ele era a única coisa que me dava um bom motivo para seguir em frente, agora que Terminus era só cinzas e um corpo morto enterrado fora de território sagrado.

– Você é forte, Thea. – ele continua, parecendo pensativo. - Uma das pessoas mais fortes que eu conheço. E eu só disse o contrário porque isso me dá medo. Você ser útil, fazer as coisas pelos outros e se arriscar sem pensar duas vezes me assusta como o diabo. O pensamento de poder te perder a qualquer momento é pior do que a imagem de todos os nossos sob valas rasas em algum lugar dessa praga de errantes. Entende isso? Saber que eu não tenho controle sobre você e que eu não posso impedir todas as suas maluquices me tira o sério. Eu tentei de tudo para não me envolver exatamente por isso, mas não é como se você tivesse deixado muitas opções. Você me cercou de todos os jeitos possíveis, ficou falando esse monte de absurdos no meu ouvido e, quando eu menos esperava, já estava completamente envolvido.

– Não é culpa minha se seu ponto fraco é agarração no mato, Daryl. – brinco, ouvindo seu riso rouco.

– Cala a boca, Thea. Só fala um monte de absurdos. – provoca, jogando a cabeça para trás.

Meus dedos enroscam em seu cabelo, e ficam por ali, num carinho tímido. Daryl não era do tipo que gostava dessas coisas, mas ele não se afasta. E é bom tê-lo assim, tão leve quanto respirar.

– E mesmo assim você continua aqui. Isso que eu não entendo. Deve ser porque me ama muito, mesmo... – provoco, sem esperar uma resposta.

– Deve ser... – responde baixo, como se falasse consigo mesmo.

Aquele calor em meu peito começa a subir pelo meu corpo, e um sorriso brota em meus lábios.

– Eu ainda estou esperando você se declarar de um jeito mais formal. Sabe como é, né? Eu sou uma lady, adoro solenidades.

– Claro que adora. – diz, balançando a cabeça. – Eu amo você, sua maluca.

Mordo os lábios com força, sentindo o calor me consumir por completo, parecendo explodir na boca de meu estômago, arrepiando cada célula de meu corpo.

– Que bom que ama, Daryl Dixon. – digo, chutando seus ombros levemente. – O idiota e a maluca. Isso é bem romântico, não é?

– Cala boca, Thea. – ele responde, com a falsa voz de tédio escondendo uma pitada de diversão.

– Estou num momento delicado aqui, Daryl. Você não devia me mandar calar a boca logo após gritar aos ventos que me ama! – digo, falsamente chocada, chutando-o mais uma vez. Ele estreita os olhos em minha direção, como se me repreendesse. Dou de ombros, repetindo o movimento.

– Thea... – ele diz, como um aviso. Dou um sorriso de lado, repetindo a provocação. – Se você fizer isso mais uma vez...

– Vai fazer o que? – interrompo, sorrindo docemente. - Me jogar na parede e me dar uns bons tapas? Não posso dizer que ficaria realmente ofendida com isso, Dixon... Ainda mais agora, que sei sobre essas tatuagens em suas costas. Acho que eu ficaria bem alegrinha, para falar a verdade. Sem falar que você está me devendo uma explicação, esqueceu?

Ele balança a cabeça e sorri malicioso, entrando na provocação.

– Alegrinha? Essa palavra não é muito estimulante, Thea.

– Quer dizer que você precisa de uns estímulos para me jogar na parede e me dar uns beijos, Daryl Dixon? – chuto seu ombro novamente, falsamente ofendida. Ele me puxa pelo pé, me fazendo cair igual uma batata no chão ao seu lado. – Ei! – reclamo, e ele ignora com um sorriso torto.

– Uns beijos? É impressão minha ou estamos regredindo? Pensei que já havíamos conversado sobre isso. Que já estávamos na fase em que eu te jogo na parede e te fo...

– Mas é um lorde mesmo! – digo, dando uma cotovelada em suas costelas, sem conseguir conter a gargalhada.

Ele segura meus braços por entre suas mãos, me impedindo de continuar com a agressões, e me puxa para mais perto, nossos narizes se tocando levemente.

Minha respiração se torna mais ofegante à medida que Daryl parecia cada vez mais urgente. Suas mãos puxam meu corpo sobre o seu com firmeza, e nossos lábios se tocam com urgência.

Era sempre urgente, e eu não podia dizer que desgostava disso.

(...)

– Sério, Daryl, assim não dá! – reclamo, procurando minhas roupas pelo quarto. – Se você resolver sumir com meu sutiã toda vez que a gente se atracar em algum canto, vou ser obrigada a entrar em greve.

