– A senhorita beijou vossa alteza, de fato? – fui questionada por minhas criadas logo após o jantar. Pelo visto, a notícia havia se espalhado mais rápido do que imaginei. Precisava esclarecer para algumas pessoas que aquilo era mentira o quanto antes. Provavelmente o assunto seria levado muito mais a sério do que imaginei.

– Não. – respondi, e pude ver a cara de insatisfação de Ang e Vell depois disso. – O que aconteceu foi que precisei mentir por causa de Margareth, que estava se vangloriando demais por um simples encostar de lábios. Não foi nada demais, e certamente o príncipe irá confirmar que eu o beijei, pois pedi que o fizesse.

– Não entendo. Légolas confirma que beijou a senhorita, mesmo sem tê-lo feito? – Ang perguntou enquanto penteava meus cabelos levemente, e preparava-me para dormir.

– É exatamente isso. Ele não levou a sério. Na verdade, achou até divertido. E eu pude alertá-lo sobre Margareth, não quero que ele se case com aquela moça completamente inadequada. – respondi enquanto fitava-me no espelho. Coisa que ultimamente tinha o prazer de fazer.

Ang e Vell entreolharam-se, desconfiadas. Ambas não sabiam esconder o que pensavam sobre tudo o que eu fazia, e eu era imensamente agradecida por isso, pois elas sim me pareciam com amigas que eu nunca tive.

– Podem dizer o que está passando ai em suas cabeças. – ordenei quando percebi que não falariam nada.

– Não acho prudente dizer, mas a senhorita precisa ouvir isso de alguém. – Ang encarava-me com aqueles olhos verdes esmeralda, e sorria sob a perspectiva do que estava por contar. – A senhorita está com ciúmes.

Ri diante àquilo. De onde minhas criadas tiraram que eu sentia ciúmes de Légolas? Éramos amigos, e não passava disso.

– Não estou com ciúmes, estou protegendo as outras garotas. Acho realmente que seja uma pena o príncipe... ter encostado seus lábios nos de Margareth primeiro do que qualquer uma delas, então inventei que fui a primeira, pois sabia que elas sim estavam se mordendo de ciúmes em seu íntimo. – conclui, dando com o assunto por encerrado. Mas minhas criadas ainda entreolhavam-se sorrindo, e pelo visto a situação ia muito além do que eu imaginava.

– Pois bem. – Dessa vez Vell começou, enquanto remexia nas poucas jóias que havia escolhido para usar durante toda a seleção. – E quem você indicaria para ser a primeira a beijar o príncipe.

– Ora essa! Aquela que ele mais gostar, óbvio. Mas que não fosse Margareth! – respondi, dando de ombros. Ele tinha a liberdade de beijar quem quisesse, afinal.

– Sigrid? – Vell perguntou.

Pensei um pouco. Definitivamente Sigrid não era a melhor opção.

– Não. Ela é muito orgulhosa também. – respondi, enquanto vestia minha leve camisola de seda.

– Katrin? – Vell continuava.

– Muito boba.

– Amber?

– Nem parece que gosta do príncipe.

– Jisel, Molly, Bren, Jesebel, Gill? – Ang perguntou dessa vez.

– Só tiveram um encontro com ele, e são bastante bonitas até. Mas acho que Légolas não gosta muito delas. Parecem mais enfeite para o palácio.

– Trinna, Victory, Helsen? – Ang fazia cara de deboche enquanto dizia os nomes das outras garotas.

– Um encontro também, mas Helsen pode até ser. É inteligente demais, e tem personalidade forte. Mas acho que ela também não está apaixonada por Legolas. Pra ter seu primeiro beijo, tem que ser alguém muito especial, não acham?

– Hangar? – Vell lembrou-se da última garota. Ela sim seria perfeita para Légolas. Acho que se pudesse indicar alguém, seria ela.

– Você... – Ang disse, enquanto chegava à minhas conclusões sobre se Hangar deveria de fato, ser a primeira.

– Eu? – me assustei com a pergunta dela. Sempre deixei tão claro que eu não tinha perspectiva de ficar com o príncipe, porque sempre insistiam com isso?

