Eu deveria ter dito que te amo escrita por Alice, synchro


Capítulo 1
Drowing in my untold love


Notas iniciais do capítulo

Nothing is true, everything is permitted.
Aberto a interpretações



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E então lá estava eu, parado em um barquinho de madeira, no meio do lago. O Sol forte queimava minha pele, e por algum motivo eu gostava dele, mas a sensação era de frio. Não aquele frio-de-inverno que faz você ficar embaixo da coberta e aproveitar. É mais como aquele frio que você sente quando algo muito gelado é encostado em você e rouba o calor daquela região. Meu corpo todo estava assim.

Talvez fosse por isso que eu gostava do Sol, ao menos com ele o mundo não parecia tão frio por fora quanto era por dentro, e talvez, somente talvez, as pessoas pudessem viver com mais calor sem mim, que era um ser apenas frio.

A água aquele dia estava incrivelmente cristalina, e me permitia ver o fundo do lago. Parecia perto, parecia que eu poderia alcançá-lo, mas eu já sabia que não poderia. O lago tinha quinze metros de profundidade, e de acordo com minha professora de educação física, meus pulmões eram tão fracos quanto os de um tuberculoso, eu não aguentaria mais que trinta segundos embaixo d'água, e eu deveria descer o máximo que eu pudesse nesses trinta segundos.

Andei até a beirada da madeira e meus olhos examinaram toda a extensão de água à frente. O barco se entortou um pouco, e no pingo de apego a vida que eu ainda tinha, me joguei para trás, para a segurança do barco, mas esse foi meu erro, e qualquer velejador experiente diria o mesmo. Quando se está num barco estreito, digamos, um metro e alguma coisa, quando ele se desequilibra para um lado, o melhor a se fazer é ficar naquele lado até o meio dele, e não se jogar para o outro lado, porque se fizer isso, ele terá ainda mais impulso para emborcar.

Uma informação útil sobre mim: eu tenho uma casa no lago, mas não sei nadar. E esse era o ponto de estar ali, porque eu não poderia desistir, ou resistir, tudo seria rápido. Bem, não tão rápido quanto uma bala na cabeça, ou uma forca improvisada, mas eu não tinha coragem pra isso, pra mostrar pra minha família que eu não queria viver, que eu não conseguia viver. Essa foi a outra razão de eu estar ali, num lago, onde poderia fazer tudo parecer acidental.

Havia propositadamente escolhido o barco que era mais instável e mais velho, assim não restariam dúvidas sobre a "morte-somente-acidental" do garoto que não sabia nadar e foi remar no lago de quinze metros de profundidade.

Mas ali, no momento definitivo, na hora em que era preciso me lembrar de tudo isso, a única coisa que me vinha à cabeça era que eu deveria ter aceitado aquelas aulas de natação que minha tia me oferecia toda vez em que eu estava lá. Que merda, eu queria ter aceitado aquelas drogas, porque agora eu poderia nadar para aquele refúgio de madeira que balançava descontroladamente, mas cada vez menos, a apenas dois metros de mim, e não ficar apenas engolindo litros de água e tentando manter minha boca e nariz acima da linha da superfície.

Meus braços tinham espasmos incontroláveis, tentando me jogar para cima. Se eu pudesse ao menos me manter na superfície, se eu pudesse ao menos me mover até o barco, se eu pudesse ao menos não ter vindo até aqui ou não ter me jogado para trás. Mas "Se"s não me ajudariam agora.

Eu achava que não existia exatamente um momento entre perdendo o ar e se afogando. Achava. Mas existe, começa assim: você uma hora está lá no limite da água, lutando para respirar, e então você perde todas as suas forças, e não consegue mais flutuar, então você não exatamente afunda, porque ainda tem ar em seus pulmões, mas sim vaga centímetros abaixo da água.

Depois disso as coisas só podem piorar, e pioram em uma velocidade assustadora. O ar em seus pulmões só tem uma certa quantia de oxigênio, e mesmo dentro dessa quantidade, seu corpo absorve menos ainda, seguindo a lógica, uma hora você não tem mais O² no corpo o suficiente para te abastecer, e você tem que inalar mais. Isso é fácil, quando se está cercado por ar e tudo mais... Mas quando só existe milhares, milhões de centímetros cúbicos de água em volta de você, tudo que você não quer fazer é tentar inalar algo. Não que você aprenda isso na experiência, é simplesmente algo natural que todos os humanos têm, digamos, instinto. Mas existe um instinto ainda maior, e esse é aquele que tenta fazer você sobreviver,

Logo, eu expirei todo o ar que tinha, e fiz a maior força da minha vida para não puxar nada. Essa é uma das horas que piora, o começo. Sem ar, seu corpo já não se mantém na superfície, e você desce, e desce mais, e tudo que você já fez ou deixou de fazer passa na minha frente, mas vou falar disso depois. Eu desci, e desci, cada segundo daquilo parecia um ano, e a dor em meu abdômen, que queimava de dor enquanto eu o forçava a não fazer meus pulmões puxarem água. Dez anos, meus braços e pernas começaram a perder os movimentos. Quinze anos, minha cabeça estava sendo comprimida e dilatada ao mesmo tempo. Vinte anos, meus olhos perderam o foco. Vinte e cinco, meus pés e mãos já não me pertenciam. Trinta anos, eu estava disposto a fazer aquela professora maldita parecer idiota. Trinta e dois anos e três quartos, esse foi o tempo que demorou para que meu corpo tomasse o comando sem meu consentimento e por fim tragasse todo aquele líquido para dentro dele.

Maldito corpo burro, maldito corpo estúpido, não tivesse feito isso teríamos nos livrado mais rápido dessa parte horrível em que afundamos e morremos.

