Aos olhos da guerra escrita por maddiesmt


Capítulo 8
Cap 7- Revelações


Notas iniciais do capítulo

Ja q vcs tão ai esperando império ou, como eu gosto de pensar, fazendo outra coisa q n seja esperar império.( eu so vejo pra xingar no twitter,....sim sou dessas)...q tal um capituluzinho de leve?
Olha ele ta bem transitório msm...mas espero q gostem! bjss!!



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Os raios do sol acordavam uma cidade devastada. A tímida luminosidade passava pela fresta da janela e deixava claro que mais um dia havia surgido. Ela não se atreveu a olhar para fora. Tinha medo do que encontraria por ali. Não que imaginasse o que a esperava fora daquela fortaleza que construiu em apenas 24 horas, mas era por não saber o que a aguardava que ela não se atrevia a tocar nas cortinas de veludo vermelho.
Gina acompanhou todo o movimento da natureza apenas por essa pequena fresta. Admirou a luz da lua até notar que ela ficou alta o suficiente para que diminuísse de intensidade. Seguiu essa pequena rotina de observar a troca de luzes e astros e não dormiu quase nada. Sabia que o corpo precisava de descanso, apesar de ainda não saber como, exatamente, tudo aconteceu. No entanto, a mente não a deixava repousar.
Enquanto estava acordada tudo o que podia fazer era tentar compreender a foto que estava presa em seu colar e quando tentava dormir, era bombardeada por sonhos desconexos. Não sabia se eram realmente sonhos ou se eram memorias perdidas. Naquele estagio em que se encontrava, não tinha certeza de mais nada.
Suspirou profundamente pela quinta vez desde que acordara a alguns minutos atrás e, quando deu por si, sua mão ja estava fixa no camafeu, novamente.
O largou rapidamente, como se estivesse quente e sua pele tivesse sido queimada. Observou o colar balançar enquanto voltava para o lugar de sempre: no seu colo, quase que perto do coração.
Precisava de respostas e não estava obtendo muitas ultimamente.
Tirou os olhos, brevemente, do colar e os repousou na luz que vinha do lado de fora.
Será que era isso mesmo? Era casada? E com o engenheiro arrogante filho do homem que foi inimigo politico de seu pai por tantos anos? Não...não poderia ser...Isso seria impossível?! O coronel nunca iria permitir! Ela nunca iria permitir.....ou será que ia?
Mas se não fosse verdade, por que, então, ela carregava no coração aquela foto? E que foto mais sem cabimento era aquela? O preto e branco da fotografia deixava claro que seu vestido era claro...parecia branco...mas ela não queria acreditar que fossse o que estava pensando. Se realmente estava casada, por que não se lembrava? Será que era ruim estar casada com Ferdinando? Mas ela parecia tão feliz na foto.
Gina piscou algumas vezes até que deixou as mãos abraçarem a cabeça e se curvou na cama em posição fetal. Aquela que toda criança fica quando tem medo de monstro e que todo adulto sucumbe quando tem medo da realidade.
Tentou o exercício de respiração que o doutor Renato a havia lhe ensinado e se preocupou em inspirar e expirar o ar de forma lenta e profunda.
Sentia o ar entrar em seu pulmão, invadindo suas narinas, percorrendo os caminhos até os alvéolos e depois ser liberado, delicadamente, pelas sua boca.
Passou alguns minutos naquele respirar controlado até decidir que o melhor mesmo era perguntar para alguém que sempre esteve próxima a ela. Alguém que não mentiria e que, provavelmente, teria testemunhado qualquer coisa que tivesse feito nesse meio tempo de perda de memória.
Vagou solitária pelos corredores da casa. A bagunça ainda estava ali porém um pouco mais arrumada do que lembrava. Reparou na quantidades de portas fechadas e percebeu que encontrar Juliana não seria uma tarefa tão fácil como pensava ser.
Notou que o quarto ao lado do seu era o único que se revelava por uma pequena fresta de porta destrancada. Engoliu em seco. Sabia quem estava ali. Não tinha duvidas de que, do jeito insistente que era, o engenheiro faria questão de ficar o mais perto possível dela.
Não sabia direito identificar o alivio que lhe aquecia o coração. Ela estava mesmo satisfeita em saber que ele era tão zeloso assim por ela? Não...não poderia ser...ele so queria se aproveitar. Era isso o que ele era. Um aproveitar e mentiroso. Tentava ,em vão, repetir essas definições dadas ao rapaz que dormia em um sono agitado.
Ela se aproximou um pouco mais e ralhou com os próprios pés que forçavam esse encontro inútil. Ela ja sabia o que ele iria falar se a encontrasse ali, acompanhando de perto seu momento mais intimo. O de perda total de consciência.
