Tudo estava do jeito que sempre foi . Uma casa cheia de memórias . Cada cômodo tinha um significado importante para mim , não importa se as vezes eu tivesse chorado ou sentido ódio . Eu não queria ir embora.

- Seu pai precisa voltar , Júlia , quer dizer , nós precisamos . Somos uma família , temos que apoia-lo.

-Eu sei.... Só que vai ser meio complicado , mas ........ eu vou tentar.

Meu pai é inglês e minha mãe é brasileira . Ele veio para cá por causa do trabalho , e acabou ficando pela minha mãe , que começará a perceber que amava e também porque ela engravidou. Passando-se 3 meses de sua decisão , finalmente , havia conseguido uma vaga - na empresa onde trabalhava - fixa no Brasil. Só que , depois de 10 anos , quando já estava com uma família construída ,uma vida formada , a empresa veio a falir . Tudo que ele ergueu no Brasil , teria que ser deixado para trás .

-Não há condições de continuar a viver aqui . Não consigo arrumar emprego , e não quero mais a ajuda da sua família , Aline . Decidi que o melhor seria voltar para Nottingham , construir uma vida financeira melhor para todos nós. Quero o apoio de todos , é tudo que peço.

Eu sabia que esse dia iria chegar , mas não tão cedo. Não tinha escolha , com a decisão de todos para ajudar a nós mesmos , ou eu me mudava ou eu me mudava. Provavelmente , este deve ser o sonho para qualquer pessoa . Ir para um lugar totalmente diferente , principalmente , se este lugar for a Inglaterra. Mas para mim , não é o certo . Preciso de um tempo para pensar na minha vida que será deixada para trás .

-Como assim?- disse Sara com um olhar surpreso . Já sabia que iria me mudar fazia um tempo , mas deixei para contar para ela faltando 1 semana - Você só pode estar brincando ....

Eu não era muito social na escola . Minha única amiga , aliás, minha melhor amiga , sempre foi a Sara . Nos conhecemos na 1 serie , e desde então viramos unha e carne . Ela sempre foi , digamos , de todos , mas eu não me importava . Chamava atenção por causa dos enormes pares de seio e também por sua beleza ''comum''. Ruiva , olhos claros e um pouco alta. Ela nunca foi muito inteligente e em nenhum momento deixou de me ''ouvir'' , com conversas de pessoas que não tem vida , como ela dizia.

- Não , é 100 % verdade.

- Sua vagabunda!! Você já sabia disto e não me contou?

- Estou contando agora....

- Devia ter me contado A-N-T-E-S , entendeu? Não acredito - Disse virando-se para frente da carteira - você é uma puta de uma sortuda....

- Acho que não .... Sara , tudo que conheço está aqui ... tudo que amo...

- Júlia , vai se fuder . Chega deste drama e veja como ganhou na loteria....

Sara nunca foi de pensar antes de falar . Sempre foi insensata . Jamis foi de ver o lado ruim das coisas , como era o caso.

- Fala assim porque pensa na suas próximas férias.

-Mais é claro. - disse voltando-se para mim e abrindo um grande sorriso - Que maravilha ..... Nossa ,você pode imaginar? Que loucura...

Não estava mais prestando atenção no papo sem sentindo da Sara . A única coisa que chamava minha atenção era o Vitor , que estava rindo junto com um garoto ao seu lado . Estava prestando atenção em cada detalhe de seu rosto . Tinha um cabelo escuro , meio curto , seus olhos , castanho claro, sinceros e de fazer tremer os joelhos , seu nariz um pouco grande , mas eu não me importava . O quê realmente me fazia doida era sua boca , carnuda - não tão grande - e vermelhinha . Senti-me perdida . Existia apenas ele , nada ao meu redor importava . Não sabia o quão meu olhar fixava sobre ele , pois virou-se em minha direção e sorriu . Fiquei tão vermelha - bem , eu não vi , mas era obvio - e voltei minha atenção sobre Sara.

-..... Imagina quantos meninos gatos deve ter lá...

- Chega tagarela e presta atenção , tudo que amo está aqui ..... Tudo...- Disse virando a cabeça para olhá-lo . Ele continuava rindo , e continuava a fazer tudo a minha volta desaparecer.

-Ah sim , agora tudo ficou claro. Todo este drama é por causa do seu jovem amado - disse quase gritando , apontando para o Vitor - DRÁMATICA ..

(....)