– Você está claramente com ciúmes. Sei que, aí dentro de você, está dizendo que nenhuma das outras garotas é a ideal para vossa alteza. Só você pode preencher esse espaço. – Ang dizia enquanto preparava minha cama.

– Por que insistem nisso? Porque acham que eu quero Légolas, quando deixei claro que não? – aquele assunto já me deixava muito nervosa.

– Perdoe-nos por sermos insistentes. Mas queremos que pense sobre isso, pelo menos até chegar uma conclusão clara: quem é a garota ideal no meio de todas as que sobraram? Se você chegar a conclusão que até agora nem você, nem o príncipe encontraram, é porque realmente não deveriam mais procurar, e olhar para vocês dois de modo diferente. – Ang aconselhava-me, enquanto apagava as luzes do meu quarto. Vell concordava com a cabeça, e ambas fizeram uma reverência antes de saírem.

Elas só podiam estar malucas! Eu não queria, de forma alguma, parar e ver Légolas como alguém que não seja apenas meu amigo. Ele era bonito e perfeito demais, mas não era pra mim.

Pra Hangar, talvez.

Veria isso mais tarde.

~***~

– Légolas, eu já disse que é você quem me conduz, não o contrário! – era a minha terceira bronca, o príncipe mais parecia uma mulher na hora da dança do que o homem que a comanda.

– Me perdoe, mas é que eu tenho medo de pisar em seus pés. Eles me parecem tão pequenos e frágeis. – Légolas disse, e não pude deixar de rir.

– Mas seu corpo é leve, não é? Quer dizer, a gravidade não é bem sua inimiga. Não vai me machucar. – disse, lembrando-o de que não faria mal se pisasse. Ele realmente parecia nervoso em me conduzir numa dança.

Estávamos no salão de música ensaiando pela terceira vez naquela semana. Faltavam apenas três dias para o ano novo, e Légolas parecia que não aprendia os passos de jeito nenhum.

Pela manhã, ensaiava as músicas escolhidas pelo rei Thranduil para a noite de festa, que sempre me acompanhava enquanto tocava. Ele adorava apenas sentar-se ao meu lado e ouvir, às vezes nem falava uma palavra sequer. Seu rosto permanecia rígido por causa da discussão que tivemos, e tive certo receio quando o vi parado diante mim mais uma vez ali, enquanto eu tocava o seu piano. Mas o rei não fez nada, muito menos esboçou um pedido de desculpas. Apesar de ter me acostumado com a sua forma rude e a sua presença quase constante, eu o temia muito por estar sempre de cara fechada.

Thranduil não era fácil de agradar, mas gostava de quando eu estava no salão tocando.

À tarde o príncipe aparecia para as aulas. No início, eu o tomei para ser o par feminino para ele aprender os passos, mas quando troquei, deu tudo errado. Eu e ele nos entrelaçamos e caímos por estarmos fazendo as mesmas coisas – o que foi bem engraçado, confesso.

– Talvez se você cantasse, eu saberia bem o ritmo. – Légolas disse, mas aquilo não era de fato necessário. Ele só precisava de mais um pouco de treino, e estava bem para dançar com as garotas no ano novo.

– Talvez eu deva te mostrar os passos que o homem, no caso vossa alteza élfica, tem que fazer. – disse, querendo guardar minha voz em especial para a noite de festa.

– Mas eu nunca a ouvi cantar. Ada disse que você tem uma voz magnífica. – o príncipe disse encarando-me com o sentimento de súplica na voz.

– Ok, alteza. Mas te ensinarei os passos que deve fazer, e não sei se consigo cantar e dançar ao mesmo tempo. – esclareci. Aquela situação era novidade para mim, e realmente não sabia se conseguiria fazê-la. – Não cantarei as músicas que seu pai me pediu.

– Tudo bem. – Légolas disse, enquanto voltava para o meio do salão. Tomou posição para ver-me ensinar os passos mais uma vez, enquanto ia até o piano para dar os primeiros acordes da música, já que não contava com a ajuda de ninguém mais.

Ajeitei meu vestido. Nessa tarde Ang escolheu a cor rosa intenso, que eu nunca havia usado em toda a minha vida.