Levou as mãos a porta e a abriu um pouco mais. O que diabos estava fazendo? Será que tinha perdido o controle do corpo? Balançou violentamente a cabeça na tentativa de dispersar os pensamentos.
Notou que ele se mexia bastante e relutou para não ir la e livra-lo do que quer que o estivesse perturbando.
Não estava exatamente quente mas ela podia observar que o corpo do rapaz estava coberto de suor. Na certa ele ja estava se mexendo a algum tempo. Passeou os olhos sobre o peito desnudo e desejou poder ir além das cobertas que o cobriam a partir da cintura. Reparou que a pele branca de marfim dele contrastava com os hematomas ainda evidentes. Marcas que enchiam seus olhos de lágrimas desconhecidas. Estava realmente aflita e não sabia o porque.
Calou a mente e deixou que o corpo a conduzisse em direção a ele.
O quarto era iluminado apenas pela luz que vinha do corredor e ela pode ver as caretas que ele fazia enquanto dormia. A respiração estava claramente alterada e parecia difícil.
Ferdinando começou a se debater de maneira mais violenta por sob a cama e Gina não teve mais duvidas. Atirou-se em sua direção, ajoelhando-se no chão e depositando as duas mãos no rosto dele.
–Shhhhiii...- a ruiva imitava o mesmo barulho que a mãe fazia quando ela era menor e se desesperava por algum motivo.
–Vai ficar tudo bem- garantiu mais por força do habito e das palavras do que por realmente acreditar que tudo ficaria bem, afinal, ela não sabia direito o que era ficar bem.
O jovem pareceu sentir o contato dela e tornou a se acalmar. A respiração continuava forte e a moça percebeu que a pele dele fervia sobre a sua.
Arregalou os olhos quando o ouviu murmurar palavras inaudíveis até que identificou o seu nome em meio a elas.
–Gi...Gina...Gina...- a voz estava fraca e entrecortada. Ele estava delirando...e estava delirando com ela.
O rosto, que estava vermelho pela febre, revelava que o sofrimento ainda não havia acabado e que perder a calma seria questão de tempo.
–Gina...
–Ferdinando...acorde...- a ruiva ainda estava com o rosto dele nas mãos e agia automaticamente, fazendo círculos com os polegares na pele quente da face.
Foi quando ele puxou o ar pela segunda vez de forma forte e quase desesperada, que ela desistiu de ser controlada.
–Eu vou buscar ajuda...oce...oce não se preocupe.
Por que ela estava fazendo tudo isso? Por que se importava tanto? E por que motivo ela estava no começo da manhã, vestida com nada mais do que uma camisola fina coberta por um roupão de seda, e no quarto que pertencia a Ferdinando? Nenhuma dessas perguntas interessava no momento. A única resposta que queria era: onde se encontrava o doutorzinho quando se precisava dele?
Saiu pelos corredores abrindo as portas dos quartos até que achou Renato descansando no sofá da sala. Aparentemente, os quartos não eram infinitos naquela casa.
–Renato! Acorde!- estava aflita mais não significava que tinha se tornado delicada. Empurrou o medico com uma força desmedida e o viu cair no chão da sala com a cara assustada.
–Gina! O que esta acontecendo?- a voz rouca e as mãos na cabeça denunciavam que o sono fora interrompido abruptamente e um galo se formaria brevemente em sua testa.
–É o Ferdinando!
Ela não precisou falar mais nada. Ambos partiram rapidamente para o quarto do engenheiro.
Depois de uma rápida avaliação o médico preparou algumas compressas com agua gelada e pegou, do estoque que tinha conseguido do hospital, alguns antipiréticos para o amigo.
Gina observava tudo atentamente e ajudava o médico a colocar e a trocar as compressas no corpo do rapaz.
Depois de algum tempo nessa rotina de água fria e silencio, Renato notou que a febre havia passado e orientou que ela ficasse calma e que descansasse ja que não precisava mais de sua ajuda.
–Mai oce pensa que eu vou ficar parada?!
–Gina, minha cara, oce não pode se estressar lembra? E se alguma coisa acontecer com você...esse meu amigo aqui me mata!
–Mata nada!
–Ahh mata...
Ela bufou e continuou la. Passava a toalha molhada no corpo do rapaz que agora repousava calmamente. Era quase familiar a maneira como as mãos dela ja sabiam cada traço do corpo do engenheiro. Cada musculo bem definido, cada sinal e cada caminho proibido. Observava atentamente aquele corpo bem estruturado e ficou imaginando como sabia o que encontrar cada vez que passava a toalha pelos braços e peito do rapaz.
