Gelo e Calor, Negação e Atração escrita por Blue Butterfly


Capítulo 9
IX




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Angela corre na direção da menina tão rápida quanto a velocidade da luz. Me sinto assustada, apavorada. O que aconteceu com essa menina agora? A notícia de ela ter um tipo de câncer, o tipo que causa dores nos ossos, cabeça, sangramentos... Olho para a ela com um novo olhar: ela é frágil. Tenho medo que venha a se quebrar, de que sofra mais por conta da falta de tratamento que, em menos de uma hora, já parece estar fazendo falta.

Sei que estou paralisada. Angela fala com ela em voz baixa, provavelmente não querendo causar uma comoção entre as pessoas. Ela lança um olhar para mim e acena com a mão. Me chamando. Eu movo meus pés até ela e me ajoelho no chão - eu nem sinto que estou fazendo isso.

'O que aconteceu?' Minha voz sai falhada, rouca. O sangue. Não consigo deixar de olhar o sangue.

'Não é dela.' Angela me diz e eu franzo as sobrancelhas. Não é dela?

'Perdão, o quê?' Eu pareço uma idiota.

'Esse sangue não é dela. É de Maura. Tire Brenda daqui, Jane. Preciso examinar ela.' Ela aponta para a médica desacordada.

'Eu... Ok.' Eu dou um jeito de colocar a menina nos meus braços - ela não é pesada. Me levanto e a levo até a cozinha. Tommy está sentado no sofá e me acompanha com o olhar, e embora ele nunca leve nada a sério, ele se ajeita com a coluna reta, olhos preocupados em mim. Deposito a menina na pia. Preciso limpar esse sangue da mão dela. Preciso mantê-la aquecida. Eu balanço minha mão para Tommy e ele se levanta, e prestativo o suficiente, traz uma coberta com ele.

'Me ajuda aqui.' Eu digo enquanto ele balança a cabeça. Aponto para Brenda e ele coloca a coberta nos ombros dela, oferece um sorriso.

'E aí? Eu sou o Tommy.' Ele sorri mostrando os dentes.

'Oi. Eu sou a Brenda.' Ela abana a mão, e depois dá de ombros. 'Eu apertaria a sua, mas...'

'Sem problemas.' Ele levanta as dele para dizer que tudo bem.

Eu abro a torneira da pia e experimento a água. Não está tão fria. Provavelmente a casa tem um sistema de aquecedores. Eu tomo a mão ensanguentada da menina nas minhas. Começo o processo de limpeza. A pele dela é clara, tão branca como a neve, e parece tão sensível. Preciso de alguns minutos até limpar todo aquele sangue. Quando termino eu fecho a torneira e pego o guardanapo mais próximo, mas quem seca as mãos é ela própria. Ela sorri para mim como se dissesse 'eu não sou quebrável'. É claro que não é. Eu sei que não é, de alguma forma eu sei. Os olhos maduros e amigáveis seguram meu olhar, e ela coloca o pano sobre a pia e respira fundo.

'Essa noite está sendo um problema.' Ela diz pensativa e, não sei porque, eu começo a rir. Talvez seja de desespero, acho que é porque um simples comentário como esse não parece ser capaz de definir essa noite como um todo.

'Você pode apostar.' Eu digo quando diminuo a risada.

Ela ergue a cabeça para espiar Angela e Maura. O olhar preocupado, mas controlado, recaí sobre mim. Ela não diz nada, então sou eu quem falo primeiro.

'Angela vai cuidar dela. Ela vai ficar bem.'

'Ela vai.' Ela diz mesmo não parecendo muito certa disso.

Silêncio de novo. Eu não sei mais o que dizer para ela. Eu não a conheço, não sei de sua história, não sei absolutamente nada sobre ela, a não ser seu nome e o de sua doença. O resto é um mistério. Não quero ser intrometida. 'Tommy, você pode levá-la para o sofá?' Eu me ajeito nos meus pés e não a encaro. Eu sei o tipo de olhar que ela está me lançando - eu não quebro.

'Deixa comigo.' Ele pega a menina com facilidade, e ao contrário de mim ele não parece se importar nem um pouco com o estado crítico dela. Pelo menos ele não mostra isso. Percebo que há uma probabilidade de ele ser mais sensível do que eu, e ter notado o incômodo dela de ser tratada como doente. Minha bochecha queima de vergonha. Eu respiro frustrada e reviro os olhos. Que belo começo, Rizzoli.

Eu balanço a cabeça me xingando internamente enquanto faço meu caminho até Angela. Paro ao lado dela e me ajoelho, e a cena que vejo me dá um nó no estômago. Ela levantou a blusa da médica até a metade da barriga, e na lateral tem um corte de mais ou menos um palmo. Merda, o que aconteceu com ela?

'Angela?' Eu chamo, minha voz treme.

'É apenas um corte, não é sério. Não foi fundo o suficiente para pontos, mas poderia ser fatal.' Ela diz enquanto pressiona uma gaze em cima da ferida para secar o local ao redor. A roupa preta está ensopada de sangue. 'O corpo estava gelado demais para a circulação correr normalmente, o que diminuiu o fluxo. Agora que o corpo está se esquentando novamente, a circulação está voltando ao normal. Ela teria sangrado até a morte se não fosse descoberto a tempo.'