Posicionei-me diante o piano ainda de pé, pois só precisava da introdução de suas notas para cantar e mostrar os novos passos.

– Fique de olho. – disse ao príncipe, que parecia ansioso pelo que eu cantaria.

A música escolhida era uma de minhas favoritas no momento, e não via problemas dela se tratar de amor.

Parada é a vida

do seu quarto quando

você não está dentro dele

Comecei a cantar devagar, enquanto tentava me posicionar para mostrar os passos para o príncipe que me olhava com muita atenção.

E todas as suas coisas

Contam a história mais doce

Suas lágrimas nesses lençoís

E seus passos no saguão

Então me diga o que eu fiz

Eu não consigo achar o momento onde tudo começou a dar errado

Légolas sorria enquanto tentava me concentrar em dançar e cantar ao mesmo tempo. Foi muito complicado para mim. Os passos de valsa condiziam com a letra lenta da música, mas eram dados com cuidado para não errar.

Você pode estar brava pela manhã

Eu retirarei o que eu disse

Só não me deixe aqui sozinho

Está frio, amor

Volte para a cama

Chamei Légolas para mais perto de mim. Precisava se concentrar mais nos passos que eu fazia, do que a música que cantava.

Ele chegou bem perto, e tomando-me pelos braços tentou fazer o mesmo que eu, acertando de primeira e passando a me conduzir devidamente.

– Não pare de cantar, por favor. – O príncipe pediu, enquanto concentrava em seus pés.

O que isso vai resolver?

Você sabe que você não perdoa rápido

E eu não dormirei assim

Eu sobrevivo com o suspiro com o qual você terminou

Você pode estar brava pela manhã

Eu retirarei o que eu disse

Só não me deixe aqui sozinho

Está frio, amor

Volte para a cama

Volte para a cama

Volte para a cama

Volte para a cama

Você pode estar brava pela manhã

Ou então pela tarde

Mas não me deixe

98 e 6 graus separados de você, amor

Volte para a cama

Volte para a cama

Volte para a cama

Porque você não volta para a cama?

Enquanto cantava, Légolas conseguia me conduzir com perfeição. Finalmente algo estava dando certo, afinal. Ele estava pronto para dançar com qualquer garota, se não se deixasse esquecer.

Ele sorriu enquanto eu repetia por diversas vezes: volta para a cama, volte para a cama, como se aquilo fosse realmente um convite de minha parte. Escolhi a música errada, pro momento errado. E percebi quando os olhos dele brilhavam enquanto dançava, já sem olhar para o chão.

Légolas segurava minha cintura com firmeza. Seu corpo era perfeito para dança, assim como o de todos os elfos por serem leves e habilidosos. Pensei que, talvez, Légolas estivesse fazendo hora comigo, e que talvez já soubesse dançar há muito tempo.

Não prensa o seu amor sobre a minha cabeça

Volte para a cama.

A música acabou e fomos parando aos poucos, os olhos do príncipe cravaram-se nos meus, e uma onda de arrepio tomou meu corpo por completo quando o percebi morder os lábios.

Légolas sentia o desejo de me beijar, e pude sentir o calafrio percorrer-lhe o corpo também, que estava ainda mais próximo do meu enquanto suas mãos me puxavam, sem perceber, para si.

Fui me rendendo aos poucos, sentindo minhas pernas tremerem e entregar meu corpo por completo naquele momento. Eu só podia estar mesmo com os sentidos mortos para deixar aquilo acontecer.

– Acho que não precisa mais dizer aos outros que sua mentira foi inventada num momento de raiva por Margareth. – Légolas disse, e despertando-me um pouco.

Antes mesmo de me perguntar o que ele estava querendo dizer, um último puxão foi dado. Senti minhas pernas sendo levantadas de repente, e meus lábios encontrarem-se com os dele num momento de puro prazer. Meu corpo inteiro estremeceu.

Minhas mãos suavam.

Minha cintura se soltava por completo.

Meus olhos se fecharam.

E pude finalmente conhecer aquilo que eu havia dito que era como o céu.

E o beijo dele realmente era tão perfeito quanto.