Renato notou que a confusão nos olhos dela só fazia aumentar...e realmente desejou que tudo se acertasse logo, apesar de suas experimencias médicas, lhe afirmarem que apenas o tempo iria ajuda-los nessa recuperação. Isso se um dia conseguissem se recuperar de tudo.
–Você não tem noção nenhuma ne?!- o médico deixou que a pergunta inundasse o local e notou que mesmo indagada, a moça não tirava os olhos do amigo febril.
–Noção de que?
–Do quanto ele é apaixonado por você.
Ela calou. Não. Ainda não estava pronta pra acreditar nessa realidade.
Decidiu que aquele era o momento de seguir os conselhos do médico e se retirou.
Voltando a missão de procurar a amiga e esquecer o incidente que a fez quase enlouquecer.
*
Juliana abanou as pestanas negras e tentou focalizar a imagem do perturbador dos seus sonhos.
Identificou os cabelos cor de fogo e os olhos castanhos fixos em sua face.
–Gina? – as imagens se juntaram com lembranças e ela rapidamente se arrumou na cadeira em que estava dormindo tomando cuidado para sussurar suas duvidas a fim de não acordar o marido que repousava na cama ao lado. - O que você esta fazendo aqui? Você está bem?
A ruiva apenas acenou em afirmação e murmurou
–Eu...- ela agarrou novamente o colar e , inconscientemente, deixou que os dedos brincassem com o objeto nervosamente.- Eu....posso falar c’ôce?
Juliana pensou na quase ameaça do amigo e balanceou a vontade própria de falar com a amiga que quase perdeu. Aliada a tudo isso tinha aquela suplica simples dela que significava mais do que apenas uma demanda...significava um pedido de ajuda...e ela não iria negar.
–Acho que tudo bem...-a professora olhou o marido mais uma vez e propôs que mudessem de lugar. - Mas vamos sair daqui.
Gina seguiu para o quarto sendo acompanhada de perto por Juliana. No entanto, antes que chegassem ao destino, diminuiu a velocidade e lançou um longo olhar no comodo que estava até poucos minutos atrás. Viu que Renato ainda estava por la mas parecia analisar os estragos pela janela enquanto Ferdinando continuava dormindo, dessa vez, serenamente.
Entrou no quarto que ocupava, sentou-se na cama e se manteve calada. A amiga trouxe a cadeira da penteadeira, esquecida no canto do quarto, para próximo da moça e continuou esperando que a mesma falasse alguma coisa. Não forçaria nada. Apenas daria a ela o tempo necessário para desabafar, como sempre fazia.
Depois de alguns longos minutos, os dedos de Gina abriram, quase que involuntariamente, o camafeu e os olhos dela mergulharam na imagem presa ali.
Juliana, após essa breve viagem individual, pode entender melhor o assunto da conversa que teriam.
A ruiva percorreu os dedos em cada detalhe do colar, como havia feito varias vezes desde que se lembrava. Não sabia como ele havia parado em seu pescoço, apenas sentia que o sentimento de te-lo era reconfortante o suficiente para sempre se agarrar a ele quando precisava de consolo.
–Ela parece feliz.- a voz estava mais fina do que esperava e até ela se surpreendeu de ter revelado seus pensamentos em voz alta. Corrigiu-se ao perceber que, agora que ja tinha o feito, precisava ter a coragem de admitir que era ela mesma naquela foto.- Digo...eu pareço feliz. Eu era feliz Juliana?
–Era- Juliana sorriu e disse calmamente. Ela tinha o rosto complacente e a voz acolhedora de sempre e era isso que Gina precisava. Precisava de alguma lembrança de casa para se sentir em uma.
–E a quanto tempo eu era feliz?
–Desde que a conheci.
–Não. Eu me refiro a ele.
–Ao Nando?
–Sim.- ela fez um bico de quase choro com os lábios e aproximou a imagem do rosto como se estivesse analisando cada detalhe e verificando sua veracidade. Ambas sabiam que aquele ato era apenas uma fachada para esconder as possíveis lágrimas.
–Bom, vocês começaram a namorar no inverno. Mas se você for contar o tempo de casados isso ja tem quase 3 meses. Na verdade nosso aniversário de casamento deve ser daqui a alguns dias se meu calendário mental não estiver errado.
–Nosso?
–É...nós casamos no mesmo dia. Você com o Nando e eu com o Zelão.
–E foi...foi bonita a cerimonia?
–Foi a coisa mais linda Gina. Todo mundo se emocionou, a cidade tava toda enfeitada. Nós fomos muito felizes aquele dia. Na verdade, estávamos sendo muito felizes até essa guerra estourar.
