A Única Inocência escrita por Laís Bohrer


Capítulo 1
Após o pôr-do-sol


Notas iniciais do capítulo

*Lay: Guris e guias, originalmente essa não é a ideia da história... Originalmente era baseada em mitologia, uma coisa nada haver. (Relaxa tia Liza, ainda vou escrevê-la). Aqui temos o que eu chamaria de biografia ficcional, se isso existe eu não sei, mas se não existe, acabei de inventar... Então agora existe.
Eu escrevi essa história e estou escrevendo sem parar, como se a ideia estivesse pronta na minha cabeça e eu só tivesse que colocar a comida no prato (Que? Eu to com fome.), mas não é assim. Se eu começar, não quero parar. Noah não cala a boca e a história parece dizer: "Me escreva, me escreva, ME ESCREVA!"

Talvez vocês entendam, talvez não.
O nome surgiu de um dos poemas de Alberto Caeiro, que você deve ter visto nas notas da história. Achei que combinava mais com essa ideia que estava sem nome.
Agora, boa leitura.



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CAPÍTULO UM

Após o pôr-do-sol

Era uma vez um garoto e este é seu conto de fadas.

Não importa o que este garoto fizesse, continuaria sendo para todo o sempre. E sobre aqueles fantasmas que ele acreditava ter despistado no caminho... Bem, estes ainda iriam voltar para assombrá-lo. Mas disso, Noah ainda iria descobrir por si mesmo.

Talvez você não tenha ouvido falar deste conto entre os demais contos de fadas, mas não se sinta mal afinal de contas ninguém conhecia essa história.

Mas voltando onde estávamos, era uma vez um jovem garoto chamado Noah, mas ninguém no bairro onde ele morava sabia o seu nome, até porque ele tinha títulos mais conhecidos como “cria do demônio”, “aquele pirralho...” e segue-se por ai. Ele tinha cabelos cor de palha que cresciam para todos os lados, dando um pouco de dor de cabeça para sua tia Agnes. Para a decepção de sua família, Noah não puxou os olhos claros azuis de sua mãe e nem os verdes de seu pai, mas os castanhos escuros do seu avô.

Tudo começa em mais uma bela tarde ensolarada em que logo após o almoço, sua tia Agnes o expulsara de casa, não dando escolha para Noah que conversava com uma árvore grande e majestosa que havia em frente a sua casa, no centro da pracinha. As outras crianças mantinham distância, afinal seus pais não iriam querer que pegassem qualquer que seja a doença que Noah tinha.

“Esses adultos tem tanta imaginação e ainda a usam de forma errada” exclamou sua tia Agnes quando Noah lhe contou o que diziam sobre ele. “Escute aqui, menino, não tem nada de errado com você... Quer dizer... Eu não estou vendo nada de errado exceto claro, aquela bagunça lá no quarto.”

Ah sim, tia Agnes era uma senhora muito impaciente por vezes, mas Noah gostava dela mesmo quando dava um leve soco em sua cabeça – pelo menos, ela dizia ser o soco leve – quando ele aprontava alguma coisa.

Naquele dia, Noah pegava no chão uma pedra e começava a rabiscar o tronco da árvore. Dois olhos redondos e uma boca curvada em um sorriso. O jovem garoto desconhecido ficou tão feliz, era a primeira vez que alguma coisa sorria para ele. Os cachorros latiam para ele, os gatos miavam para ele e os insetos o atacavam sem nenhum motivo.

- Olá - ele disse para a árvore.

A árvore não respondeu, apenas continuou a sorrir.

Noah sorriu de volta.

- Você tem um nome? - perguntou o garoto.

Novamente, a árvore permaneceu a sorrir, mas não fazia nada, além disso.

No entanto Noah não se irritou, apenas sorriu mais ainda.

As pessoas que passavam pelo local davam olhares nada discretos e murmuravam por trás de suas mãos. Alguns tampavam o ouvido de suas crianças.

