Acordei na manhã seguinte da festa parecendo ainda mais cansado do que quando fui dormir. Cansado apenas não, estava exausto. A sensação era como se um caminhão tivesse passado por cima de mim e depois dado ré e passado em cima de mim de novo. Limpar um salão de festa realmente não era algo fácil.  

Enrolei para levantar da cama. Ainda era cedo e queria dormir mais um pouco, mas sabia que não ia adiantar em nada. O melhor seria tomar um banho (e sim, eu ainda não tinha tomado, me julguem por isso) e arrumar algo para comer.

Ao sair do banheiro, resolvi passar no quarto do meu irmão para ver como Cármen estava. Desde que voltara do interior, não havia falado muito com ela. Não sabia exatamente o que dizer na situação em que estava, mas esperava que já se sentisse melhor, o que era bem improvável.

Ter ido “curtir” em um aniversário enquanto minha família passava por uma crise como essa parecia um pouco errado. Parte de mim se sentia culpado por isso. Mas se não tivesse ido, talvez a outra parte também fosse se sentir culpada por não estar com Jade quando o pai magicamente apareceu. A situação dela também não era melhor do que a nossa. Tudo parecia estar indo de mal a pior naqueles últimos dias...    

Dan abriu a porta do quarto e olhou para mim. Ele ainda estava abalado, mas aos poucos parecia melhor.

— A Cármen já acordou? – perguntei baixinho. – Queria falar com ela...

— Ainda não... – ele suspirou.- Vamos conversar lá em baixo. Eu fiz um café da manhã para você.

Descemos as escadas e me sentei no sofá. Dan me trouxe um prato com omelete (que era a única coisa que ele sabia fazer) e um copo de refrigerante. Em condições normais, ele nunca me deixaria comer na sala, mas considerando que ele não estava bem ainda, decidi relevar.

— E então... – ele se sentou ao meu lado. – Como foi a festa?

— Foi no mínimo diferente, eu diria... – respondi. – Aconteceram muitas coisas... que não deveriam ter acontecido.

— Hm... – ele olhou pensativo. – Sabe, eu e Cármen tivemos uma conversa ontem.

— Uma conversa sobre o que? – perguntei.

— Sobre você.

— Sobre mim? – Falei surpreso – Mas por que?

— Por que eu estive pensando em sairmos juntos hoje o que acha? – Ele tentou abrir um sorriso. – Não saímos juntos desde... nunca, acho.      

— Sair? Tipo... um dia de irmãos?

— É... Tipo isso.

— Mas... por que isso agora? Cármen não precisa de você...?

— Na verdade essa ideia foi dela.

— Dela? – Perguntei ainda mais surpreso.

Dan afirmou com a cabeça.

— Eu contei que estava me sentindo mal também por ter te tratado da forma como te tratei todos esses anos.... – ele suspirou. – Disse que estava arrependido e que queria me redimir de alguma forma... E ela sugeriu que fizesse isso o mais rápido possível para recuperar o tempo perdido.

Precisei de um tempo para digerir aquela informação. Dan estava arrependido? Queria mesmo se redimir? Então todo aquele papo que tivemos antes não foi só da boca pra fora?

— E então? – Ele continuou. - Você aceita?

— Bom... – pensei. – Você não é obrigado a fazer isso se não quiser... Não seria melhor ficar aqui com a Cármen agora...?

— Ela insistiu para que eu fosse. Também acho que quer ficar um tempo sozinha e... eu respeito isso. Além do mais... – ele sorriu. – Eu quero, mesmo, recuperar o tempo com você.

— Nossa... Isso é tão estranho. – Ri sem jeito. – Nunca pensei que você um dia diria isso...

— É, eu também não... – riu junto.

— Tudo bem, eu aceito... Mas primeiro, queria passar na casa da Jade pra ver se ela está bem.

— Aconteceu algo com ela ontem? – perguntou Dan, com certo interesse.

— Várias coisas... Mas acho que vai ficar tudo bem.

— Quer que eu te leve até lá?

— Uma carona não seria nada ruim...

— Ok... – ele pegou as chaves do carro. – Vamos nessa.

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  Dan estacionou na frente da casa de Jade e ficou me esperando no carro enquanto conversávamos.