–Eu queria lembrar- ela não tirava os olhos do foto e franziu a testa em um esforço para retomar a memoria.
–Não se preocupe. Eu sei que você vai conseguir. Apenas tente não se estressar muito com isso. Afinal, acho que memória é uma daquelas coisas que você recebe de graça e não precisa se esforçar para te-la. A informação ta ai e vai aparecer quando você menos esperar.
–Eu quero acreditar nisso
–Então acredite.
–Mas Juliana?
–Sim?!
–Eu não consigo imaginar uma vida com o Ferdinando! Ele é tudo o que eu não quero nessa minha vida!. Meu lugar e no sitio, com o pai e com a mãe. Ajudando na lida. Eu nunca que pensei nessas coisas de casamento.
A professora riu. Definitivamente aquela Gina não fazia noção do que estava falando. Dentre tantas personalidades e mudanças sofridas por ela, essa em particular, era a mais teimosa. Aquela que negava um sentimento ja instalado no fundo do peito.
–Mas você não parou de ajudar seus pais depois de casada. Na verdade, você e Ferdinando fazem um trabalho maravilhoso nos trigais de Santa Fé. Uma hora no sitio do seu pai, outra hora no sitio do seu sogro. Vocês são donos de metade da cidade agora, e cuidam muito bem dela.
–Sogro? Oce ta falando do coroner?- ela tirou os olhos da imagem pela primeira vez desde que começaram a conversar. Arregalou os olhos na direção da amiga e não escondeu a surpresa.
–É Gina...por acaso o Ferdinando tem outro pai?
–Não....não...mas deve ta acontecendo alguma coisa errada! Aquele um nunca que iria permitir que outra pessoa triscasse no trigal dele. Ainda mais eu! E além disso, ele nunca que ia permitir um casamento entre eu e o filhinho queridinho dele. Até por que eu nunca iria aceitar.
–Mas você aceitou e ameaçou até fugir caso seus pais não deixassem você noivar direito na sua própria casa.
O queixo da ruiva caiu. Como tudo aquilo era possível? Nunca iria abandonar os pais ou fazer uma ameaça absurda daquelas. Se Juliana estivesse certa, ela deveria mesmo amar por demais aquele engenheirinho. Mas não podia ser verdade. Como ela iria se apaixonar por um vizinho arrogante daqueles?!
Juliana continuou respondendo calmamente as perguntas que lhe eram feitas. Não ousou causar um mal estar maior e acrescertar o que não era lhe perguntado. Apenas seguiu o ritmo que a mente da amiga tinha imposto e tomava cuidado com as palavras que usava, os fatos que revelava e os que ocultava.
*
Ferdinando sentia o corpo todo gritar. Fez uma careta de desagrado e abriu os belos olhos azuis para a pouca claridade do quarto.
–A bela adormecida acordou!- Renato ria e ia em direção ao amigo
–Ocê não brinque, meu caro, porque parece que uma manada inteira de filhotes de elefante passaram pelo meu corpo.
–Eu não duvido...afinal você passou uma noite complicada.
–E eu posso saber por que? Eu so me lembro de uns pesadelos muito ...- ele engoliu em seco, piscou os olhos longamente e balançou um pouco a cabeça dolorida.- muito ruins.
–Parece que ninguém dessa casa me ouve quando eu peço para não fazerem esforços! Eu te ressuscitei Ferdinando! E o que você faz? Você carrega a Gina no colo! Corre atrás dela, não descansa direito esperando que ela se lembre de tudo... Eu não o estou condenando, longe disso, acho que também faria o mesmo. Mas eu lhe peço para, pelo menos tentar, cuidar mais de si e evitar esforços.
O engenheiro ouviu com atenção mas decidiu que não se arrependeria de nada.
–Eu juro que vou tentar, meu amigo, mas é que você sabe o quanto isso esta sendo difícil pra mim.
–Eu entendo meu amigo, mas vamos ser um pouco racionais. Com essa confusão toda e a sua teimosia, o seu corpo, que precisava descansar, acabou reagindo mal a todo esse esforço. Veja, quando ja temos algum tipo de fragilidade e nos estressamos ainda mais, nosso sistema imune, que ja esta trabalhando para nos recuperar ,acaba decaindo. Existe uma relação muito forte entre a saúde da mente e a saúde do corpo. Essa febre que você teve agora foi em decorrência a essa imunodesregulação. O estresse foi tão grande que enviou informações para o corpo que tentou se proteger desencadeando assim uma febre emocional. Se eu não fosse medico diria que você tem o sistema imune de uma mulherzinha, mas como eu entendo o que esta se passando apenas peço para que se cuide mais.