- Então, acho que vou te chamar de... - ele parou pensativo até que ele estalou os dedos, seus olhos se iluminaram. - Elvis! Eu ouvi minha tia falando que Elvis é um rei... Espero que ele não me jogue no calabouço por isso.

Noah ficou olhando para os olhos da árvore e então sorriu de orelha a orelha.

- Está decidido! Seu nome é Elvis! Você gosta? – perguntou.

A árvore sorriu, Noah se alegrou, pois em seu ponto de vista, a árvore parecia extremamente feliz com seu novo nome. Noah olhou para o alto, as folhas verdes formavam um enorme guarda-chuva que o protegia dos fortes raios solares daquele dia.

Noah ficou vermelho como um tomate

- Uau... - ele murmurou. - Obrigado, Elvis!

Com um aperto na garganta, o garoto desconhecido sentia-se emocionado e então abraçou a árvore calorosamente. Era a primeira vez que alguém lhe fazia uma gentileza daquelas, tão simples, mas mesmo assim significava muito para aquela inocente criança.

Nem mesmo sua tia Agnes conseguia ser gentil como aquela árvore.

Os dias passaram-se, as férias de verão pareciam durar uma eternidade e Noah deus graças a Deus por isso. Odiava aquela professora maluca que o fazia dar várias flexões durante a educação física enquanto todos corriam para um lado e para o outro brincando de bola... Ou aquela outra, a senhorita Tyler que parecia realmente odiar o garoto, sempre o deixando em um canto da sala de castigo e arranjando qualquer desculpa para deixa-lo lá durante a aula inteira. Ou o fazendo preencher três folhas com “crianças levadas ficam de castigo” frente e verso.

A senhorita Tyler estava sempre o comparando com o prodígio da turma, Ryan Cross, que naquele ano Noah o havia declarado como seu rival.

- Aquele Cross... Ele está sempre chamando atenção de todo mundo - desabafava o garoto desconhecido para Elvis, a árvore. – Espere só, Elvis, espere só até eu ficar mais alto que ele! Vou quebra-lo! Sim, vou sim!

- Hum... - alguém disse.

Noah parou de desenhar na areia com seu graveto quebrado e olhou ao redor. Seu uniforme escolar estava muito sujo de areia, mas o garoto não se importava e tia Agnes já estava acostumada... Desde que Noah se lavasse com a água do poço antes de por os pés na sua “casa limpinha” como ela dizia.

A sombra de uma menina uniu-se a sombra da árvore. Noah olhou para ela irritado:

- QUE FOI AGORA? - ele gritou na cara da menina.

Estava esperando por um sermão, então fez um bico e virou o rosto para o lado.

A menina apenas o observou curiosamente. Ela tinha olhos azuis como o céu em uma tarde limpa como aquela, era um pouco maior que Noah, tinha cabelos que iam até abaixo de seus ombros, eram encaracolados e claros, quase chegando a um branco puro. Seu rosto era em formato de coração e suas bochechas eram um pouco cheias e rosadas.

- Com quem você estava falando? - perguntou ela timidamente, com as mãos diante do corpo.

Noah arriscou olhar para ela.

- Estou... Estou conversando, não está percebendo? - ele disse. - E é muito feio se intrometer na conversa dos outros!

Ela olhou ao redor.

- Mas não estou vendo ninguém além de você por aqui - ela falou baixo.

O garoto desconhecido a encarou, chocado enquanto a garota desconhecida olhava para o rosto desenhado na árvore. Logo abaixo havia uma assinatura em uma letra tremida: Elvis, mas náo é o rei.

A menina deu uma curta risada com a substituição do til pelo acento agudo.

- Qual é a sua? - Noah se levantou, zangado. - Se veio aqui para rir, aviso que não sou um palhaço! Então meta o pé antes que eu te quebre! - Ele mostrou o punho para ela.

