Pelos Olhos do Gavião escrita por Mayor Hundred


Capítulo 1
Deuses Quebrados


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/583656/chapter/1

O calor lhe incomodou a pele enquanto uma mancha negra se formava na camisa completamente branca e bem passada. Mordeu a língua tentando diminuir o volume do grito que se formava em sua garganta enquanto olhava para baixo, vendo o que acabou de fazer.

— Merda — reclamou. Bobbi riu, do outro lado do balcão da cozinha, mas ele não conseguiu achar humor algum naquilo.

— Vai trocar a camisa. Nós já estamos atrasados. — Como se já não soubesse.

Caminhou com pressa até o quarto, onde procurou por outra camisa e desta vez optou por uma gravata. Só tinha se esquecido de que nunca soube dar um nó. Ficou naquela briga com o acessório por alguns minutos, até que sua esposa apareceu.

— Clint Barton. Eu já vi você acertando uma flecha duma distância de cem metros, dentro de um helicóptero pilotado por Tony Stark. — Bobbi parecia um tanto a mais inclinada ao humor do que Clint poderia apreciar naquela manhã, mas foi forçado a mostrar um sorriso com o que ela dizia. — Nós dois sabemos que ele é virtuoso com a armadura, mas péssimo piloto. E, mesmo assim, você não consegue dar um nó numa gravata?

— Eu... ah, que droga. — Percebeu que suas mãos tremiam e arremessou a gravata para longe do pescoço, frustrado. Olhou para baixo. — Nós não precisamos ir — despejou, sentindo uma pontada de alívio com a ideia, mesmo que remota.

— Eu sei que as coisas foram confusas entre vocês. — Mesmo com a lembrança que aquilo remetia, Clint foi capaz de sorrir. Não com o que estava em sua mente, mas com as mãos de sua esposa que habilmente ajeitava a gravata em seu pescoço de uma maneira que mais parecia uma carícia. — Mas ela, além de tudo, foi nossa amiga.

— Eu te amo — sussurrou quando ela tinha terminado, e alcançou-a com um beijo enquanto Bobbi tentava dizer “eu também”.

Tinha lembrado então por que não gostava de usar gravatas. Elas apertam o pescoço. Não era nada confortável, e também não parecia assim tão elegante. Mas Clinton Barton era o tipo de cara que usaria jeans e camiseta em qualquer ocasião, então se conformara que não era nenhuma autoridade nesse quesito.

Alguns agentes os estavam esperando, do lado de fora. Em tempos de outrora, ele e a própria esposa tinham combatido crimes e participado de equipes que enfrentavam ameaças cósmicas. Mas o casamento o fez temer. Barbara tinha um quê de ofensa em seu tom quando Clint propôs que os agentes da S.H.I.E.L.D fizessem a segurança da casa deles no subúrbio do Brooklyn, mas ele não podia arriscar perdê-la. Foi incapaz de sorrir para os seguranças, mas acenou. Um deles, cujo não conseguia lembrar o nome, abriu a porta do carro para o casal e sentou-se no banco de motorista.

Passaram boa parte da viagem em silêncio, e Bobbi sabia que isso nunca era um bom sinal. Não vindo de Clint.

— Ei, vai ficar tudo bem — prometeu, encaixando os seus dedos nos espaços vazios da mão dele que repousava no banco. Ele a olhou por algum tempo, sem ter o que falar.

— É que é sempre tão estranho — respondeu depois de um bom tempo, apertando a mão da esposa.

— Chegamos. — O agente interrompeu qualquer chance de diálogo, desligando o motor e saindo do carro. Abriu a porta traseira e voltou em silêncio ao banco do motorista.

O lugar era bonito demais para ser um cemitério, mas Clint logo caiu no pensamento que a morte deveria ser exatamente daquele jeito. Pacífica, verde, silenciosa. Deveria, mas ele duvidava que fosse.

