Harukaze escrita por With


Capítulo 55
Capítulo 55




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Harukaze

Capítulo 55
 

No momento que percebo a sua voz me chamando,
só consigo esticar o braço para as coisas que perdi.
Por que o tempo só anuncia o fim?

 

 

  Apesar de estar ciente do que queria, Haru se viu rodeado por dúvidas. Não pelo seu desempenho, mas sim àquela sensação de que finalmente se sentia vivo. Talvez esse tempo todo estivesse sendo protagonista de uma história que não era sua, uma mera encenação. E era desconfortável pensar nisso, pois há um ano ele jamais cogitara tal possibilidade. E não era apenas ele que se envolveria, Kakashi e Tsuhime também.

  A imagem da mãe dominou sua mente, fazendo um sorriso surgir em seus lábios. Como ele a amava! Desde muito novo Haru nutria certa conexão com a mãe, algo que ultrapassava títulos. Tsuhime era alguém essencial em sua vida, e aos poucos Kakashi atingia proporções maiores. Não que antes o desconsiderasse, mas a figura de Tobi entre eles o deixava confuso. Era como se fosse errado querer aceitar Tobi em sua vida. Estaria ele fazendo mal?

  Suspirou, aquilo não estava levando a lugar nenhum. Entre pensamentos ele escutou batidas no vidro da janela de seu quarto. Kakashi não estava em casa, a Hokage o chamara e ele saiu bem cedo, e como fora suspendido dos treinos por causa de Tsuhime, Haru tinha a casa apenas para ele. Direcionou o rosto à janela, vendo no peitoril um corvo de olhos vermelhos. Ele nunca vira um animal como aquele, pelo menos não de perto, as penas tinham um brilho como se fossem pintadas há pouco tempo. O bico cinza bateu contra o vidro em um pedido mudo para que abrisse a janela, e foi o que Haru fez. A ave pulou para dentro, pousando na cama, pegando Haru de surpresa. E não eram necessárias palavras, o menino sabia a quem ele pertencia.

  Passara três dias e Tobi viera cobrar sua resposta. O tempo fora apenas flashes, parecia que Haru piscara e avançara para o tão prestigiado dia. Observou o corvo com os olhos fixos em sua imagem, esperando pelo seu “sim”.

  “Você já chegou até aqui, Haru, não tem como voltar”, ele se repreendeu internamente, assumindo uma postura ereta. Ele não sabia se Tobi podia vê-lo, mesmo assim optou por se precaver. A verdade era que estava assustado, pois as poucas lembranças que possuía de Tobi não se comparava as que detinham com Kakashi. Ele sim era o seu pai, embora não fosse o biológico. Encontrava-se satisfeito com a relação de ambos, disso tinha certeza. Engoliu seco, a garganta apertada.

  — Sim. — Ele proferiu, sentindo instantaneamente o peso daquelas três letras.

  A ave imediatamente soltou um gorlejo fúnebre e se dissolveu, como se algo dentro dela tivesse dado defeito. Restou apenas a sombra de suas patas marcando o lençol e um pequeno papel, dobrado a ponto de se tornar imperceptível. Pegou-o com dedos trêmulos e o desdobrou com cuidado, contudo não havia nada escrito. Fez uma careta, bufando preguiçoso sobre a brincadeira, até que entendeu que Tobi fora meticuloso.

  Era óbvio que aquilo responderia ao seu Sharingan, como uma medida de segurança para que ninguém além dele o lesse. Ativou sua kekkei genkai e as palavras se formaram, descrevendo um local e hora. No canto esquerdo do papel havia uma observação.

  — P.S.: Não conte a ninguém, este será o nosso segredo, Haru.

  E imaginar o tom de voz dele, divertindo-se, fez com que o menino amassasse a mensagem com grosseria. Tobi sempre soube a sua resposta. Contudo, mesmo que soubesse que talvez aquele caminho fosse pedregoso, Haru já não podia voltar atrás em sua palavra. O que estava feito era irremediável.

(...)