Ao contrário do que se esperava ela não se assustou ou mesmo se sentiu ofendida com a ameaça. Ela se agachou e pegou uma pedra no chão, corrigindo o erro.

- Ei! - Noah empurrou a garota para o lado. - Elvis! Você está... Bem?

- O que foi? - perguntou a menina gentilmente.

Noah olhou estranhado para a árvore.

- É que... Você o atacou e ele está sorrindo ainda assim...

A menina riu.

- Claro que ele está sorrindo, seu bobão! - ela apontou para a assinatura. - A palavra ‘não’ se escreve com um ‘macarrão’ em cima. Está vendo?

Noah meditou por um longo segundo, cruzando os braços. Aquilo era estranho, alguém ser tão gentil quando ele havia errado alguma coisa. Se fosse a Srta. Tyler ou seus outros colegas de classe, já o teriam o xingado de burro e rido dele.

- Obrigado - ele murmurou. - O Elvis que disse isso, não eu.

A garota olhou docemente para ele e por fim sorriu novamente.

O garoto olhou surpreso para ela e por fim sentiu um pouco de esperança, afinal de contas nem mesmo Elvis tinha sorriso daquele jeito para ele antes.

Outras partes do seu passado são comuns, mas todas eram sonhos realizados perfeitamente pelo destino. Pelo menos era assim na visão de Noah, apesar dele não saber como descrever a sensação. Depois do almoço ele passava por uma estreita trilha que levava ao portão de grades pintadas de um verde escuro. Dava boa tarde para as plantas de sua tia no jardim e depois passava pelos portões.

Ele fazia como sempre ouvia os pais dizerem para seus filhos: “Olhe para os dois lados antes de atravessar a rua para ter certeza de que não está vindo nenhum carro.”. Noah se inclinava sobre a rua, com os pés unidos na beirada da calçada. Virava a cabeça para a direita e depois para a esquerda para por fim correr até a pracinha onde a grande árvore lhe esperava sempre com o mesmo grande sorriso.

Às vezes a garota desconhecida estava ali, outras vezes ela se atrasava, mas depois de conhecê-la ela nunca deixou de ir. Exceto nos sábados e nos domingos. Eles subiam em Elvis, a árvore, nos galhos mais baixos e algumas vezes caiam, mas sempre rindo.

- Isso não é justo - dizia a menina olhando para o joelho ralado, os olhos cheios de água - Eu sempre caio primeiro.

- Bobona do jeito que é - riu o menino. Ele tinha alguns cortes no rosto e seus cotovelos sangravam, mas ele não parecia ligar.

A garota desconhecida deu um leve empurrão no garoto enquanto estavam no chão. Ele riu e levantou-se para assim oferecer sua mão para a menina.

- Bobona e chata. - ele mostrou a língua. – Como seus pais te aguentam?

Ela fez um enorme bico, mas não chorou e nem olhou para Noah com ódio.

Ela fungou e limpou as lágrimas de dor antes de segurar firmemente a mão de Noah que a puxou para cima.

Os dias eram sempre assim, até que ao pôr-do-sol a menina se despedia com um beijo na bochecha de Noah – este limpava o rosto com a mão e fazia uma cara de nojo, arrancando risos da menina. Então ela ia embora e Noah ficava observando até ela dar as mãos a um casal de adultos e desaparecer.

Para quem sempre esteve sozinho, ao perder alguém, finalmente percebe o quão ruim é esse sentimento de solidão. Noah descobria isso toda vez que a garota desconhecida ia embora.

Pela primeira vez, o garoto desconhecido descobriu como era ser conhecido por alguém e foi ai que ele havia percebido que ainda não sabia o nome da sua nova amiga... Que ironia, o pequeno Noah tinha uma amiga. Aquele garotinho que sempre achara as meninas nojentas...

- Será que ela é uma árvore, Elvis? – ele perguntou para a árvore quando estava sozinho. – Árvores são mais legais que as pessoas.