– Pare de falar bosta e veste esse treco de uma vez! – ele me joga a lingerie preta, enquanto vestia a calça jeans e as botas.

Reviro os olhos, jogando o cabelo para o lado como uma lady e terminando de colocar minhas roupas.

Daryl pega um galão que havíamos achado embaixo da cama, num momento extremamente intimo no chão da cabana, e vai em direção ao banheiro a passos pesados.

– Vou encher essa merda de uma vez e vamos dar logo o fora desse lugar. – diz, e ouço o som da torneira sendo ligada.

Começo a fuçar o barracão, pegando tudo que poderia ser útil e jogando na mochila sem muita cerimônia. Na situação em que estávamos, qualquer merda seria útil.

Puxo um lençol do baú, pensando se este ajudaria em alguma coisa quando o inverno resolvesse dar as caras. Ele se desenrola, fazendo com que quatro maços de notas de cem caiassem com um baque silencioso no assoalho de madeira.

Recolho as notas, jogando-as sobre a cama, sem conseguir ignorar os pensamentos filosóficos de sempre.

Era engraçado como todos os valores haviam se invertido quase que do nada. Antes era tudo sobre dinheiro, e agora todas aquelas notas verdes não passavam de um monte de papel velho e amassado.

Era quase simbólico ver a que ponto a humanidade precisou chegar para dar valor ao que realmente importava: a vida. Foi necessário uma quase extinção para que nós passássemos a nos importar com o próximo e, o que me deixava mais inconformada nisso tudo era que, mesmo assim, não havíamos aprendido totalmente. Os seres humanos ainda travavam guerras entre si, como se o maior inimigo não fosse os mortos.

– Vamos de uma vez. – Daryl diz, aparecendo com o galão em mãos e a machete presa pelo cinto em seu tronco. Ele a carregava desde aquele dia na estrada, mas eu simplesmente não conseguia deixar de sentir seu peso em meu quadril.

Ter aquele objeto comigo era como lembrar todas as coisas ruins que o apocalipse havia trazido, e todas as pessoas boas que ele havia levado embora. Era como celebrar a morte, e eu não queria passar o resto de minha vida celebrando-a.

Daryl caminha em direção a porta, dando uma última olhada em direção a cama, como se a permanência desta lá também celebrasse algo que não devia ser celebrado.

– Vamos queimar. – eu digo, antes mesmo de pensar sobre. Daryl me olha com as sobrancelhas arqueadas, parado em frente a porta do barracão, como se não entendesse o que eu dizia. – A cabana. Vamos queimá-la. Queimar essa cama fedida, a poltrona velha... Talvez isso tire um peso de nossos ombros... eu não sei.

Daryl fica em silêncio por um minuto, como se ponderasse a situação, pensasse os prós e contras. Era assim com a gente. Ele era a razão e eu a emoção. Ele pensava antes de agir e eu agia antes de pensar. Eu acelerava e ele freava.

Era algo meio quebra cabeças, onde uma peça completava a outra até o quebra cabeça ficar pronto. Talvez por isso nos déssemos tão bem, apesar das brigas e provocações. Nossa relação era no limite controle, era impetuosa, e do nada tudo parecia ser explosão. E nós dois gostávamos de explosão.

– Foda-se. – ele diz para si mesmo, colocando o galão no chão. - Vamos precisar das bebidas. - sorrio, feliz com a possibilidade de queimar alguma coisa.

Daryl pega o engradado de gim, me jogando um pote fechado com aquela delicadeza característica, e começamos o trabalho de despejar o conteúdo no barracão. Logo toda a cabana estava encharcada, fedendo mais que a boca do Macaulay Culkin e da Lindsay Lohan juntas.

Avisto os bolos de notas de cem sobre a cama, e me estico até elas.

– Vamos botar fogo nessa casinha, Daryl Dixon. – digo, me abanando com as notas.

Ele estreita os olhos para o dinheiro, dando um sorriso torto logo em seguida, sibilando algo sobre a vida ser uma espécie de puta irônica. Bem, eu não poderia discordar.

Saímos da cabana com nossas coisas a tiracolo, como se pudéssemos ser pegos cometendo um crime a qualquer momento. Sinto a adrenalina se misturar com o sangue, e é bom saber que aquela sensação não é por conta do perigo.

Daryl tira um isqueiro do bolso, acendendo os maços e olhando fixamente para casa. Eu pego a machete em seu cinto, dando uma última olhada atenta para o objeto. E é como uma despedida. De Terminus, de Red, de minha família. Me livrar daquilo seria um grande alívio, como se eu não precisasse mais carregar os mortos.