  Após o súbito ataque inconsciente de Tsuhime, Sakura observava que sua Shishou não entrava no quarto de hospital. O motivo fora lhe explicado brevemente para não entrar em detalhes do passado de Tsuhime, embora a jovem kunoichi afirmasse que jamais contaria algo a alguém, servia de todo modo como uma forma de preservar a mulher estimada pela Hokage.

  Cuidava da esposa de Kakashi com dedicação, relatando a ele as mudanças. A Yatsuki respondia bem ao chakra de Sakura e não a atacara, o que concluíram que a mente dela havia se estagnado. Os sonhos eram um borrão negro, isento de memórias, e Sakura via satisfação nos olhos de Tsunade. Contudo a preocupação empesteava os olhos do homem que fora seu sensei. Não deveria estar sendo fácil passar por aquela situação novamente, mesmo que houvesse o mínimo de diferença. A dor continuava imutável e nítida na voz de Kakashi.

  Sempre imaginou que quando Kakashi se casasse sua vida assumiria um ritmo prazeroso, pois acreditava que o sensei merecia ser feliz, entretanto o que fantasiara passava longe da realidade, como se a vida quisesse o colocar à prova. “Não é justo”, Sakura comentou consigo vendo pela janela de vidro que Kakashi havia chegado, “Por que sempre acontece algo para estragar tudo?”. Ninguém lhe ofereceu respostas ou alternativas. Isso não era assunto para ela.

  Entretanto a sua consciência lhe chamou a atenção para a sua situação. O homem que amava havia deixado Konoha com um sombrio agradecimento e, desde então, junto com Naruto, Sakura tentava encontrá-lo e fazê-lo voltar. A questão era que, por mais saudade que sentisse, Sasuke escolhera o seu caminho e a excluíra da estrada. Não seria mais do que um estorvo se o acompanhasse, ele esclarecera muito bem há alguns anos. Embora Sai preenchesse o lugar de Sasuke, o vazio ainda se alastrava. Como se o time tivesse consciência e esperasse que o Uchiha reassumisse o seu lugar. Mero sonho, mera condição.

  Ajeitou os cabelos curtos de Tsuhime e coloriu os lábios dela de rosa pálido, disposta a deixá-la bonita. Mesmo inconsciente a beleza exótica dela se sobressaia. Claro que enxergava Orochimaru, contudo não conseguia atribuí-la a ele, embora tivesse provas suficientes. Lembrou-se da primeira vez que conversara com Tsuhime, notando sonhos e anseios nos olhos amarelos, uma menina tentando comandar a própria vida, e não pôde evitar sorrir. Ainda que anos se passassem, o ar infantil sobrevoava Tsuhime. E talvez aquele fato fosse a única coisa concreta que sabia sobre ela, salvo o presente.

  Sakura anotou no prontuário os procedimentos que realizara e os sinais vitais de Tsuhime, o som do monitor cardíaco constante. Tinha certeza de que ela sairia dessa, podia sentir a força de Tsuhime em acordar. E ansiava por rever os olhos amarelos, privado das linhas liláses que adornavam os olhos de Orochimaru. Era incrível como o mundo girava, dissipando os conceitos antes considerados impossíveis.

  Organizou o quarto e abriu a janela, permitindo que os raios do sol adentrassem o ambiente. As paredes se tingiram de salmão, o vento balançou a cortina azul clara. Havia um leve perfume de rosas, presente de Haru para a mãe.

  E pensando no menino, Sakura recordava da forma irritadiça que ele a olhava cada vez que a via perto de Kakashi. Como se algo entre eles pudesse acontecer. Em seu coração existia apenas Uchiha Sasuke e para sempre seria. “Sasuke-kun...”, a médica disse em pensamentos, não deixando de assimilar o quanto Haru se assemelhava. Os cabelos negros e rebeldes, os olhos ônix e decisivos, a aura distante... Não restava dúvida de que fosse filho de um Uchiha, e não precisou que ninguém lhe contasse. Sakura era uma garota inteligente e sacava as coisas por si própria.