Aquela era a maior união de super seres que ele conseguia se lembrar. Alguns inimigos fizeram uma trégua temporária para comparecer. Charles Xavier conversava com o seu amigo de longa data, e também rival, Erik Magnus. Enquanto Logan se mantinha o mais distante possível de Victor Creed. Viu Nick Fury e Maria Hill em um canto e, nem mesmo ali, naquela situação, não estavam sem os seus aparelhos eletrônicos, coordenando um milhão de coisas. O Quarteto Fantástico era, sem dúvida, o grupo mais distante, mas mesmo eles estavam presentes. Notou Tony Stark ao lado de Thor, e, era claro, bebiam. Luke Cage, Jessica Jones, Danny Rand e mesmo Matt Murdock se encontravam em um lugar afastado de todo o resto.

Soltou a mão de Bobbi e a beijou na testa para se aproximar de um pequeno grupo que se formou perto do caixão. Eram, talvez, os seus melhores amigos ali. Steve Rogers, Logan, Peter Parker e Janet van Dyne. Aproximou-se com as mãos nos bolsos, um tanto sem jeito.

— Ei, Clint. — Janet o abraçou, e todos os outros o cumprimentaram em silêncio com um aceno na cabeça, com exceção de Parker que balançou o braço.

— Oi. — Se juntou ao luto em grupo, ficando em silêncio observando o caixão aberto.

Para muitos ela era conhecida como Feiticeira Escarlate. Para ele, só como Wanda. Estava bela. Tinha os cabelos castanhos bem arrumados, despida de maquiagem, e a boca em forma de coração repousava em paz tanto quanto os olhos fechados. Trajava um vestido vermelho que o lembrava bastante o uniforme antigo. Mesmo com a extrema tristeza que pesava em seu coração, foi capaz de sorrir.

— Vocês dois foram... — Peter, o mais jovem dali, tentou perguntar, mas se enrolou nas palavras. Tudo o que conseguiu foi fazer com que todo o grupo o encarasse.

— Sim — Clint respondeu, mostrando um breve e falso sorriso para o seu amigo cabeça-de-teia. — Por pouco tempo.

— Éramos tão jovens e ingênuos. — Aquela frase soou como se fosse de Janet, mas não demorou a perceber que veio do Capitão. — Vocês me deram tanto trabalho, Clint.

— Sim, demos. — Foi capaz de tossir uma risada e lembrar dos velhos tempos. Era, talvez, o único herói com antecedentes criminais e que questionava a liderança do Capitão. Depois de mais algum tempo em silêncio, percebeu a falta de duas pessoas. — Onde está Pietro? E... Natasha?

— Mercúrio simplesmente desapareceu um pouco antes da morte de Wanda. — O Carcaju canadense explicou. — Natasha foi enviada por Fury para encontrá-lo.

— Então eles sabem o que houve? — Eventos como aquele eram grandiosos, com grandes lutas que arrasavam bairros ou raios cósmicos descendo dos céus, não com um telefonema de Nick no meio da madrugada dizendo: Ei, amigão, sua ex namorada está morta.

— Eles não querem dizer. E quando eu digo eles, quero dizer Nick Fury. É, no mínimo estranho, Reed me contou que, quem quer que foi, a matou com um tiro. — Aquilo soou tão absurdo que Parker riu. Não demorou a perceber que não era uma piada quando todos estavam em silêncio, e então balançou a cabeça.

— Ela era a mais poderosa entre nós. Talvez de todos nós — Peter comentou. E aquele pensamento fez cada um daquele grupo pensar, em silêncio.

A integrante mais poderosa daquele super grupo, que já havia derrotado criaturas que não conheciam o conceito de finitude ou de morte, tinha morrido na noite passada. E até onde os outros sabiam, poderia ter sido um assalto qualquer. O Gavião Arqueiro sempre soube de suas limitações, e de quão estúpido parecia fazendo parte disso. Um humano com um arco e flechas ao lado de um deus nórdico. Mas, mesmo assim, nunca se sentiu tão vulnerável quanto naquele momento. Sentia o gosto, compartilhado por todos ali, de mortalidade.

O silêncio foi cortado por Logan, que resmungou no seu tom característico:

— Vivemos por tanto tempo como deuses que acabamos esquecendo que, no fim, somos todos mortais.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!