–Mas Renato, é a minha mulher que está ali, no quarto ao lado. Ela precisa de mim Renato!Ela precisa se lembrar!
–Você, morrendo em decorrência de uma teimosia, não vai ajudar em nada nessa recuperação.
–Você me entendeu meu amigo.
–Ferdinando, eu não vou lhe mentir. O estado da Gina é complicado e devemos dar uma atenção especial a isso, até porque, nós dois sabemos que a sua mulher não é a pessoa mais calma do mundo. Ela é tão teimosa quanto você, na verdade, acredito que ela pode ser ainda pior.
O engenheiro sorriu ao lembrar de como amava aquela teimosia toda e o quanto teria trabalho com aquela adorável rebeldia.
–Mas eu não entendo Renato. Como ela lembra do Viramundo...mas não lembra de estar casada comigo?!
–As origens da amnésia ainda não são tão conhecidas meu amigo. Só o que posso lhe dizer é que o tipo de amnesia que a Gina tem é do tipo retrógrada. Ela não lembra de nada que tenha acontecido antes do trauma, até certo período de tempo. No caso o tempo escolhido pela mente dela, é o que ela se sentia em conflito. A razão não é conhecida e nem relevante. A mente humana tem dessas de não dar explicações mais claras. O que podemos fazer é calmamente lembra-la do que ela era. Não digo jogar as informações como se fossem peças de quebra cabeça, mas sim ajuda-la a montar esse quebra cabeça. Nos basta apenas responder as perguntas e, vez ou outra, adicionar um detalhe que estimule a volta dessa memória. A...sim...e é claro...evitar estresses ou informações muito pesadas.
–Você está falando do bebê?
–Principalmente do bebê.
–Eu não iria falar...não sou louco. Mas a Juliana ja sabe disso?
–Eu tomei o cuidado de explicar a ela, vendo que era mais fácil a sua esposa recorrer a ela do que a você, devido a esses estado de recusa.
–Eu não quero nem pensar no dia que ela descobrir o que perdemos. Meu amigo, me diga a verdade... Você....Você acha que ela vai lembrar? De tudo?
–Eu não sei meu amigo...eu sinceramente não sei.
*
Zelão acordou para a realidade da vida imóvel. Era tão estranho abrir os olhos e não sentir as pernas esticarem. Era quase como se não tivesse acordado ja que não conseguia se espreguiçar direito. Viu que a cadeira ao seu lado estava fazia e decidiu que teria que se virar para conseguir sentar. Tentou forçar os braços mas caiu na cama. Aparentemente o buraco no seu ombro, que fora recentemente fechado, ainda continha pontos que poderiam se desfazer a qualquer momento. Suspirou em claro sinal de frustração. Sempre fora tão independente na vida e se recusava precisar de ajuda para sentar na cama. Respirou fundo mais uma vez e forçou-se para cima novamente dando um grito abafado de dor quando sentiu o corpo reclamar.
–Zelão?!- a voz do violeiro chamou a atenção do capataz, que tornou a cair na cama.- Deixe que eu lhe ajudo homi.
–Não carece não Vira.
–Ara...pare de bestage, não me custa nada e pelo o que o doto Renato disse, ninguém nessa casa pode fazer força e isso inclue ocê.
–Esse dotorzinho, mal apareceu e ja ta pensando que pode mandar em todo mundo – o rapaz falava enquanto Viramundo o ajudava a se sentar.
–Ocê sabe que isso é uma injustiça Zelão. Sei que oces tem la as suas inimizades mas oce tem que concordar que ele salvou todo mundo aqui.
–Oce ta certo Vira. Eu num quiria ademitir...mas oce ta certo.
Ja devidamente instalado, Zelão tornou a olhar pelo quarto, nada evidenciava a presença dela, a não ser pelo cobertor jogado na cadeira.
–Essa casa ta muito silenciosa.
–Eu acho que a Gina ainda não acordou- Vira riu insinuando a enorme expansividade da amiga mas não lembrou que os caminhos na mente de Zelão evidenciariam outra fuga da namorada com a constatação de que a ruiva ainda estava dormindo.
Era bem verdade, e ele sabia, que o amigo Ferdinando não estava falando com a professora. Também notou que, se era mesmo verdade que Gina estava dormindo e, como Viramundo estava na sua frente o ajudando, Juliana, então, so poderia estar na companhia de uma pessoa naquela casa.
Balançou a cabeça rapidamente, tentando afastar os cenários que havia elaborado no pouco tempo de assimilação da informação.
Queria acreditar que a moça estava no banheiro, ou na cozinha e acima de tudo, queria acreditar que ela estava sozinha.
–Oce tem noticias do patrãozinho e da Gina?- ele tentou fugir. Escapar do assunto de alguma forma.