  E de repente percebeu que deixava escapar a sua maior pista. Como filha de Orochimaru, Tsuhime era uma fonte direta a tudo que se relacionava a ele, consequentemente levando-a a Sasuke. Será que Tsuhime o conhecera? Será que Haru poderia ser filho dele? “Não!”, Sakura agitou a cabeça em negação, afastando as suspeitas. Contudo não ficou menos tranquila. Gostaria muito de ter se aproximado antes de Tsuhime; que ela estivesse acordada para responder algumas de suas perguntas. Todavia, assim como muitas coisas em sua vida, não poderia fazer outra coisa a não ser esperar. “Estou esperando há muito tempo, talvez eu não devesse criar expectativas”, Sakura reclamou consigo, olhando mais uma vez para a mulher dormindo na cama.

  Ela parecia mais jovem, uma consequência do que absorvera de Tsunade, e mesmo assim ainda parecia a mesma. Quem não a conhecesse antes de isso acontecer, seria facilmente levado a acreditar que aquela aparência a perseguia desde que nascera. De fato, as habilidades de Tsuhime eram um mistério, contudo via claramente que ela conseguiria fazer o que muitos tentaram, afinal o sangue de Orochimaru corria nas veias dela. O Selo Amaldiçoado tatuava-lhe o pescoço, uma marca que provavelmente ligava muitos outros prisioneiros, pessoas que passaram pelas mãos do sádico Sannin. Sabia, pelos exames de sangue, que Tsuhime comportava outros DNAs em sua linhagem.

 — Você é forte, Tsuhime-san. — Sakura proferiu com um sorriso, embora não recebesse retribuição. — Eu sei que, seja lá o que estiver acontecendo, tudo dará certo. Você não está sozinha. — Comovida, a médica sentou-se no banquinho ao lado da cama, ignorando momentaneamente a figura de Kakashi atrás da parede de vidro. Segurou a mão dela, apertando-a levemente.

  E, para sua surpresa, os dedos finos de Tsuhime se fecharam nos seus. O bip do monitor cardíaco indicava um aumento dos batimentos, contudo logo se estabilizaram ao perceber que o toque não significou o que o corpo dela precisava. Analisou a mulher, percebendo que os olhos se abriram devagar, quase tímidos. Passara três dias desde que Tsuhime iniciara o ciclo do coma, que a resposta fez seu coração saltar.

  — Tsuhime-san? — A kunoichi chamou, recebendo as íris amarelas sobre ela. Fora impossível não se retesar perante o brilho dos olhos dela, tão altivos e vívidos. Completamente descansados. — Pode me ouvir?

  A Yatsuki apenas piscou duas vezes, pois o tubo que passava por sua garganta não lhe permitia falar.

  Antes de enviar qualquer sinal a Kakashi, Sakura avaliou as condições de Tsuhime. A frequência dos pulsos estava estável, assim como os batimentos cardíacos e temperatura. Com cuidado retirou o tubo, livrando-a do desconforto. Há essa hora Kakashi já havia entrado no quarto, observando a esposa com curiosidade. Adiantou-se em interromper a hidratação venosa a fim de deixar o casal a sós, saindo em seguida.

  Kakashi ainda tinha dificuldades em assimilar o que estava acontecendo. Não que não acreditasse que a esposa acordaria, mas por guardar inseguranças dentro dele. A última experiência que tivera com Tsuhime em um hospital não o deixava otimista, contudo Tsuhime lhe sorriu para mostrar que o curso do destino poderia modificar. Sem saber ao certo como se comportar, o Hatake sentou-se onde antes Sakura estivera e percebeu que Tsuhime o seguiu em todo o movimento. Ela estava muito mais desperta, embora a marca dos ataques em seu corpo evidenciava a pele clara. As suturas foram bem feitas e, como vira das outras vezes, Tsuhime se recuperava depressa.