Agora deixa eu dizer a vocês o que acontece nesses anos com sua memória, enquanto você afunda, depois eu continuo a parte biológica.

Pra mim foi algo que nem com algum sonho eu conseguiria repetir. Eu lembrei de toda minha vida na escola, e toda cena que passava por meus olhos, tinha Ela como objeto principal.

Ela, bem, Ela é o objeto de minha admiração, a garota que foi de uma conhecida, para uma amiga, então para a garota com quem eu saía, e que com certeza sabia que eu gostava dela, e que gostava de mim, mas que eu não tive coragem de me aproximar.

Vamos dizer apenas que o nome dela é Ela, e que ela tem 1,54m de altura, uma grande diferença do meu 1,80. Ela nasceu dois meses depois de mim, e morava na casa de frente à minha. Nossas mães eram amigas, então desde quando ainda éramos bem pequenos nos víamos muito.

Crescemos juntos, frequentamos a mesma escola, praticávamos os mesmos esportes, basicamente éramos inseparáveis. Então chegou a adolescência, e tudo desmoronou.

Nessa época começamos a desenvolver nossos gostos mais sexuais, e naturalmente eu e ela aprendemos sobre isso na escola. E a partir de então tudo que fazíamos juntos ficava estranho, não só porque entre nós ficava uma tensão, mas também porque todos comentavam sobre aquilo, e zoavam a gente.

Decidimos manter a amizade restrita somente aos períodos fora de locais onde houvessem outras crianças, ou seja, nas brincadeiras na rua, nos filmes em casa...

E foi assim que passamos dos 13 aos 17 anos, quando eu começei a me sentir ainda mais atraído por ela.

Acreditem, tudo isso se passa em apenas alguns segundos em sua mente, enquanto você cria milhares de possíveis situações onde teria feito mesmo um mínimo detalhe de uma forma melhor.

Convidei ela para sair pela primeira vez sozinhos, onde todos poderiam nos ver. Era um café na cidade, bem frequentado nas noites de sábado. Ela aceitou, e os dias que ainda restavam para sábado simplesmente não passavam, e a semana foi ficando comprida, quando eu achei que não aguentaria mais, o maldito dia chegou, e nós saímos. Eu a busquei em sua casa(atravessei a rua) e fomos juntos para nosso destino.

Não era uma surpresa pra ninguém que estivéssemos lá. Mesmo pelas nossas costas as pessoas acabavam descobrindo alguma coisa ou outra.

Sentamos em uma mesa de canto, para termos mais privacidade. E tudo que eu menos queria era ficar longe das pessoas. Mais um detalhe(vocês já enjoaram disso né)sobre mim: se você for apenas minha amiga, eu consigo falar com você por dias a fio sem acabar o assunto, mas dê apenas uma chance para mim e eu consigo ficar mais calado que uma múmia.

Pedimos nossos lanches e um refrigerante. Nossos olhares se cruzavam, e foi então que eu me toquei, eu estava apaixonado por ela. Minhas mãos tremiam e suavam, eu era um covarde, eu fugia de tudo. A noite-sem-conversa e a noite-de-olhares terminou e eu acompanhei ela, depois de pagar a conta, para casa(em frente a minha, eu sei, não precisa me lembrar), e, DROGA, eu dei um beijo na bochecha dela, que tipo de maldito cara dá um beijo na bochecha depois de uma noite dessas?

Foda-se, foi o que eu fiz, e foi assim por mais três meses, saindo, terminando em beijos-na-bochecha, sem uma pegada nas mãos, ou um abraço mais apertado, ou qualquer coisa que era impedida pela minha tremenda falta de coragem.

Três malditos meses, até que ela pareceu desistir. Me disse que entendia, e até hoje eu não sei o que ela entendeu, e que estava saindo com um cara da nossa sala, irei chamá-lo de Ele. Ela saía com Ele, e eu era o cara para quem ela contava como era ficar com Ele, como Ele era carinhoso, como Ele isso, Ele aquilo, todos os Ele's ditos com um olhar apaixonado no rosto.

Eu não poderia estar com mais raiva de mim naquele momento, ou em todos os outros até aqui. Não, eu estou com muito mais raiva agora, no último segundo/ano da minha vida, deixando essa história ao próximo que quiser me acompanhar nesse mergulho sem retorno.

O casal apaixonado da sala, e o cara da friendzone, o vela que ficava de lado. Eu acho que meu maior erro foi não ter conseguido te mostrar o quanto eu gostava de você, e agora você irá ler aquela carta que eu deixei em cima da minha cama na minha casa, toda cheia de palavras feias, e irá se lembrar de mim como o cara que te odiou por não ter podido te ter, ou por você não ter ao menos feito algo pra ficar com ele, sabe, ter tido alguma atitude, nesse mundo moderno?

E, agora, enquanto o dezembro do meu segundo escorre por meus dedos, que eu já não sinto, e meu pulmão enfia litros de água em minha corrente sanguínea, eu me culpo por todas as coisas descritas acima, e por não ter podido dizer o final de como é se afogar, mais porque não tem um final do que por eu não saber descrevê-lo. Ela, eu sinto muito, eu te amo, e eu deveria ter dito que te amo.


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Notas finais do capítulo

Não há em nossas vidas um momento que podemos desperdiçar, porque algum dia você pode escorregar do barco, ou sofrer um acidente, ou qualquer coisa, que te faça passar segundos-anos pensando em cada erro que já cometeu, por essas razões, tenha a coragem que eu não tenho, e viva por mim.
Use esse meu sofrimento como uma lição para carregar em toda a sua vida que será vivida em anos reais, tenha a coragem de erguer sua voz e dizer com todo o coração aquilo que você está pensando, pois a qualquer momento pode ser tarde demais.