–Eu só sei que a Gina ta fugindo dele como diabo foge da cruz.
–Isso deve de ta acabando com ele.
–Isso eu concordo até porque das vez que eu passei por ele ou tentei ajudar ele acaba me olhando como seu eu fosse algum tipo de ameaça.
Zelão tinha esquecido dessa personalidade ciumenta do amigo e principalmente da fase em que ele tinha razões para te-la.
–Mas ele não tem razão nenhuma né Vira?
–Claro que não! Ara...eu amo a minha Milita Zelão e a Gina é como que nem uma irmã pra mim. Eu acho isso tudo uma bestagem mas, me colocando no lugar dele, eu também ficaria inseguro. Deve ser difícil ver o nosso grande amor rejeitando a realidade. Eu não sei o que faria se a Milita me esquecesse. Oce ja pensou em coisa pior que isso?
– Já....já pensei sim. Até por que o amor verdadeiro a gente reconquista. Não é que nem os movimentos das pernas.
– Ocê me desculpe Zelão. Eu não queria...- O rapaz tentava, de algum modo, amenizar a situação constrangedora.
–Não se preocupe Vira. Ocê não tem culpa de nada.
Viramundo prestou mais atenção nas expressões do capataz. Ele estava serio e os olhos brilhavam com a proximidade de algumas lágrimas teimosas. Sabia que o rapaz não iria se permitir tamanha fragilidade na sua frente e resolveu que o melhor mesmo era cuidar dos seus afazeres.
–Bom, eu vou tentar fazer um poço atersiano aqui no jardim. Sabe como é, com essa guerra, foi até de se admirar as tubulações e a reserva de água terem resistido tanto. Qualquer coisa oce grita.
Viramundo sabia tão bem quanto Zelão que essa ultima frase era inútil. Ele não iria gritar. Não iria admitir dependência.
O violeiro estava quase na porta quando ouviu a voz embargada do amigo.
–Ieu gostaria muito de lhe ajudar Vira.
–Não se preocupe! Eu fazia uns desses la na fazenda do meu pai. Eu sei me virar e além disso acho que sua acompanhante iria gostar de ter uns minutinhos c’ocê.
O rapaz se retirou e Zelão pode ver a figura de um anjo se aproximar da cama.
–Bom dia meu amor! Me desculpe! Não era minha intenção demorar tanto. Você está bem? Precisa de alguma coisa?- o sorriso dela era tão doce que o fazia culpado da estupidez que se seguiu.
–Juliana...oce pode parar de me tratar como se eu fosse uma criança?
Não sabia ao certo se era essa sensação de inutilidade, de dependência ou se era o ciúme que ainda latejava forte no seu peito.
A moça respirou fundo e decidiu ignorar.
–Bom, ja que não precisa de nada, eu vou preparar um café da manhã maravilhoso pra gente, tudo bem?!- ela não deixou que ele confirmasse apenas seguiu apressadamente para a cozinha na esperança de que ele não visse suas lágrimas.
*
Gina girava o anel em seu dedo. Parecia até uma especialista capaz de descrever a peça em valores monetários. Sabia que devia ter valores sentimentais incalculáveis. No entanto, não se lembrava deles.
Como não tinha reparado na aliança antes? Ela repousava tão naturalmente em seu dedo que nem parecia que estava ali.
Sabia, agora, que a realidade era bem diferente do futuro que tinha planejado. Embora não tivesse descartado possibilidades desde que um certo engenheirinho apareceu em sua vida.
Balançou a cabeça fortemente. Não! aquilo tudo era uma loucura! Precisava voltar pra casa! Precisava entender como chegara até ali! Em um ponto sem volta e sem lembranças.
Esperava que a conversa com Juliana a trouxesse alguma memória perdida. Mas tudo o que tinha conseguido era organizar cronologicamente os acontecimentos. Não necessariamente em lembranças, mas sim em esquemas que a ajudariam de forma mais prática.
Sabia que era casada, apesar de não concordar que um dia fizera isso.
Sabia que era feliz, apesar de não compreender como conseguia ser feliz com Ferdinando.
Sabia que era apaixonada por ele, apesar de duvidar muito que conhecesse a palavra amor. No entanto, por tudo o que a amiga descreveu. Ela so teria tomado aqueles atos drásticos de ameaçar fugir de casa, enfrentar o coronel e ir pra guerra, se realmente amasse alguém...como seu antigo eu parecia amar Ferdinando.
A duvida que lhe aflingia no momento era: Daria a ele a chance de faze-la lembrar? Ou rejeitaria um passado desconhecido e construiria um futuro novo?