  As marcas dos ataques não se comparavam a quando ela chegara. Kakashi lembrava-se bem do estado da esposa, o estado crítico em que Tsunade a colocara. Os ombros, peito, abdômen e pés vieram totalmente feridos, ele mal reconhecera Tsuhime, e a imagem que tinha agora lhe passava tranquilidade, como se a Yatsuki tivesse arrancado aquela mulher machucada de seus pensamentos. Suspirou, deixando todo o cansaço esvair. Há três dias não conseguia dormir direito, sempre acordando por conta de toda preocupação e medo. E talvez demorasse um pouco mais para isso.

  — Kakashi? — A voz de Tsuhime soou baixa e rouca, quase dolorida. Tocou a mão do marido, chamando-lhe a atenção. O semblante dele trazia marcas de fatiga, era possível notar as leves olheiras ao redor dos olhos, os cabelos livres do hitaiate como ela gostava. Sorriu para ele, recebendo um fraco curvar de lábios sob a máscara. — Temos... Problemas?

  Havia tanto a contar, tanto a esclarecer... Mas Kakashi sabia que não deveria sobrecarregar Tsuhime agora, não quando eles não estavam totalmente livres dos problemas. Para ser franco o ninja temia a reação da esposa, imaginou-se várias vezes discutindo com ela e, claro, Tsuhime teria razão. O que ele fizera? Como fora capaz de permitir que Haru assumisse uma responsabilidade maior do que ele? O que estava acontecendo consigo?

  — Esse silêncio... — Tsuhime tossiu um pouco antes de prosseguir. — Está me assustando.

  — É que eu pensei... — Kakashi não concluiu, apenas aproximou-se e envolveu a mulher em um abraço apertado. O calor dela se misturando com o seu em um reconhecimento mútuo. Sentiu Tsuhime retribuir, dissipando todo o temor que o acompanhou por três dias.

  — Eu sempre assusto você, não é? — Ela disse um pouco mais audível, sorrindo por aquela recepção. — Me desculpe, Kakashi. Eu sinto muito mesmo.

  — Não há o que se desculpar, não você. — Ele deixou escapar não se sentindo arrependido. Em breve Tsuhime saberia, só poderia torcer para que ela entendesse.

  — Kakashi... — Tsuhime o afastou, piscando os olhos amarelados com desconfiança. — O que está acontecendo? É algo com Haru? Ele está bem?

  Antes que Kakashi pudesse formular uma frase ordenada, Tsunade entrou no quarto com uma expressão de alívio e receio. Ela, desde que Tsuhime absorvera uma quantidade pequena de sua força vital, decidiu que tomaria cuidado, que não se aproximaria de Tsuhime sem cogitar. O braço antes envelhecido já assumira sua aparência saudável, e nenhum efeito colateral a visitara.

  Entretanto, ao se juntar aos dois, não recebeu os olhares em sua direção. Tsuhime e Kakashi compartilhavam de uma conversa muda, focados somente no outro. Tsunade sabia que deveria sair e voltar em outro momento, mas não podia deixar que o ninja copiador lidasse com aquela carga sozinho. Sentia-se culpada, pois aceitara que Haru dissesse sim a possibilidades incertas. Contudo havia muito mais expressados nos olhos de ambos, algo que ela não conseguiu identificar.

  — Te fiz uma pergunta, Kakashi. — Ela questionou, o coração batendo forte dentro do peito. — Me responda!

  — Tsuhime-chan... — A soberana de Konoha ousou argumentar em defesa do jounin, porém a forma irritada com que Tsuhime a encarou a fez recuar.

  — Não é um bom momento agora, Hokage.

  Hokage... Essa era a primeira vez que a Yatsuki a chamava assim, e a hostilidade a acertou como um tapa, reverberando no quarto de hospital. Absteve-se silenciosa, apenas uma espectadora sem o direito a intromissões.

  — É sobre Haru, certo? — Ela opinou, irritando-se ainda mais com o silêncio do marido. — Fale comigo e me explique! Por que sempre esconde as coisas de mim?