Uma vez, Noah colocou chiclete no cabelo da menina mais popular da sala. Todos queriam brincar com ela. Ah, Noah deu boas risadas no fim daquele dia. O nome dela era Amber Bagot e adorava implicar com as crianças de um orfanato ali perto que também brincavam na praça. Um dia, Amber resolveu implicar com Noah, mas este se vingou no dia seguinte.

Este dia ele estava mascando chiclete e então a senhorita Tyler ordenou:

- Andersen - ela bateu no quadro. - O chiclete.

- Desculpe-me, professora - ele disse. - Mas só tinha esse.

Ele pode jurar ter visto uma veia saltar na testa da mulher enquanto seus colegas de classe abafavam as risadas.

- O chiclete na sua boca - ela enfatizou. - Coloque-o no lixo, agora.

O menino se ergueu da carteira com um mínimo sorriso malicioso. Com a mão, pegou o chiclete mascado e o pressionou bem na cabeça de Amber. Recebeu uma suspenção, mas até tia Agnes havia segurado a risada enquanto puxava o sobrinho pela orelha.

- Eu fiz algo ruim? - ele perguntou depois.

Tia Agnes riu de leve.

- Algumas pessoas não toleram o troco que recebem, Noah - dizia ela enquanto tricotava um suéter de lã azul. - Analise sua própria situação antes de fazer qualquer coisa, certo?

- Certo - respondeu, mesmo sem entender o que a senhora queria dizer.

As lembranças de Noah se interromperam assim que o céu começou a escurecer, ele soube que estava na hora do jantar. Naquela noite ele dormiu ansioso para o dia seguinte, como havia sido desde que conheceu aquela garota.

Tentou se lembrar de seu rosto na sala de aula, mas ele mal se lembrava do rosto de qualquer um, exceto seu rival, Ryan Cross e claro, a face desesperada de Amber Bagot enquanto tentava desgrudar o chiclete de seu cabelo – o que apenas piorou ainda mais a situação.

Os próximos dias foram tão divertidos para Noah que nem se importava mais se sabia o nome da sua amiga ou não e vice e versa.

Antes que a garota tentasse subir nos galhos de Elvis em um desses dias, Noah pediu para que ela esperasse embaixo da árvore e então o garoto correu até o carrinho do sorvete e quando voltou, tinha dois picolés de chocolate, um em cada mão. A garota agradeceu, o rosto vermelho como um tomate.

- É o meu favorito. – ela disse sem olhar para ele.

Noah passou a mão pelos cabelos cor de palha e rebeldes.

- Bem, eu não sabia do que você gostava – disse ele. – Mas o tio do sorvete disse que as mulheres eram loucas por chocolate... Eu não entendi muito bem, mas acabei levando o mesmo sabor que eu gosto.

A albina não conseguiu evitar, abriu um sorriso tranquilo. Uma brisa atingia os dois amigos, jogando seus cabelos para trás e trazendo o cheiro de eucalipto das árvore que haviam perto dali.

Quando terminaram os picolés, a garota desconhecida se levantou batendo a terra de seu vestido azul rodado e azul. Ela se apoiou nos joelhos para falar com Noah que a olhava curioso.

- Vamos embora juntos. – ela disse.

Noah olhou para o céu, realmente estava na hora de ir. O sol começava a se por dando ao firmamento uma coloração laranja.

- Tudo bem – ele sorriu.

As crianças desconhecidas deram as mãos enquanto atravessavam a rua para a casa da Tia Agnes, eles pararam no portão. A menina despediu-se com um beijo na bochecha, típico, mas dessa vez Noah não fez cara de nojo ou espantou o beijo.

Ele observava enquanto a menina voltava à praça, correndo na direção oposta a da praça e desaparecendo na distância com seus pais.

E mais uma vez ele não perguntou o seu nome.

Noah Andersen se considerava sortudo, mas algo mudaria após aquele dia.