*
Juliana e Zelão comiam em um silencio impraticável. Ela insistiu em lhe oferecer o café na cama e em faze-lo aceitar as garfadas que oferecia.
Parecia que a cada ato bondoso e gentil dela o fazia mais culpado de ter chegado a conclusão do fim próximo.
Ele se sentia uma criança sendo alimentado na boca pela mãe. Ou pior, um invalido recorrendo a generosidade de sua enfermeira.
Viu o próximo garfo com uma pedaço de manga se aproximar e virou a cara, recusando-o silenciosamente.
–Você não quer mais? Que tal um pouco de pêssego?
–Ja chega Juliana.
–Tudo bem. Sem pêssegos então.- ela pousou a comida na mesa perto da cama e voltou para o carinho que fazia antes de começarem o desjejum. Passava as unhas,agora mais curtas e sem tintura, nos braços do amado....como se penteasse os ralos pêlos presentes ali.
–Zelão...meu amor me conte o que está acontecendo? Eu sei que tem alguma coisa errada ai dentro que você não ta querendo me contar.- ela apontou para o peito nu do marido e deixou a mão repousar no coração.
–Não é nada Juliana!- o capataz tirou a mão da esposa de forma delicada. Não queria que ela sofresse...mas temia que não teria outro jeito.
Ela o olhou com reprovação. Sabia que estava mentindo mas também aprendera a não forçar nada. Pressionar so a faria detestar o que ouviria. Afinal, quando se esta sob pressão, não se medem palavras e atos.
–Zelão. – ela repousou as duas mãos no rosto do amado e olhou nos seus olhos. O viu desviar do seu olhar mas resolveu continuar mesmo assim- O que quer que você esteja pensando...saiba que eu nunca...nunca vou te abandonar. Eu te amo! E não vai ser uma fatalidade que vai me fazer desistir do nosso amor.
–Juliana eu..
–Não diga nada...- a moça engatinhou na cama e ocupou o seu lugar do lado dele. Deixou a cabeça descansar em seu peito, tomando cuidado com os ferimentos, e continuou os carinhos delicados que faziam se arrepender das decisões ja tomadas.
O rapaz resolveu aproveitar o perfume do cabelo dela sobre si. As mãos vagando sobre seu corpo e deixou o coração gritar o quanto a amava. Embora o corpo correspondesse a ela com arrepios e relaxamentos, a mente continuava a reavaliar os julgamentos.
*
A calma que se seguiu pelo resto do dia era quase incomum. Ferdinando estava terminantemente proibido de sair da cama . Recebia as refeições no quarto mas quase não as tocava, apenas quando Renato estava lá e o ameaçava com todas as besteiras cientificas que ele sabia que eram importantes.
Isso dificultava bastante sua missão de reconquistar a esposa, ja que, por mais que lhe doesse admitir, ele sabia que ela não viria visita-lo. Não com a memória tão perdida.
Ouviu um batida fraca na porta. Parecia que a pessoa tinha batido e logo depois se arrependido de te-lo feito. Mas é claro que aquilo era coisa de sua imaginação. Foi quando a ouviu novamente um pouco mais decidida e juntamente com o toque a porta se abriu. A revelando magnifica em todo o seu esplendor. Vestia um vestido vermelho com adornos em pérola. Pelos fios que saiam em alguns detalhes, ele pode adivinhar que ela ja havia tirado as muitas extravagancias do modelo. No entanto, ele acreditava ser incrível como ela ficava bem com tudo. Ficaria perfeita até com um saco de farinha. Ele imaginou brevemente a cena e tentou apaga-la ja que sua criatividade não era nem um pouco pura.
A ruiva ainda tinha alguns curativos na cabeça e nos olhos aquela incerteza incomoda.
Ela se manteve na porta. Se não a conhecesse tão bem, pensaria que ela estava esperando uma autorização para entrar. Mas sabia que o que a prendia tão firmemente a soleira da porta eram seus sentimentos confusos.
–Gina?- A voz de Ferdinando saiu suspirada e ela tremeu.
–Eu...eu...- ela desconectou os olhos dos deles e buscou qualquer detalhe no quarto que não fossem os grandes olhos azuis do rapaz ou o seu peito escultural desnudo. Encontrou um guarda roupa e resolveu sair pela tangente. Dane-se a decisão que tinha tomado. Ainda não estava preparada para ela.
–Eu vim ver se tem uma ropa decente por aqui.
–Oce não parece ta indecente...e eu não me importaria se estivesse...- Ele sabia que era inapropriado, mas não pode resistir a brincadeira. Precisava de um pouco de interação com ela , nem que para isso tivesse que induzir uma briga.