  — Porque eu te amo, Tsuhime. Porque o meu propósito é proteger você, sempre foi e continuará sendo mesmo que não goste. — Kakashi declarou, vendo que a postura enrijecida da esposa cedera. — Você dormiu por três dias e eu tive que tomar algumas decisões, me desculpe. E não consegui deixar Haru fora disso.

  — O que está tentando dizer? — A garganta de Tsuhime encontrava-se ainda mais seca, arranhando cada palavra. — Ka...?

  — Ele optou por fazer aquilo que acha certo. Haru se aliou a Tobi por você. Para mantê-la em segurança.

  — Mentira! — Tsuhime jogou a coberta para o lado, arrancando em seguida os receptores em seu peito que a monitoravam. — Você não permitiu! — Os pés nus tocaram o chão, porém não se firmaram. Ainda estava debilitada, os pontos repuxaram a carne em protesto. Kakashi a apoiou, e Tsuhime sentiu-se como se tivesse passado por mais uma experiência. Lágrimas inundaram seus olhos. — Não, não e não! Por que, Kakashi?

  O ninja buscou ajuda na Hokage, que se encaminhou lentamente até o casal. O choro de Tsuhime se tornou sofrido, misturado a raiva e incapacidade. Por que ela ficou distante justo naquele momento? Por que seus esforços sempre eram insuficientes?

  — Tsuhime...

  — Onde você estava? — A Yatsuki se livrou do contato, afastando o marido e se sustentando sozinha. Sua existência reagindo a toda genética daquela mulher. Sentiu vontade de tocá-la, de trazer os genes para si mesmo que não fizesse ideia de como. A visão embaçara, exausta, não distinguindo mais as pessoas naquele espaço.

  E vê-la frágil quebrava Kakashi, e mais ainda por saber que o culpado era ele. Ousou tentar argumentar, mas não soube dizer quando a dor o atingira. O peito doía e as costas se chocaram na parede próxima. Ao se levantar arfou pela dor no esterno, permanecendo imóvel. Abriu os olhos, notando as formas assimétricas serpenteando livres pelo pescoço, tomando o rosto e braços de Tsuhime. Ignorou a dor, erguendo-se devagar. Tsunade colocou-se a sua frente, barrando o avançar da Yatsuki.

  — Isso não é bom. — A soberana retrucou preocupada, vendo um filete de sangue escapar pelos lábios dela. — Kakashi...

  — Eu sei. — O ninja ativou o Sharingan, capturando a mente desordenada da esposa. A relutância de Tsuhime atrapalhava o genjutsu. — Temos pouco tempo.

  — Aguente um pouco mais.

  E Kakashi aguentaria, mesmo que a dor atrapalhava qualquer tentativa de se focar. Jamais sentira a força da esposa contra ele, porém não foi uma boa experiência. Respirar se tornou difícil devido o expandir da sua caixa torácica e, embora não fosse médico, reconhecia os sinais de um osso quebrado. Contudo aquilo era mínimo comparado com a traição que ele infligia em Tsuhime, o peso das consequências sentando em seus ombros como se fosse bem vinda. E talvez ele merecesse, afinal. Já havia feito várias coisas pela qual se arrependera amargamente e, embora tivesse acostumado com aquele sentimento, não estava sendo fácil lidar com o novo peso.

  — Tsuhime-chan, por favor, nos escute. Não será bom para você liberar o Selo, não depois da última vez. Acalme-se. — Tsunade apelou pela razão, mas os olhos gradativamente tomavam para si o negrume. — Haru está bem, eu garanto.

  — Como sabe? — A fala de Tsuhime saiu duplicada, os caninos afiando-se nas pontas. — Não conhece Tobi, não conhece os possíveis riscos que meu filho pode estar correndo. Pensou que eu agradeceria? Haru tem seis anos, não deveria dar voz para uma criança.

  — Sei que erramos, mas você, melhor do que ninguém, conhece Haru e sabe que ele, independentemente do que disséssemos, faria o contrário. — Pela primeira vez Tsunade sentiu a mulher ceder, relaxando os ombros e desfazendo a face irritada. Estava conseguindo. — Ele vai ficar bem.