Em mais uma noite, ele pensava no rosto dela e o quanto estava ansioso para vê-lo no dia seguinte. Mas nunca teria pensado nisso se soubesse o que o destino havia lhe guardada para este dia.

O garoto desconhecido comeu o mais rápido que podia, arrancando sermões da tia Agnes que dizia que ele iria passar mal se continuasse comendo daquele jeito. Noah não lhe deu ouvidos e tia Agnes suspirou:

- Você parece uma reencarnação do seu avô.

Então, Noah saiu correndo pela porta da frente, para assim percorrer a mesma trilha até a praça onde a majestosa árvore, Elvis, sorria.

Outras crianças corriam pela praça, algumas atrás de uma grande bola azul e laranja. Duas meninas riam no balanço, empurradas pelos pais enquanto exclamavam: “Mais alto! Mais alto!”. Noah conhecia a maioria daquelas crianças da escola.

Em uma quadra um pouco mais distante, um grupo de veteranos jogava basquete de rua. O garoto desconhecido lembrava uma vez de eles o deixarem jogar com eles, já que Noah adorava qualquer coisa que se relacionava com bola, principalmente basquete. Mas apenas um dos garotos realmente o queria lá, ele notara, talvez por pena, mas Noah não se importava de verdade.

Ignorando os habituais comentários e cochichos direcionados para ele, Noah alcançou a grande árvore, apoiando-se em seus joelhos ofegante enquanto tentava recuperar o ar que havia perdido no caminho.

- Boa tarde, Elvis – ele sorriu.

Como esperado, Elvis sorriu de volta.

Noah ficou um bom tempo ali sentado à sombra aconchegante da árvore. Sob o manto da natureza, sentia-se protegido da chamada humanidade. Ele pegou um graveto do chão e começou a desenhar na terra. Tentou desenhar o rosto da garota desconhecida, não havia ficado muito parecido... A cabeça dela não era tão redonda e nem os braços eram tão finos.

- O que você está fazendo ai? – ela surgiu em sua frente.

O garoto travou encarando os olhos azuis dela e então pisou na sua obra de arte, esfregando seu pé descalço.

Sua tia Agnes sempre o lembrava de não sair de casa com os pés descalços, mas Noah estava tão animado naquele dia que nem dera ouvidos, esquecendo-se de seus chinelos.

- Nada! – ele exclamou. – Você... Você demorou.

A albina riu quando o garoto virou o rosto para o lado, fazendo um enorme bico como sempre quando estava envergonhado ou emburrado.

- Mesmo? – disse ela. – Acho que você chegou cedo demais.

- Sério? – Noah disse, então começou a coçar a cabeça, tentando disfarçar o nervosismo.

Era estranho, não se sentia assim perto dela antes, mas Noah não admitia estar com medo de uma menina.

- Mas se você está sentindo isso... – ela parou pensativa. – Quer dizer que estava sentindo minha falta.

O silêncio era interrompido apenas pelas risadas de fundo e o farfalhar das folhas acima deles. Se Noah se concentrasse em seus olhos, poderia esquecer que havia outras pessoas ali. Se elas simplesmente sumissem não faria diferença. Era como se houvesse apenas ela, ele e claro... Elvis.

- Hã?

A garota desconhecida sentou-se ao seu lado. Noah ainda não estava entendendo.

- HÃÃÃ? – repetiu ele, afastando-se repentinamente dela, com o horror em sua face. – E-Eu... Não estava! Na verdade, você pode ir embora que eu nem vou ligar...

Novamente, ele fez um enorme bico e então ela soube que ele estava mentindo.

- Oh, sério? – perguntou. – Então acho que vou ficar por causa disso.

- Pois então, fique! – ele exclamou cruzando os braços. – Problema é seu.

Eles se entreolharam e ficaram assim por alguns segundos, fuzilando um ao outro com os olhos. Era uma batalha de olhares faiscantes, até claro... Ambos começarem a rir. Noah se jogou para trás, batendo as pernas e braços enquanto a garota se limitou a dar uma risada exagerada e segurar a barriga.