–Oce pare de bestagem Ferdinando!- ela não se atreveu a olha-lo. As maçãs do rosto estavam quentes e ela tinha certeza que tinha corado furiosamente. As mãos passavam, irrequietas, pelas roupas do ármario e ela tentou se concentrar em continuar em movimenta-las. Não necessariamente prestando atenção nas peças que passavam.
Teria continuado se não tivesse sentido a respiração dele ja perto do seu ouvido. Ele segurou a mão da esposa delicadamente e ela sentiu ele traza-la para encontrar seus lábios. Sentiu o contato formigar sua mão e fechou os olhos. O que diabos estava fazendo? Por que seu estomago parecia tão engraçado? Sentia a medula se desmanchar tornando o corpo apenas mais um abrigo de alma. Sentiu-se virar nada mais do que uma boneca de pano ao comando das mãos dele.
–Oce está linda por demais Gina.- ele continuou com a voz quase rouca. Agora beijava um por um de seus dedos. Um carinho delicado depositado na ponta de cada um deles.
A moça se deixou respirar longa e profundamente e sentiu que a calmaria havia acabado quando ele a virou rapidamente e a enconstou em meio as roupas.
Ela colocou as mãos no peito dele automaticamente e sentiu ser absorvida por aqueles olhos hipnóticos dele.
–Ocê não sabe o quanto é linda...- ele falou devagar na base do seu ouvido. Nesse exato momento, ela voltou ao passado. Fechou os olhos, viu a imagem de um espelho, luzes de vela, alguém ao seu lado e percorreu as mãos , como lembrava de ter feito, nos braços fortes que seguravam a sua cintura. Um contato tão fino e certo que parecia ser um hábito.
Estava deixando cada barreira cair enquanto sentia os lábios dele passearem pelo seu rostosem beija-la. Apenas dando consciência de sua presença.
Sentiu o contato sessar e semicerrou os olhos para encontra-lo igualmente preso a eles. Parecia tão natural permitir tal ação que ela deixou o corpo fraquejar em suas mãos. Foi nesse lembrar de memórias antigas e novas que ela se deu conta de que estava vivendo uma vida que não era dela. Ou pelo menos que não lembrava de levar. Todas as velas, de um quarto estranhamente familiar que ela relembrava agora, caíram ocasionando um incêndio em sua mente. E de repente o quarto virou um campo de batalha destruído e na agonia de se salvar ela o deixou, novamente.
–Mas o que é isso Ferdinando?!- Mais memórias. Ja havia dito isso? Não?
Que deja vu maldito era aquele?
–Calma Gina.- o rapaz passou as mãos nos cabelos, claramente frustrado.
–Oce não encosta essas suas mãos em mim.
–Ta eu ja sei...tudo bem...eu não faço mais isso, a não ser que oce peça.
–Rá!- ela riu ironicamente- Ta pra nascer esse dia seu engenheirinho!
–Oce deveria ter mais cuidado com o que fala, menininha.
Ela arrepiou novamente. Aquele apelido...ara..aquele apelido.
–Oce...oce nem devia de ta fora da cama, num era não?
–E nem oce!
–Eu não sou uma frangote.
–Gina...oce não lembra nem um pouco dos efeitos que esse seu apelido tem em mim não é mermo?
–E por que que eu haveria de lembrar?!
–Por que nos somos casados pombas!- O desespero estava beirando a irritação e ele não sabia como ela tinha essa capacidade de tira-lo do serio mesmo em situações inusitadas.
–NÃO!
Silencio. Um silencio tão aterrador que parecia que o mundo todo tinha ficado mudo. Ela colocou as mãos na boca. Sabia que aquilo poderia realmente magoa-lo. Se tudo o que Juliana tivesse dito fosse verdade. Ela o estava matando nesse exato momento.
–Oce ta certa. – ele forçou um riso- Eu não posso te forçar a lembrar nada. Mas eu não posso prometer não tentar te reconquistar.
–Oce ..- como reagir a essa afirmação?Nem ela mesmo sabia.- Ocê faça como quinser. Mas não me amole as paciência.- balançando a cabeça como se negasse ficar e ouvir aquela besteira toda, a ruiva se direcionou a saída, sem antes, ouvir do rapaz uma verdade incontestável
–Eu vou lutar por ocê Gina. Eu juro que vou.
A jovem segurou a porta por alguns instantes, de uma leve olhada por cima dos ombros e correu novamente para o quarto que a protegia.
Encolheu-se novamente na cama, agarrou novamente o camafeu , dessa vez com tanta força que jurou que o estava gravando na mão, e como um mantra que cantava desde que descobriu a foto no cordão, tornou a sussurrar para si mesma no silêncio da escuridão.
–Eu...eu quero me lembrar Nando. Eu quero.


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