  — Não acredito. — A respiração de Tsuhime estabeleceu um ritmo cadenciado, as marcas refugiando-se lentamente. — Onde ele está? Quero ver o meu filho.

  — Ainda temos muito que conversar. — A soberana de Konoha foi categórica, não se deixando intimidar pela forma que Tsuhime a recriminava.

  — O que pode ser mais importante do que meu filho? — Ela lançou a pergunta, desviando os olhos de Tsunade para Kakashi, e apenas naquele momento ela percebeu o estado do marido: O suor acumulava-se no rosto dele, contorcido pela dor, uma das mãos sobreposta no esterno e o Sharingan ativo, regendo vontade sobre ela. — Oh, meu Deus... — Tsuhime caminhou lentamente até o jounin, os passos se tornando vagarosos pelo controle do Selo. Estendeu a mão para tocá-lo, notando-o ainda longe.

  — Está tudo bem, Tsuhime. — Kakashi proferiu, ajeitando a postura. O peito reclamou e ele arfou, contrariado. Não queria fazê-la se sentir culpada, afinal ela não o era.

  — Não, não está nada bem! — Ela finalmente o alcançou, colocando as mãos sobre o osso fraturado. Revestiu-as de chakra, atingindo-o de imediato. — Será que um dia vai ficar? — Ela ergueu o rosto marcado por lágrimas, buscando contato visual com o marido.

  E, naquele momento, mulher nenhuma pareceria tão linda e forte como Yatsuki Tsuhime. Circundou a cintura dela, trazendo-a para perto, extasiado por poder tocá-la, saber que ela estava ali e bem. Aspirou o perfume dos cabelos negros que tanto lhe fez falta. Como Kakashi a amava.

  Após Tsuhime reconstruir a ligação do osso íntegro, Tsunade ordenou que voltasse para a cama. Mesmo a contragosto obedeceu a Hokage e ajeitou-se confortavelmente nos travesseiros. O quarto tinha um ar leve, porém Tsuhime sabia que era apenas superficial. Tsunade e Kakashi sentaram-se ao seu lado, e o jounin segurou a mão dela. A primeira a iniciar o diálogo foi Tsunade, os lábios se moviam com cautela.

  Contou-lhe sobre como conseguira atrair a força vital de Tsunade para si, em consequência de estímulos cerebrais. Simplificando: A realidade que o cérebro criava em sonhos se materializava no presente sem que a pessoa se desse conta. Tsuhime alegou não se lembrar dos sonhos, porém não descartou a ideia de ter tido lembranças de épocas distantes. Olhando para sua própria mão, Tsuhime via mudanças: A pele estava mais lisa e delicada, como se jamais tivesse sido imaculada, sentia-se mais jovem e capaz, dona de si. Contudo, admitia que ficava desconfortável na presença de Tsunade. Toda a existência dela fazia suas células vibrarem, ansiando por elas. E era uma sensação horrível, que relutava para ignorar.

  — O que você fez foi modificar a sua técnica de absorção. — A Hokage explicou, avaliando as reações de Tsuhime. Embora longe de Orochimaru e de um passado triste, era como se a garota jamais tivesse escapado. — A nossa genética está respondendo à outra. Não sei como isso é possível, então precisaremos testar se pode ser controlado.

  — Eu roubei uma parte de você? — A Yatsuki inquiriu, os olhos fixos em um ponto distante do quarto.

  — Em teoria você absorveu a vitalidade e a incorporou em seu sistema, como quando absorvia chakra sem de fato drená-lo. Mas na prática você drenou. Compreende a diferença?

  Tsuhime apenas confirmou com um gesto de cabeça, absorta demais para qualquer resposta verbal. Então, ainda era a obra-prima de seu pai. Tornava-se um perigo, sucumbindo ao DNA que a cada dia se fortalecia dentro dela.

  — Eu mal posso ficar perto de você. — A Yatsuki riu com desgosto, fechando os olhos por um momento.