Não foi um dia diferente até ai. Eles subiram nos grossos galhos da árvore. Claramente, Noah tinha mais habilidade ao fazer isso. Ele se movia tão rapidamente quanto um esquilo e equilibrava-se como um pássaro ao pousar. Seus olhos não se enchiam de água quando caia diferente da garota desconhecida.

Ela se movia de um modo mais lento e delicado, parecendo pensar muito no próximo galho a se subir. Não arriscava subir muito alto, não tanto quanto Noah que parecia mais um macaco balançando-se. Há algum tempo havia deixado de ser estranho conversar com uma árvore e um menino estranho. Na verdade, ela achava mais divertido brincar com ele e uma árvore do que brincar de boneca e casinha com suas primas.

O problema era que mesmo com medo, ela sempre tentava alcançar Noah nos galhos altos e às vezes vencia um limite posto por ela mesma. Não ligava pros arranhões que levava, apesar de chorar silenciosamente pela dor. Queria ser forte como Noah. Queria ser livre como Noah.

E queria poder esquecer-se daquele dia, como Noah fez.

Foi rápido demais.

O sol estava prestes a se por e Noah havia desaparecido de sua vista. Ela estava muito alto já. Agarrada ao tronco da árvore, a garota pensava em um jeito de se livrar daquela evitando graves acidentes, mas foi inevitável.

Se ao menos ela não tivesse sido tão teimosa... Talvez... Se tivesse mantido a calma.

Sentiu alguém segurar em seu ombro e uma voz atrás de si exclamou:

- BÚÚÚ!

Ela gritou. Noah riu, mas ao ver a expressão dela ele viu o que tinha feito.

Se ao menos ele não tivesse decidido fazer aquela brincadeira... Talvez...

Sim, sua vida se tornou uma estrada repleta de vários “Talvez”. Ele tentou segurar a pequena mão dela que agarrava inutilmente o ar, mas seus dedos roçaram e ele havia a perdido.

A garota desconhecida caiu e levou para longe as esperanças de Noah Andersen.

O pôr do sol havia chegado, quando Noah desceu rapidamente, estava cheio de arranhões, mas desejou ter caído no lugar dela. A garota estava com o pescoço deitado em uma pedra. Uma poça de sangue se formava ao seu redor. Sangue escorria de sua cabeça. Antes que Noah pudesse tocá-la, uma pessoa a alcançou antes dele.

Uma mulher de cabelos albinos e olhos cinzentos tempestuosos, seu rosto tinha muitas rugas e sardas revestiam suas bochechas. Seus olhos perfeitamente redondos estavam arregalados. Ela disse alguma coisa, talvez o nome da garota, mas Noah não conseguia ouvir. Era como se ele estivesse muito distante naquele momento. Ficou então parado, vendo o desenrolar da cena, espantado e preocupado.

Dentro dele, o sentimento de culpa começara a crescer.

- Filha... – chamou a mulher.

Logo, estava um homem ao seu lado. Ele tinha olhos azuis e o cabelo era escuro e penteado para trás.

O casal olhou para o garoto e Noah sentiu como se algo o perfurasse.

- Você a matou! – a mulher gritou com a voz rouca e cheia de ódio – Você matou minha filha!

- Querida, ela apenas desmaiou – o homem ao seu lado tentou acalmá-la.

- Seu monstrinho miserável – ela cuspiu as palavras.

Noah deu um passo, mas recuou com o próximo grito dela:

- Fique longe da minha filha!

- Eu não... – Noah começou a dizer.

Sua voz foi interrompida por uma sequência de tosses. A garota desconhecida segurava fortemente o pulso da mãe. Lágrimas caiam de seus olhos. Uma roda de pessoas se formou ao redor deles e Noah se sentiu o mais solitário possível.