Ela ergue os olhos para mim significativamente. 'Alguém fez isso com ela.' É o que a policial em mim diz.

'Certamente.'

Eu balanço a cabeça. 'Quem e porquê?'

'Como eu poderia saber, Jane?' Ela balança a cabeça tristemente e agora passa a gaze novamente sobre o corte, só que agora com uma solução que deve ser, imagino, para desinfetar a ferida. Uma expressão de dor corre pelo rosto da mulher, mas ela não acorda.

'As pessoas perderam a cabeça, Angela. Eu não tô dizendo que é um ato para se passar despercebido, mas... Olha nossa situação.'

'Pavor não é desculpa para cortar alguém.' Ela diz duramente.

'É claro que não!' Eu rebato. Eu nunca disse aquilo. 'Só quero dizer que numa noite como essa, as coisas ficam ainda mais borradas.'

'Jane', ela me corta, 'nós precisamos tirá-la dessa roupa suja de sangue. Vou fazer um curativo e preciso de roupas limpas, para diminuir o risco de uma infecção. Você entende?'

'Certo, claro.' Agora o foco é outro.

'Pegue quantas blusas achar necessário e venha me ajudar a trocá-la.'

Aí está, a primeira missão fácil da noite. Percorro pela casa toda a procura de roupas. Consigo quantro blusas que considero adequadas para o tamanho da mulher. Elas são grossas e quentes, com botões na frente, o que imagino que facilita na troca do curativo. O último casaco é a melhor descoberta de todas e me sinto orgulhosa por tê-lo encontrado no fundo de um dos armários. Isso vai mantê-la aquecida. Salva. Eu corro de volta até Angela e agora o resto da missão é um tanto quanto mais complicada.

'Preciso de sua ajuda aqui também. E um pouco de delicadeza.' Ela ergue uma sobrancelha em advertência. Eu viro os olhos.

'Eu posso ser delicada.' Eu resmungo. Angela não parece convencida, mas sou eu ou ninguém mais.

'Ok. Primeiro preciso cortar aqui.' Ela pega a tesoura e corta toda a roupa da mulher: a parte da frente na vertical e depois as mangas. Ela corta a segunda blusa. Quando termina ela afasta o tecido com as mãos e agora o peito e barriga da médica estão expostos. Entendo a razão: seria difícil demais tirar e colocar roupas nela. Para que preservar aquelas pelas sujar de qualquer jeito? Angela rapidamente coloca as quatro mangas da blusa do braço direito da mulher. Ela tem prática, deve fazer isso o tempo todo no hospital.

'Jane, agora é sua parte. Levante-a com cuidado, especialmente com a cabeça.'

Eu tento. Levanto as costas da mulher e seguro em baixo de seus braços. É complicado, mas Angela consegue passar as blusas pelas costas e colocar o braço esquerdo dentro das mangas assim mesmo. Ela acena com a cabeça e cuidadosamente deito a mulher de novo no chão.

'Acha que eu seria uma boa enfermeira?' Eu pergunto em provocação, e ela me lança um olhar afiado.

'Se é verdade o que dizem que médicos são os piores pacientes... você seria maravilhosa.' Ela me provoca de volta e eu faço uma cara de ofendida.

Jogo o casaco quente em cima da loira e depois a cubro com as cobertas novamente.

'Fizemos nossa parte, Jane. Agora só precisamos esperar que ela acorde.'

'Assim ela pode nos contar o que aconteceu.'

Angela dá de ombros. 'É, ela pode.' Ela olha para Brenda no sofá. 'Melhor trazer a menina para cá de novo. Maura vai ficar tranquila ao saber que ela está ao seu lado.'

'Angela', eu digo em voz baixa, um pouco envergonhada por estar especulando, 'essa mulher é a mãe dela?' Eu mordo o lábio.

Ela parece hesitar por um minuto e depois nega com a cabeça. 'Não. Não é.' E é tudo o que ela diz. Eu fico de certa forma aliviada, porque imagino o quão assustador seria para ela ver a mãe num estado assim. Angela se levanta e se dirige ao sofá. Eu continuo encarando a mulher loira ali, criando teorias sobre como elas foram deixadas para trás, sobre como ela foi machucada.

Ela parece mais viva agora sob o calor das roupas e cobertas. Os lábios são vermelhos, a pele ainda branca. Decido que vou ficar por perto esta noite - apenas por garantia. Alguém precisa ficar acordado, então eu me sento no próximo colchão. O vento continua batendo forte lá fora. Tommy devolve a menina no lugar que estava e ela se curva sob as cobertas e estuda Maura, depois a mim.

Eu sorrio e balanço a cabeça.

'Ela vai precisar de alguém.' Ela me conta em confidência. Minhas sobrancelhas se franzem - do que ela está falando? A confusão deve estar estampada no meu rosto, porque... 'Quando eu me for.'

Um arrepio corre pelas minhas costas. Essa menina diz coisas sombrias demais para mim.


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