  — Vamos ajudá-la a controlar essa nova forma de absorção, Tsuhime-chan. — Tsunade garantiu, sorrindo confiante. — Não há nada nesse mundo que detemos o desconhecimento. Todo o aprendizado vem de tentativas e erros.

  — E quanto a Haru?

  E lá estava a pergunta que todos fugiam. A interrogação foi como um soco no estômago de Kakashi e Tsunade, contudo não adiantaria dar voltas porque Tsuhime jamais deixaria aquela revelação passar. Não quando envolvia o filho e tudo que um dia ela tentou evitar. A Hokage lançou um olhar a seu jounin, dizendo claramente: Chegou a hora.

  — Parece injusto ver alguma gratificação na aproximação de Tobi e Haru, mas infelizmente avaliamos esse plano em todos os detalhes. — Tsunade disse, expondo a verdade nua e crua.

  — Está me dizendo que colocou meu filho em risco para descobrir planos sobre a Akatsuki? — O rosto de Tsuhime se avermelhou, não acreditando no que ouvia. — É isso? E você concordou, Kakashi?

  — Ainda me surpreendo com minha atitude, mas sim. Eu concordei. Haru e eu conversamos bastante sobre isso, principalmente sobre como você receberia a notícia e os riscos, mas ele herdou um legado forte e impossível de virar as costas. Haru te ama e faria qualquer coisa por você.

  — Não use os sentimentos do meu filho como desculpa! Ele é uma criança e poderia acreditar em qualquer coisa que Tobi prometesse. A sua obrigação era amarrá-lo dentro de casa e dizer “não”, Kakashi. Você não é o pai dele?

  — Mas não sou a consciência dele. Você pode não gostar do que Haru está fazendo, mas está acontecendo. Ele agarrou a primeira oportunidade para protegê-la. — Kakashi respondeu, vendo que Tsuhime cortou o contato entre os dois. — Muito antes de isso tudo estourar, o laço entre Tobi e ele se fortalecia. Até quando acha que irá comandar a vida dele?

  — O quanto for possível. — Tsuhime rebateu convicta. — Eu sei o quanto palavras bonitas podem acertar profundamente o coração, sei a dor da decepção quando descobre que elas foram apenas usadas como artifício para se conseguir algo, sei e conheço a dor de cada mentira, de cada ilusão e não quero isso para o meu filho.

  — Não mudamos o destino, apenas o retardamos.

  — Não use frases criadas, Kakashi. — A Yatsuki exigiu, fixando os olhos no marido como um desafio. — Isso não justifica nada. Em minha vida inteira tentei esquecer tudo o que vivi, tentando dar a vida que eu não tive a Haru. E agora quer que eu aceite que isso é o “destino”? Esse é o seu argumento? — Os olhos amarelos se encheram de lágrimas, evidenciando que aquilo era inaceitável.

  — Sim. — Kakashi murmurou irredutível. Ele não queria que Haru cometesse os mesmos erros que ele, que vivesse com a ideia de que poderia ter feito mais. Queria que Haru trilhasse o próprio caminho naquilo que acreditava, mesmo que isso fosse contra a aprovação de Tsuhime, afinal mesmo com diversas opções ele sempre seguiria a sua convicção, sua autenticidade.

  — Eu... Eu não posso perdoá-lo por isso. — As lágrimas desceram, marcando o rosto cansado de Tsuhime. — Eu não vou perdoá-lo por isso, Kakashi, nunca!

  — Tsuhime-chan... — Tsunade interferiu, contudo não avançou porque Tsuhime não deixou, sequer lhe deu uma chance.

  — Não! — Ela gritou, disparando o monitor cardíaco que fora novamente conectado ao seu peito. — Vocês dois colocaram Haru em perigo sem medir nada, apenas pelo benefício que isso traria a Konoha. Isso eu jamais vou perdoar, jamais! Eu confiei em você, Tsunade-hime, desde o momento em que pisei aqui pela primeira vez, quando foi que tudo mudou?

  — Nada mudou. Você é como uma filha para mim, mas eu tenho o meu dever de líder, preciso analisar aquilo que for o melhor para Konoha.