Ele não fez de propósito... Quer dizer... Por um ponto de vista, ele havia feito, mas sua intenção não era ir tão longe. A culpa era dele. Ele machucou uma amiga. Sua primeira amiga.

Talvez ele realmente fosse um “monstrinho miserável”.

- Não, mãe... – a garota desconhecida disse com a voz fraca. – Eu caí, ele tentou... Me...

- Te matar, eu sei! – a mulher interrompeu. – Eu vi essa coisa... Eu avisei a você, eu avisei... Porque não podia simplesmente me ouvir?

Não era isso que ela ia falar. Pensou Noah.

A albina mais nova estava tentando defende-lo... Mas por quê? Não havia sentido naquela ideia, mas era o que estava acontecendo.

- Noah! – a voz da tia Agnes soou atrás dele e alguém segurou em seu pulso. – Você...

Não, eu não queria isso. Ele pensava.

Não sabia quanto tempo havia se passado, mas a garota desconhecida não se moveu mais. Logo, uma ambulância havia chegado. E a voz de sua tia o alcançara.

Noah esperava que ela começasse a gritar com ele e puxasse sua orelha, mas ela apenas disse:

- Vamos para casa, estão todos olhando pra você.

Ele preferia que ela tivesse gritado com ele.

E realmente, todos estavam olhando para ele, murmurando coisas e apontando acusadoramente. Alguns eram mais ousados e jogavam coisas na sua direção, uma pedra o atingiu no braço e uma lata o acertou no joelho. Tia Agnes tampou os ouvidos do sobrinho, xingou os demais, mas ele conseguia ouvir:

- Monstro!

- Morra logo, sua besta.

- O que a garotinha fez pra você?

O pôr do sol terminou e tia Agnes o arrastou para casa. Uma lágrima rolou pelo rosto do garoto, mas ele não soltou nenhum pio. Ficou de cabeça abaixada logo atrás da tia. Até mesmo Elvis riu dele. Até mesmo Elvis o traíra.

Noah estava decepcionado consigo mesmo, mais do que nunca.

Não havia conhecido seus pais, mas era grato a eles por estar vivo e por seu sacrifício. Ele era grato à tia Agnes que o acolhera. Não tinha motivos para ficar triste. As coisas que falavam dele não o atingiam porque ele sabia que nada daquilo era verdade, mas naquele pôr-do-sol percebeu que estivera se enganando durante todo esse tempo.

E os últimos dias que passara sorrindo ao lado da garota desconhecida, como um sonho, essas lembranças sumiram ao pôr-do-sol como na hora e ir embora e aguardar o dia seguinte, mas dessa vez ele não iria esperar. Essas lembranças desapareceram no ar e ele as deixou ir. Ele culpou-se, ainda não sabia o nome daquela amiga preciosa que perdera para aquele maldito pôr-do-sol.

Nunca saberia.


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Notas finais do capítulo


E ai eu resolvo postar a história e empaco no capítulo cinco...
Espero que isso não aconteça... De novo.
Dez páginas e 4.060 palavras (Sim, eu contei RÇRÇRÇRÇ... Tá, o word contou pra mim).
Prosseguindo, uma boa parte da música de base para a história está ai... Comecei bem clichê com um "Era uma vez...", mas eu acho o clichê tão legal que não resisti.
Ah, agradecimento para Liza S V, sempre a primeira a ler ¬¬" Desculpa onee-san, mas vou postar aqui logo.
Estou escrevendo o capítulo três (quase pronto), mas vou ser um pouco teimosa e postar o capítulo dois um pouco depois.

Ah, já ia me esquecendo: Oi, eu sou Lay Silva, viajante literária, prazer em conhecer você, pegue sua serra de cortar pão na saída ^^ (Disponível nas cores vermelho, azul, amarelo e tradicional preto.) e uma cartela de adesivos do My Little Poney de brinde u____u

Acho que é só isso, agora você pode ir u_____u
Tchau e Beijos Azuis :3

— Lay S. Almeida



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