Gelo e Calor, Negação e Atração escrita por Blue Butterfly


Capítulo 8
VIII




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Uma hora havia se passado desde que chegamos do hospital. Angela não dissera muitas palavras a respeito da loira. Não dissera nem mesmo seu nome. Ela se retirou logo em seguida, carregando a sacola com o que precisava para tratar dos ferimentos da outra mulher. Aquecida o suficiente, me levantei e ajudei Brenda a se deitar num colchão perto de onde estávamos. Agora observo Frankie ajeitar a mulher no mesmo colchão onde a menina está. Ela se rola para o lado e estuda a loira. Em seguida encosta os dedos no rosto dela para medir a temperatura. Eu não a conheço, mas pelo pouco que vi posso dizer que ela é educada. Fofa. Deve ser no mínimo agradável passar algumas horas com ela. Me pergunto porque ela estava internada no hospital. Ela parece tão nova e tão madura ao mesmo tempo. É isso que quero perguntar para Angela. E quero saber também quem é aquela mulher. A mãe dela? A responsável?

Eu suspiro e dobro os braços em frente ao peito. Angela está costurando os últimos pontos no braço da mulher. Eu desvio o olhar. Ainda bem que encontrei anestésico naquela sala. Não quero pensar como seria... Caramba. Pontos sem anestesia. Não.

Corro meus olhos pelo lugar e noto que algumas pessoas estão dormindo. Outras estão encolhidas e conversando realmente baixo, encostadas uma nas outras. A noite vai ser longa. Me pergunto como será amanhã. O que iremos fazer? O que iremos comer? É claro que deve ter comida de sobra nessa casa e nas outras. Mas como vamos sobreviver a isso? E por quanto tempo? Eu pego o celular do meu bolso, e não é como se eu não tivesse pensado em fazer uma ligação antes, mas o sinal já estava péssimo antes mesmo de sairmos. E até esse momento, sobrevivência tinha sido uma questão mais importante do que uma ligação. Prefiro ser encontrada viva, do que ter tentado todos os meios e conseguido ligar, apenas para morrer em seguida. Não.

Nenhum sinal.

Droga.

Amanhã. Estou apostando no amanhã.

'Angela.' Eu digo quando coloco o celular no meu bolso de novo. A mulher faz um sinal para que eu a siga até a cozinha que é longe o suficiente do ouvido de todos. Ela joga o lixo hospitalar em uma sacola e me encara.

'Aquela menina, Jane. Ela deveria ter saído.' A voz é dura. Firme. Parece até magoada.

'Quem é ela?' Eu pergunto desorientada. Não tenho idéia do que Angela está falando.

'Não é quem. É por quê.'

Eu pisco os olhos esperando a explicação.

'Essa menina... Você não tem idéia do que aquela médica tem feito para mantê-la viva.' Ela aponta discretamente o dedo para a loira.

Médica, ela é uma médica.

'E agora ela foi deixada aqui. Eu me pergunto como, porque, diabos!, ela deveria ter sido a primeira. Me atrasei para me certificar de que ela sairia também.'

'Eu não sei, eu...'

'Se você não tivesse ido lá... Elas teriam morrido.' Ela disse balançando a cabeça, se lamentando por algo que não havia acontecido.

'Vai ficar tudo bem, Angela.' Eu tento acalmá-la. Nunca a vi tão nervosa quanto agora.

'Não vai ficar, Jane. Essa menina precisa de todo cuidado possível. Ela não pode ficar sem medicação.'

'O que ela tem, afinal de contas?' Eu pergunto impaciente. Parece que tem muita coisa que não sei, e eu realmente gostaria que essa noite parecesse de me presentear com mais incompreensão.

'Leucemia.' Ela sussurra como se tivesse dizendo algo ruim.

Eu estalo os olhos. É algo ruim. Nós não temos condições de manter o tratamento dela nessa situação. Temos? E quão complicado é o estado dela? Leucemia pode ser tratada se ao menos a pessoa encontrar um doador. Ela tinha encontrado? É tanta coisa se passando pela minha cabeça, e a única que consigo perguntar é: 'quão ruim isso é?'

'Ruim, Jane. Não é nada bom.' Ela abaixa os olhos. 'É muito mais do que posso te contar agora. Dra. Isles vem tratando dela durante um ano agora.'

Dr. Isles. Eu registro o nome para usá-lo mais tarde.

'Nós podemos mantê-la estável até sairmos daqui?' Eu pergunto com esperança, mas quando os olhos de Angela se levantam para encarar os meus me encontro com sua pergunta. Nós vamos sair daqui? 'Angela...' Eu insisto.

'Jane. É grave. Os remédios ajudam, mas...' Ela olha para a menina e depois para mim. 'Embora Maura tenha tentado todos tipos de tratamentos... É uma batalha que...' Ela não termina a frase. Acho que ela nem precisa.

Entendo o quão sério é o estado dela, e o agravante de ter tirado a menina de lá. Mas não havia outra possibilidade. Ela morreria congelada.

'Onde estão os pais dela?' Eu não consigo evitar a questão. Ela deveria estar acompanhada de alguém. Cogito a idéia de que a mãe é a própria médica, mas isso não tá certo porque seria anti-ético.

'Não vem ao caso.' Ela diz sem ensaios. Sinto que ela não está me contango algo, mas pelo olhar dela sei que ela não vai contar também, mesmo que eu insista.

'O que me deixa intrigada, Jane... É o motivo delas não terem saído.'

Eu tento juntar todas as peças, montar um cenário. É algo que precisa ser investigado, e a única pessoa capaz de me oferecer respostas está desacordada. A voz de Brenda me tira de meus pensamentos e viro para ela.

Ela segura uma mão levantada acima da cabeça. 'Angela!' O pavor estampado em seu rosto dispara meu coração.

A mão branca está suja de sangue, vermelho como as rosas do verão.

Não consigo desgrudar meu olhar da cor viva e quente que, por pura ironia, nesse estado deve anunciar a morte.

Eu não quero morrer sozinha.

As palavras de Brenda ressoam na minha cabeça. Eu olho para todas as pessoas condenadas nessa noite e penso comigo: eu também não.


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