  — É só isso? Tudo se resume ao “melhor para Konoha”? — Tsuhime confessou irônica, afastando a indignação que nublava sua visão. Ela não iria mais chorar. — No final todo mundo sempre apela por aquilo que necessita. Assim como meu pai, Kabuto e Tobi, você também não é diferente, Tsunade-hime. Acho que no fundo eu sempre soube disso.

  — Você pode nos odiar o quanto quiser, mas nada vai mudar o fato de que não foi nossa escolha. Está se esquecendo de Haru. — Kakashi rebateu, atraindo a atenção da esposa. Se é que ainda poderia chamá-la assim.

  — Não importa de quem foi a culpa, eu vou buscar Haru e nós dois vamos nos afastar de Konoha. — A sinceridade na voz de Tsuhime pegou Hokage e Jounin de surpresa, fazendo-os se levantar ao mesmo tempo. — Não vou permitir que estraguem a vida dele.

  — Você não está pensando direito! — O Jounin confrontou no auge do desespero, a imagem de Tsuhime se afastando se formando como um fantasma a sua frente. Sabia o que sentiria se ela fosse embora, experimentara a situação na pele anos atrás, não suportaria passar por aquilo novamente. — Se for embora levando Haru, acha que vai estar mais segura? Será fácil para Kabuto capturá-la, estaria se dando de bandeja para ele.

  — Isso não é você quem decide, Kakashi. — O rancor esbofeteou o ninja copiador. — E não quero mais discutir tal assunto. Saiam.

  — Tsuhime...! — O Hatake preparou diversos argumentos, entretanto não os disse. A esposa havia fugido do olhar dele em claro sinal de “terminamos aqui”. — Como quiser.

  Kakashi foi o primeiro a sair, não omitindo sua raiva ao bater a porta. Como Tsuhime poderia ser tão teimosa e se arriscar assim? E justo em um momento inapropriado. Apenas poderia confiar em Tsunade, que mantinha o olhar cor-de-mel na figura de Tsuhime, respirando com rapidez e ansiedade. As mãos da Yatsuki tremiam, ela em breve chegaria ao limite e desabaria assim como a viu fazer anos atrás. Contudo, não foi isso que aconteceu. Tsuhime nem ao menos se virou para olhá-la, continuando impassível a sua presença.

  — Você tem todo o direito de estar zangada, de nos querer longe...

  — Eu quero que saia. — Tsuhime reforçou o pedido.

  Assim que a porta se fechou, abandonando-a no quarto em companhia do silêncio, foi que Tsuhime permitiu que as últimas lágrimas esvaíssem. “Chorar alivia a alma” dissera-lhe Kabuto uma vez e, por mais que nutrisse certo rancor por ele, não se fez de rogada e acatou tal conselho. As paredes pareciam se fechar ao seu redor e ela apenas se deu conta de que alguém compartilhava do mesmo espaço quando um leve toque no ombro a despertou. Ergueu o rosto molhado, os olhos avermelhados e trêmula.

  O que eu fiz?

  Dispensei as pessoas que mais me apoiaram em toda a minha vida?

  Eram essas as perguntas que Sakura via transmitir de Tsuhime e jamais a julgaria. Colocou a bandeja com o jantar sobre a mesa de maio e aproximou-se, o tempo todo tendo a atenção da Yatsuki. Embora Tsuhime fosse alguns anos mais velha que ela, aparentava ser apenas uma criança com medo do escuro. Tomou as mãos dela nas suas, sorrindo afável. Poderia não ter vivido o mesmo que Tsuhime, mas era o bastante para compreender a sua dor. Afinal, cultivava uma dentro de si.

  — Tudo pode parecer sem solução agora, mas, acredite, vai melhorar. — Sakura usou o seu tom mais suave ao se dirigir a Tsuhime, quebrando a barreira que ela instalara. — Você só precisa esperar a tempestade passar para ver o sol novamente.

  — Não há sol à noite, Sakura.

  — Mas ao surgir de cada manhã sim.


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