Jogo a machete em direção à cabana, e vejo Daryl fazer o mesmo com o primeiro maço de notas.

A casa começa a queimar aos poucos, e o fogo a tomar vida à medida que mais notas o alimentavam. Logo tudo não passava de um clarão avermelhado no dia quase amanhecendo, e era como se o sol tivesse descido um pouco mais em direção à terra.

Sinto a presença de Daryl ao meu lado, como se seu alívio fosse o suficiente para me aliviar também. Talvez fosse. Tudo que o atingia acabava rebatendo em mim, e era bom sentir todo aquele peso saindo de seus ombros. Daryl merecia mais do que aquela cabana velha cheia de gim.

Sorrio para a fumaça subindo ao céu e ergo meu braço, levantando o dedo do meio como um brinde.

– À puta irônica. – saúdo, olhando para Daryl. Ele balança a cabeça com o gesto infantil, mas acaba fazendo o mesmo.

– À puta irônica. – diz, erguendo o dedo.

Encosto minha cabeça em seu ombro, vendo o que restava da cabana queimar aos poucos. Junto dela, todas as merdas de nosso passado. Os abusos, os choros silenciosos e toda as humilhações.

Nós dois éramos mais do que aquilo. Mais que a cama da alcóolatra morta, e mais que a machete do amigo errante. Daryl Dixon era bom demais para continuar naquele passado que não era sua culpa. Ele era o último homem em pé, afinal de contas. Isso devia significar alguma coisa. E eu merecia mais do que as lembranças do inevitável.

A casa continua a queimar, as chamas alaranjadas tocando o céu, como se aqueles dois horizontes pudessem se fundir a qualquer momento. Logo todas aquelas lembranças não passariam de cinzas, e aquela cabana não passaria de um monte de madeira queimada e metal retorcido.

Abraço o tronco de Daryl, escondendo meu rosto em seu peito e sentindo seu braço contornar meu ombro. Ele beija o topo de minha cabeça demoradamente, como se aquilo lhe desse fôlego para seguir em frente, e logo se desvencilha, começando a caminhada em direção ao acampamento.


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Notas finais do capítulo

Um brinde à puta irônica.
Que ela continue destilando sobre nós todas suas ironias sádicas e veneno cruel... até que resolva nos empurrar diretamente para o outro lado da linha tênue.
O certo e o errado. A vida e a morte.
Que deixe queimar.

GENTE, MUITO SÉRIO!

(não tão sério assim) (só quis fazer um drama)

Gente boa, linda e sarada, tudo bem?
Eu queria falar umas coisinhas sobre o nosso (super hiper mega ultra power goxtosão) DD.
Eu estava conversando sobre o surto do Daryl com uma leitora super comentadora da fanfic, a CrystalHope, e quis compartilhar nossa linha de raciocínio sobre o comportamento dele com vocês. É uma coisa meio nessa vibe "estudo da mente", porque sou super fascinada nessas frescuras e, como vocês sabem, sempre acabo entrando em alguma brisa filosófica ou psicanalistíca (???)
Enfim, como muitos de nós sabemos, o primeiro contato de um homem com o sexo feminino é pela mãe, e é a natureza desse contato que vai dizer como ele irá se relacionar futuramente com as mulheres. A mãe de Daryl morreu cedo, nunca deu carinho ou apoio, logo, ele não sabe lidar com delicadeza ou com carinho vindos de uma mulher. Sendo assim, Thea é o primeiro contato amoroso de Daryl, e é ela que terá que ensiná-lo a lidar com uma "lady" hahahaha
(é aquele clichêzinho da bela e a fera, sabem?) (eu adoro de morrer)
Nas fanfics que eu leio, Daryl sempre é retratado como um cara explosivo, mas suuuper doce, entretanto, eu não acho que é bem assim... Daryl cresceu na violência, sempre usou dela para se defender. No capítulo 25, ele precisou se defender do medo que sentiu ao imaginar Thea machucada, e usou o único artifício que ele conhece: a violência, a luta. Por isso sua explosão, por isso toda aquela treta KBULOSA!

Quanto a esse capítulo, só tenho uma coisa a dizer: Thea tem isso de tentar entender todo mundo, de sentir demais. Talvez isso que a faça tão forte. Ela carrega não só os motivos dela, mas o dos outros também.

Espero que tenham gostado desse capítulo de hoje, é um dos meus preferidos!
Beijos de luzzzz (coreçãum)