Fiquei sentada em minha cama olhando o meu quarto que era pintado de rosa , era um mundo rosa. Minha mãe escolheu a decoração de menininha , e eu nunca tinha me incomodado com isso. Meu único orgulho e privilegio era a estante de livros , que incansavelmente me colocava em um mundo incomparável.

Encostei minha cabeça no travesseiro , e me permiti ser levada pelos meus pensamentos . Tudo o quê vinha ao meu redor , era a conclusão do final dos meus dias aqui no Brasil . Meus dias finais de escola . Minha última semana para dizer tudo o quê sinto para o Vitor.

Tão bobo os meus sentimentos . Como poderia sentir algo tão forte por alguém que em 3 anos troquei poucas palavras?

(...)

-Empresta um lápis ? O meu quebro - disse alguém me cutucando por trás . E eu sabia , que era aquele na qual eu tanto alvejava para trocar palavras.

-C-claro - disse me virando bruscamente o corpo - Aqui.

-Obrigado , Júlia - disse pegando o lápis , sorrindo.

(...)

Reconheci que este dia existiu a exclusiva conversa concretizada que jamais tivemos em 3 anos. Me sentei novamente na cama , percebendo que está seria a minha única chance .

-Foda-se , eu vou dizer para ele toda minha verdade , todo o meu ''eu''. E dai se ele não retribuir - disse em voz alta , com uma pontada de dor - .... Eu vou poder fugir e .... começar do zero.

-Tudo bem filha? - disse uma voz vindo da porta . Olhei alarmada nesta direção , e vi que era minha mãe.

-Nossa que susto , mãe .- disse aliviada , repousando novamente minha cabeça no travesseiro , e com a mão no coração.- Nunca mais apareça assim , se não morro de vez.

-Desculpa , é que eu ouvi você falando sozinha ........

-Apenas estou fora de mim , não se preocupe.

(...)

No dia seguinte , contei a Sara a minha decisão e tudo que eu iria fazer se desse errado. Ela pareceu feliz e concordar comigo , que , sinceramente , me surpreendeu.

-Já estava na hora disso acontecer , senhora Benotelli . Andava cansada de mandar indiretas ''praquele'' sonso.

-Senhora Benotelli? Quê? .... A Sonsa aqui é você.

-Tá , tá ...... Quando ''cê'' vai falar com ele?

-Não sei .... hoje talvez ..

-Perfeito - disse com um sorriso de cegar os olhos . Parecia mesmo animada. - Vou tentar deixar os dois sozinhos , aqui na sala.

-A última coisa na qual quero é uma ''sabichona''/ vadia , se intrometendo na minha ''vida amorosa''.

Tudo voltou ao normal , ela continuava a falar e falar , sem sequer ouvir minha opinião .... Sobre minha vida. Eu estava tão nervosa , que subitamente entrei na brincadeira dela de não prestar atenção. À medida que continuava a tagarelar eu ficava mais nervosa . Eu sentia apenas o meu coração acelerado , não sabia como fazer aquilo . '' Ele vai me rejeitar e depois vai me humilhar '' pensava comigo.

-Júlia , fique aqui , vou chamar ele - Disse levantando-se da cadeira e saindo da sala , que estava vazia por sinal. - FIQUE AQUI.

-O quê??

Por quanto tempo eu sumi ? Havia passado 2 aulas ..... AI MEU DEUS . O quê vou fazer agora? Entrei em pânico , por dentro , e não conseguia me mexer. Para tentar me distrair , fiquei olhando para a janela , vendo as folhas dançarem conforme o vento as conduziam.

-Oi ... hen... Júlia , certo? - Disse Vitor sentando na carteira da frente - A Sara me pediu para vir aqui...

-É .. - disse engolindo em seco . - J-Júlia .... é..

-Então , você quer dizer alguma coisa?

-Sim .... É .... Eu preciso te dizer , primeiramente .... Que vou me mudar ... e ..... han.... Eu nunca mais vou te ver ... han... E que ... tenho sentimentos.... fortes por você.

Sua expressão não era de surpresa , na verdade , eu não sabia o qual estava sendo sua reação . Tudo ficou muito estranho , e a cada segundo que se passava , ficava pior .Eu olhei para a mesa e vi um rabisco que eu tinha feito , era o começo de um poema de John Keats .'' Fosse eu imóvel como tú, astro fulgente . Não suspenso da noite com uma luz deserta.....''. Enquanto , novamente, me perdia nos meu pensamento , ele colocou a mão em meu queixo e ergueu meu rosto para olha-lo diretamente em seu olhos . Então , apenas sorriu , aquele sorriso de fazer qualquer uma desmaiar.