— Sério mesmo que vocês ficaram depois limpando minha bagunça...? – ela falava envergonhada. – Acho que fico devendo essa...

— Não se preocupe, princesa... – sorri. – Todo mundo teve um pouco de culpa... Acho que a gente mereceu.

— Minha mãe por acaso desconfiou de alguma coisa? – perguntou nervosa.

— Não, mas... você sabe que não vai conseguir esconder isso dela pra sempre não é?

— Sim, eu sei... – ela suspirou. – Mas, vamos tentar esquecer disso por enquanto... Você vai ficar?

— Não, desculpa. Eu vou sair com meu irmão hoje... – falei apontando para o carro dele. – Acho que as coisas estão ficando melhores entre nós... Espero que não se importe.

— Claro que não, Gaah. Fico feliz por você. – ela sorriu - Eu e Megan também fizemos as pazes ontem, de certa forma...

— Sério? Que milagre.

— É... mas eu ainda tenho que me acostumar com isso. Ela ainda me empurra da cama enquanto dorme... - Rimos.    

— Ah, antes que eu me esqueça, tem mais uma coisa... – entreguei a ela o pacote lilás com um laço vermelho amarrado que havia levado para a festa ontem – No meio de toda aquela confusão, seu presente acabou ficando comigo...

— Estava com você? Estive procurando em toda parte...! – ela me deu um abraço, animada. – Achei que tinha perdido...

— Espero que goste. Não imagina o trabalho que tive pra fazer isso... – ri. - Eu adoraria ficar e ver sua reação ao abrir, mas realmente preciso ir agora. Não posso deixar meu irmão esperando mais...

— Tudo bem! Divirta-se! – ela me beijou. - Mas prometa me ligar mais tarde...

— Sim, sim. – Respondi dando outro beijo – Eu aí ligar mesmo de qualquer jeito.

— Até mais então.

— Tchau, princesa!

Ao perceber que eu estava voltando pro carro, Dan ligou o motor.

— Então essa é a Jade? – Ele perguntou assim que entrei. – Ela me parece um pouco familiar...

— Ela foi fazer um trabalho lá em casa mês passado, não se lembra?

Ele pensou um pouco tentando se lembrar.

— Ah, sim! Me lembro agora... mas naquele dia vocês não estavam brigando?

— Estávamos... – ri ao me lembrar – Brigávamos muito antes de começarmos a namorar...

— Que bom que as coisas deram certo então. Parece que você fez a escolha certa.

— É, parece que sim... – sorri.

O resto do nosso dia no shopping foi, impressionantemente, divertido. Dan e eu fizemos várias coisas juntos, e ele parecia também estar gostando. Na maioria das vezes eu só o via estressado e reclamando de tudo, e as vezes me esquecia de que tinha apenas vinte e seis anos. Eu não fazia ideia do quanto meu irmão poderia ser tão legal, se tentasse. Ele também parecia mesmo interessado em saber mais sobre mim. Me perguntou sobre como estava na escola, sobre meus amigos, sobre o que eu gostava e coisas assim.

Mais tarde eu liguei pra Jade e perguntei o que ela achara do presente. Para a minha surpresa, ela disse que ainda não tinha aberto.

— Ué, mas por que não?

— Porque quero abrir quando você estiver comigo! – respondeu. – Para que veja minha reação, não é isso?

— Realmente vai esperar por mim?  - Ri do outro lado da linha.

— Sim. E é melhor que você apareça logo, porque não sei se vou aguentar de curiosidade!

— Tudo bem, princesa, então amanhã cedo vou passar ai.

— Beleza, vou estar esperando. Boa noite!

— Boa noite, linda!

O presente dela realmente fora algo difícil de fazer. Gastei bastante tempo pensando em algo que a agradasse, mas que ao mesmo tempo fosse especial e único. Mas, acredito que o esforço tenha valido a pena.

Na hora do jantar, Cármen apareceu finalmente para comer conosco. Era estranho vê-la tão abatida, mas, considerando tudo pelo o que ela passou, era compreensível. Mesmo assim, ela tentava sorrir e perguntava como foi nosso dia. Ver eu e Dan juntos parecia faze-la se sentir melhor.

Eu só espero que com o tempo as coisas possam voltar ao normal. Ou melhor, talvez as coisas possam até ficar melhores do que o normal...